Catarina de Navarro escrita por slytherina, jessica varela


Capítulo 9
Capítulo 9




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/30567/chapter/9

                    Catarina revolvia a terra, preparando-a para o plantio. Acordara cedo e ajudara a mãe de Miguel na ordenha dos animais. Os homens haviam saído para cortar lenha. Voltariam na hora do almoço, que a matriarca já estava preparando. Vez por outra Catarina olhava para a estrada de terra batida logo adiante. Ela tentava acalmar os pensamentos e a nostalgia no coração. Mas os olhos, a esses ela não conseguia dominar. Eles buscavam a estrada, como se fora um pote de ouro, ou o oásis para o viajante sedento. Suas mãos manejavam o forcado, seu corpo arqueava-se com o esforço. Sua fronte suava e pingava com a lida, mas seus olhos eram livres. A mão enfraqueceu e soltou a ferramenta, o corpo cansado foi impulsionado para a frente. Lentamente ela começou a andar em direção à estrada. Lá no íntimo do seu ser, ela escutou Miguel: "Não vá meu amor, minha vida. Eu te amo. Fica comigo, minha noiva." Quando fora mesmo que ele lhe dissera tais coisas? Ela continuou andando tropegamente. Novamente as vozes a chamavam: "Catarina, tu és como uma filha para nós. Aprendemos a te conhecer e a te amar. Não vá. Fica." Eles realmente gostavam dela, mas não era filha deles. Os passos dela ficaram mais firmes, e o desejo febril de ir a tornara forte. Ela aumentou a velocidade. As vozes ainda tentavam retê-la: "Não vá para casa, Catarina de Navarro. A morte te espera lá". Mas ela não voltava pela morte, e sim por sua mãe. Quando Catarina se deu conta, estava correndo velozmente, sem os tamancos de madeira, com as meias rasgadas, com os cabelos desalinhados, o peito doendo, a boca entreaberta, as lágrimas caindo em seu rosto. Dessa vez foi sua própria voz que ela escutou: "Adeus Miguel, meu amor. Deus te guarde e a tua família."

                     No fim daquele dia, o cansaço a venceu. Estava perdida. Não sabia que rumo tomar. Aproximara-se das pessoas e perguntara onde estava, mas eles não falavam sua língua. Perambulou pelas ruas da cidade, até desmaiar de exaustão. Acordou no dia seguinte. Estava sozinha numa cama em um quarto. Suas escoriações da jornada estavam doloridas, mas percebeu que haviam sido limpas. Alguém a recolhera das ruas e a levara para um lugar seguro. Ela sentiu medo, mas estava cansada e com o coração pesado de saudade. Resolveu aceitar os cuidados de seu benfeitor. Voltou para cama e tentou dormir novamente, mas alguém mexeu na fechadura da porta. Catarina tremeu de pavor. Então uma mulher vestida com muitos panos, que lhe cobriam os cabelos, deixando visível somente seu rosto redondo, entrou no quarto. Catarina percebeu que era uma freira.

                     - Dormiu bem, minha filha? - a religiosa perguntou com um sorriso doce.

                     - Sim, Senhora. - Catarina respondeu ainda temerosa. Religiosos significavam inquisição.

                     - Eu te encontrei caída nas ruas e tive pena. Sabe, o pai santíssimo me colocou no teu caminho, para que eu te ajudasse. Ele é muitíssimo misericordioso e perfeito, pois que até as mendigas das vielas imundas, ele acolhe e concede abrigo. Tu és uma mendiga, não é mesmo?

                     - Acho que sim.

                     - Tudo bem, não é vergonha ser mendigo. Muitos não alcançaram a graça de ter uma família. Muito pior se fosse prostituta. Por acaso tu és uma prostituta, também?

                     - Eu acho que não.

                     - Muito bem minha filha. Muito bem. Tu alguma vez já ouviste falar em Maria Madalena?

                     - Já!

                     - Pois então, minha filha. Nosso Senhor Jesus Cristo perdodou a mulher pública e pecadora, Maria Madalena, e ela se tornou discípula do mestre dos mestres. Acaso tu também não queres te tornar discípula de Nosso Senhor Jesus Cristo?

                     - Eu... gostaria sim, mas antes preciso... me preparar... me purificar para me tornar discípula.

                     - Oh! Oh sim, como moradora das ruas tu deves estar cheia de impurezas, filha. Vai e te limpa. Depois quando estiveres livre de pecados, volta para cá, que te receberemos de braços abertos.

                     -Obrigada! Por favor, poderia me dizer, como adivinhou a minha língua? Mais ninguém neste país fala o meu idioma.

                     - Oh, tu deliraste em febre enquanto era banhada, e cuidávamos de teus ferimentos. Falaste algumas palavras em espanhol.

                     - Poderia me dizer, como faço para retornar ao meu país?

                     - Nosso pai santíssimo te concedeu uma bênção, minha filha. Ele te acolheu no seio das irmãs de caridade, neste convento. Não é sábio dizer não a Deus, e lhe virar as costas.

                     - ...

                     - A estrada que vai para oeste, no portão dos moinhos de vento, ela leva à Espanha. Espero que saibas o que fazes... - A religiosa se levantou da beirada da cama onde estava sentada, e dirigiu-se à porta. Já na saída virou-se para Catarina, com o semblante frio e duro. - ...e que Deus tenha piedade da tua alma.

                     Catarina saiu o mais rápido que pôde daquele convento. Algo lhe dizia que ali havia um tipo diferente de inimigo, que ela podia apenas pressentir, mas não sabia o que era. Rumou para o local indicado pela religiosa, e viu-se ao cair da noite em uma floresta sombria, silenciosa e inóspita. O caminho era calçado com pedras, mas por ali não passava viva alma. Ela achou melhor proteger-se no matagal, que ladeava a estrada, e prosseguir sua jornada pela manhã. Apenas cochilou por alguns minutos. Escutou barulhos estranhos e o crepitar de caminhadas. Por pouco não saiu de seu esconderijo para juntar-se aos andarilhos, mas o senso de auto preservação e juízo falaram mais alto, pois poderiam ser salteadores, preparando-se para atacar os incautos. Quando o céu se tisnou de vermelho, e as aves cantaram anunciando a alvorada, Catarina prosseguiu viagem.

                     Por muitos dias andou. Esmolava comida e água, dormia na mata, escondida como um animal. Há muito descuidara da própria higiene, e suas roupas agora não passavam de trapos. Evitava a companhia de andarilhos, preferindo esmolar de casa em casa, pois tinha medo dos peregrinos das estradas. Então um belo dia, ela reconheceu a paisagem de sua terra natal. Foi até a antiga casa de Miguel. Ela continuava abandonada. Havia agora uma notificação da inquisição pregada na porta, avisando a todos que Miguel e sua família eram marranos fugitivos da lei, e deveriam ser denunciados e presos. Há alguns meses, a simples visão do timbre da inquisição, produzira náuseas e pranto em Catarina. Agora ela não se importava mais. Simplesmente ignorou aquele pedaço de papel. Instalou-se na casa, e lá habitou por alguns dias. Ficava escondida e receosa a maior parte do tempo, enquanto se preparava para seu destino.

                     Enquanto isso, num país não muito distante, Miguel chorava pela perda da noiva. Ele também mirava a estrada, pensando em ir atrás dela. Seus pais se abraçavam a ele também chorosos.

                     - Tu a perdeste, Miguel. Aceita isso, filho meu. Não vai atrás dela. A inquisição já deve tê-la apanhado. Não adianta mais. - A mãe de Miguel o apertava forte.

                     - Ela é a Catarina mãe. A Catarina. - Miguel chorava arfante.

                     - Nós a amávamos também, meu filho. Nós a perdemos. Não queremos te perder também. Desiste dela filho. - O pai de Miguel soluçava.

                     - Ela é minha amiga. A garota mais adorável da aldeia. Ela é linda, e é boa também. Tem bom coração... é a pessoa mais caridosa que eu já... - Miguel desatou a chorar de novo, fazendo com que seus pais se agarrassem a ele para impedir seus passos.

                     - Ela escolheu a morte filho. Não escolhas tu também a morte, pois nós te seguiríamos.

                     Os três choraram desconsolados, abraçados.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!