Jogos Vorazes por Cato escrita por AmndAndrade


Capítulo 20
Capítulo 20 - 13


Notas iniciais do capítulo

Eu seeeei que tá enorme. Desculpa por isso. Eu quis dividir em dois, mas cortava a melhor parte do capítulo ao meio! Não deu, sério. Mas acho que vocês vão gostar.



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Demoro um pouco até juntar todos os fatos em minha cabeça. Imagens que eu não quero lembrar aparecem assim que vejo o extenso campo de grãos que começa à poucos metros de onde estou. Clove mostrando-me o território. Clove no chão. Thresh correndo, com nossa mochila e uma pedra enorme na mão. Uma reentrância igualmente funda na cabeça de Clove.

As peças antes bagunçadas formam agora uma imagem que me enche de puro ódio: Clove morrendo pelas mãos daquele desgraçado. E agora sinto, com cada fibra do meu corpo que preciso traçar um plano. Que quero que ele morra.

Que ele morra não, corrijo. Que eu o mate.

Não sei bem por onde começar. Parece um pouco imprudente que eu saia buscando por ele sem saber nada do território. Então a árvore em que estou apoiado me dá uma idéia incrivelmente boa.

Tenho meus noventa e tantos quilos, mas os galhos parecem suficientemente firmes. Já tentei uma vez na arena e não fui bem sucedido, mas não pareço ter muita opção. O som dos galhos que quebram é abafado pelos vários trovões que ecoam acima de minha cabeça. Não sei se é prudente escalar árvores em tempestades, mas sei que essa tempestade não é simplesmente um evento natural. É tudo plano dos Idealizadores.

E sei que eles não perderiam o que seria uma boa luta entre eu e Thresh para me ver morrer eletrocutado. Os espectadores achariam isso um tédio e tédio é a única palavra que não pode, de forma alguma, fazer parte da descrição de alguma das edições dos Jogos.

Paro a uns seis metros de altura e dou mais uma olhada. Dali, posso ver que o céu está cinzento, mas não é noite; no máximo meio-dia, eu suponho. Não havia percebido, mas estou extremamente cansado. Estou falando do físico mesmo. Montei guarda numa noite e fiquei bem lesado na outra, de modo que não durmo direito há dois dias.

Observo o galho em que estou. Deve ter pelo menos uns vinte centímetros de diâmetro. Menos de um metro à esquerda, outro galho bem parecido, que certamente suporta meu peso. Abro um furo em cada extremidade do saco de dormir e os prendo, um com o cinto que estou usando e outro com uma corda de minha mochila, formando uma espécie de rede. Deito e o cansaço não me deixa ficar acordado por mais de dez minutos.

Às vezes, quando as coisas estão particularmente ruins, minha mente produz sonhos que simplesmente lascam tudo de vez. Tipo quando você está chateado e ao invés de procurar fazer uma coisa para se animar, coloca a música mais deprimente que tem pra tocar e fica escutando. Ou então, tenho sonhos tão perfeitos que quando acordo e vejo a realidade diferente fico morrendo de ódio.

Nessas quatro ou cinco horas em que estou dormindo, revivo cada detalhe da primeira noite em que eu e Clove ficamos de verdade. Desde quando puxo-a para a Cornucópia e desato os botões de sua jaqueta mais rápido que qualquer sutiã, casaco, vestido ou qualquer coisa que eu já tenha aberto. Ela foi quente, muito mais quente que qualquer outra. Selvagem. Audaciosa. Lembro de um momento em que estou no ápice, arfando como se tivesse corrido muito tempo. Sinto o hálito quente em meu ouvido, deslizando por minha orelha e descendo até meu abdômen. Puxo-a para baixo e preparo-me para passar meu corpo para cima do dela, quando a Cornucópia gira de repente e o ar circula em minhas costas, causando-me um arrepio. Sinto uma pressão de leve na cabeça e quando começo a sentir minha barriga deslizando por alguma coisa, abro os olhos.

Estou pendurado de bruços no saco de dormir, que agora está de cabeça para baixo enquanto escuto os pingos incessantes de chuva baterem no material acima da minha cabeça. Estou com a boca incrivelmente seca, então a primeira coisa que faço depois de deslizar cuidadosamente até onde alcanço o galho e lançar o peso do corpo por cima dele até me sentar é beber um pouco de água. Observo o nó bem-feito que prende o saco de dormir ao galho. Está ligeiramente afrouxado.

É, eu devo ter me mexido bastante, sorrio com certa tristeza.

Tem um pacote de frutas secas do lado de fora da mochila. Eu não tinha reparado. Praticamente despejo-as na boca, do jeito que minha mãe sempre abominou. Quando éramos crianças, eu e Caius fazíamos competições de quem “bebia” mais salgadinhos do pacote em um curto tempo, de dez ou quinze segundos. À contragosto, claro, Cathy era nossa juíza.

Imagino o que ela deve estar achando de tudo isso agora. O que todos devem estar achando. Se eles estão achando mais coisas dos outros tributos do que mim.

Escuto trovões e, vez ou outra, raios clareiam o campo em que estou por dois ou três segundos. E num desses clarões que o vejo. Cinquenta metros a leste, abaixo de uma árvore semelhante a essa, um vulto descansa protegido da chuva por algum tipo de capa. Meu coração acelera e eu simplesmente espero. Num próximo raio, consigo ver com mais clareza que é um rapaz. Do meu tamanho, talvez. Vivo, absolutamente vivo. Espero um quinto raio até que consigo formar um esboço da minha mente. Aí sim, quase caio do galho: é Thresh, o tributo que matou Clove.

Quero descer. Imediatamente. Quero amarrá-lo num tronco e cortar cada dedo dele devagar e separadamente, depois os pulsos, os braços... Concentração, Cato. Não está absolutamente escuro mais perto de mim. O campo é denso, mas eu seria visto se atravessasse a pé. E não o enxergaria chegar, caso ele me visse.

Observando em volta, posso perceber um aglomerado de quatro árvores grandes. Juntas, poderiam formar um caminho de mais ou menos trinta metros até onde ele está acampado. Certamente não há cavernas ali, e ele não se preocupa em se expor porque sabe que ninguém iria atrás dele.

Minha decisão está tomada.

Enquanto desço da árvore e percorro cautelosamente os vinte metros que tenho que fazer por solo, me ocorre que amarrá-lo num tronco e arrancar cruelmente os olhos e desmembrá-lo até que morra seja exatamente o que a Capital quer de mim. Não estou muito a fim dar um bom show, especialmente agora.

Obviamente lutarei se ele reagir. E me parece que reagirá. Nada de diálogo, tomo nota mental. Nada de picar em pedaços, outra nota mental enquanto subo a primeira das quatro árvores, ciente de que os trovões anulam qualquer barulho que eu faça.

A uns sete metros do chão, instalado sobre a segunda árvore, paro para pensar um pouco. Menos de vinte metros à leste Thresh provavelmente está descansando, uma vez que não se moveu uma única vez. Enquanto atravesso um emaranhado de galhos firmes com cuidado, sou obrigado a parar. Seria o suficiente apenas não oferecer um bom show? Provavelmente não demonstraria uma pequena fração do ódio que sinto de todos ali.

Paro rente ao tronco da terceira árvore e respiro fundo. Estou mais seco agora que tenho estado abrigado por galhos, mas ainda assim estou com frio. Lembro-me da colheita e de tudo que eu estava cansado de ver todos os anos. Então os Dias Escuros me vêm à cabeça.

Depois de Panem surgir de alguma coisa que antes foram os Estados Unidos da América, dividida em uma Capital e treze Distritos submissos, o décimo terceiro distrito se revoltou. E depois de tomar de volta o poder, como castigo pela rebelião e uma lembrança dos Dias Escuros em que esta aconteceu, cada Distrito deve enviar dois tributos de sexo oposto para a arena nos Jogos Vorazes, uma vez por ano.

A imagem de quatro ou cinco anos atrás me volta à cabeça. Na época, a esposa de nosso prefeito era diretora da escola local. Um tédio de mulher, particularmente falando. Meu pai havia me dado uma espada sem corte com o cabo de mármore, a espada mais bonita que eu havia tocado em toda minha vida. Obviamente levei-a a escola. Mesmo sem corte, a espada era pesada o suficiente para lesionar músculos, e eu simplesmente testei na hora errada, no lugar errado. Logo quando o garoto saiu mancando, apertando a coxa em que bati a espada, essa bruxa aparece no pátio e me toma a espada.

Fiquei possesso, mas não podia fazer mais nada ali. Então executei o plano: fingi estar doente demais para ir à aula. Caius obviamente me deu cobertura. Depois que meu pai foi trabalhar e minha mãe levou Cathy à qualquer coisa inútil de menina, saí esgueirando-me até a casa do prefeito. Pulei a parte de trás do muro e encontrei a porta dos fundos aberta. Cautelosamente, comecei a vasculhar os cantos da casa com o maior cuidado possível. Então algo brilhante me chamou atenção. Entrei no que parecia ser nada menos que o escritório do prefeito. A espada estava ali, perto de uma pilha de livros. Agarrei-a e preparava-me para escapar quando o telefone toca e ouço passos firmes vindo para a porta. Sair pela janela me parece impossível, já que está travada e tenho apenas alguns segundos. Decido esconder-me debaixo da mesa, mesmo sabendo que serei pego caso ele precise de qualquer coisa das gavetas. Vejo sapatos lustrosos movendo-se para lá e para cá depois que ele pega o telefone sem fio. Parece nervoso.

– Para o Distrito 13? – sussurra, em tom claro de reprovação. – Qual o nível do retardo mental de Coin? Se o presidente Snow souber me executará em praça pública. – Há uma longa pausa. – São ordens diretas dele? Isso muda tudo. Eu sei, eu sei. Sim. Claro. – Outra pausa enquanto ele suspira. – Sim. Posso dar conta disso. Mandarei todo o mármore que eles precisarem. Sim. Cuidarei para que ninguém saiba para onde estou mandando. Certo. Minhas saudações ao Snow – diz e desliga o telefone.

Os pés movem para perto da mesa e sinto que posso ter de trocar as calças mais tarde. Depois que ele sai segurando uma agenda ou qualquer coisa do tipo, agarro a pesada espada e salto a janela, deixando o escritório sem olhar para trás uma vez sequer. Entro correndo no quarto e jogo a espada para Caius, que está na cama ao lado rindo sem parar e esforço-me, por fim, para parecer bastante gripado.

Distrito 13, a voz ecoa na minha cabeça. Cuidarei para que ninguém saiba para onde estou mandando. Irrita-me que as peças só tenham se juntado agora, tantos anos depois. Enquanto preparo-me para alcançar outro galho, questiono a não-existência do Distrito 13. Quando alcanço a árvore sob a qual Thresh está abrigado, já decidi o que fazer.


Os galhos atrapalham um pouco minha visão, mas Thresh está imóvel e encostado na árvore. Desço para uma altura de quatro metros e avalio minhas opções. Estou alto demais para pular e surpreendê-lo. Arremessar minha espada e ameaçar perdê-la? Jamais. Se ao menos algo pudesse chamar sua atenção...

Então vejo. Um galho curvo e espesso. Serro e lapido um pouco até ficar mais ou menos parecido com um bumerangue. Então jogo o pedaço de madeira e observo-o bater em sua cabeça. Chega a ser cômico o jeito com o qual ele se levanta, apontando uma lança para a chuva e segurando uma pedra enorme. Algo naquela pedra faz um ódio absurdo crescer em mim. Enquanto ele dá um giro em torno de si para localizar o agressor, salto da árvore e empunho a espada. Os pelos da minha nuca se eriçam de êxtase quando ele vira, então tenho que me lembrar que não o torturarei. É ele. O garoto que rejeitou meu convite na semana de treinamento.

Ele arremessa a lança, mas ela se crava na árvore quando me aproximo dele com a espada em punho. Miro seu estômago, mas tudo que consigo é um corte grande em seu ombro por conta de seu desvio. Sinto o cheiro inconfundível de sangue quando ele me acerta na cara. Que diabos ele tem na mão? Um soco inglês? Ele tenta tomar a espada de minha mão pelo cabo enquanto ainda estou tonto pela pancada, mas puxo-a de uma vez, de modo que sinto a lâmina deslizar por sua mão direita. Desejo secretamente que um dos dedos caia. Não tenho tempo de conferir porque ele arremessa a pedra em minha mão, e sinto uma dor excruciante em meu pulso. Sou obrigado a soltar a espada no reflexo, e então ele joga todo seu peso para cima de mim.

Agora sim estamos lutando que nem homem.

Socos são regularmente distribuídos enquanto rolamos pela lama. Sinto o sangue escorrer por diversas partes do meu rosto, mas não me importo. E ele então me prende com os joelhos.

– Você matou Rue! E ela era só uma garotinha! – ele grita e há um lampejo de ódio nos olhos escuros. Infelizmente, não sei do que ele está falando. Ele empurra minha garganta, mas eu não conversaria nem que pudesse. – E sua namoradinha quis matar a única garota que tentou salvá-la nessa droga de arena – ele prossegue. Ele está falando de Clove? Falando sobre o combate entre Clove e a brasinha? – Sabe como ela morreu? Do jeito que mereceu. Do jeito que você vai morrer – ele diz e vasculha a lama com a mão livre até agarrar uma pedra.

Eu já sabia. Sabia que Clove tinha sido morta por uma pedra. E sabia que ele a possuía. Sabia que ele havia matado. E então, antes que ele erga a pedra, bato meu punho machucado com força em seu rosto. Não machuca, mas o deixa desnorteado por tempo o suficiente pra que eu role por cima dele. Agarro a pedra de sua mão e bato-a em sua cabeça. Seus olhos tremem e seu corpo amolece com o impacto. Mas deixá-lo sofrer assim é o que a Capital quer.

Tateio o chão em busca da espada e a encontro. Ele olha pra mim de um jeito severo. Parece disposto a falar qualquer coisa, mas eu não quero ouvir. Não quero que Panem ouça mais nada. Então, antes que ele abra totalmente a boca, jogo todo meu peso em meu antebraço, bem em cima de sua garganta e ouço o som de alguma coisa quebrando. Ele tosse por alguns segundos, espirrando sangue quente que se mistura com o líquido que escorre por meu rosto. Mas não dura muito. Mesmo em meio aos trovões, o som do canhão é claro. Thresh está morto.

Ainda arfando sobre seu corpo, sei que meu ódio é mal direcionado. Obviamente o odeio por matar Clove, mas meu ódio é causado pela Capital. Pelo sistema ridículo ao qual fomos submetidos. Talvez isso seja viver estando morto, como Caius certa vez disse.

Não sei o que fazer, mas qualquer tentativa de comunicação com o exterior terá de ser feita aqui e agora. Rasgo a camisa do garoto e vejo melhor o corte que fiz no ombro. Não pega nem um pouco do peito. E é lá que deixarei meu recado.

Cuidadosamente, desenho um 13 que cobre toda sua caixa torácica usando minha espada. Em seguida penso no que mais escrever. “Vigiem” ou “procurem” me parece óbvio e desesperador. Então me ocorre outra idéia e desenho um olho logo abaixo do número. Outro olho do lado esquerdo, outro do lado direito. Cinco olhos circulam o número treze quando termino com ele. Espero que entendam. Espero que o Distrito 13 exista e aponte todo o material nuclear direito para a cara da maldita Capital.

Ergo-me do chão, cambaleando e deixo que o aerodeslizador recolha o corpo. Em seguida, desabo no chão.



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Notas finais do capítulo

Gente, a fic tá acabando. Queria agradecer à todo mundo que recomendou e comentou até aqui. E então? Já deu pra sacar qual é a surpresa né... Dica: tem a ver com os bestantes, rs...
O que acharam do capítulo? Beijosss seus lindos!