Luz Negra I - Oculta escrita por Beatriz Christie


Capítulo 35
Capítulo 35 - Iniciada




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         Quanto mais eles falavam e mostravam para o que os objetos serviam, mais perguntas me surgiam. Todos haviam saído para procurar Enzo novamente. Ettore e eu éramos os únicos no hotel.  Eu estava tentando me distrair enquanto e ele terminava de explicar a funcionalidade do que eu havia pensado ser uma bússola, quando o interrompi.

- Este ponteiro na vertical irá movimentar-se sempre que houverem carregadores por perto...

- Ettore, o submundo sempre existiu?

- Não, assim como a dimensão da superfície onde estamos, o submundo foi consequência de acontecimentos divinos.

- Acontecimentos divinos?

- Sim, a superfície surgiu a partir de Eva e Adão. O submundo surgiu do arrependimento. 

- Não sei nem dizer se já me contaram isso, ouvi tantas coisas novas que mal consigo processar.

- Com certeza não ouviu. Seu mestre quem deve lhe contar sobre nosso surgimento, sobre as leis do submundo, a usar seu poder.

- Meu mestre?

- Quem irá lhe guiar na iniciação. E, a propósito, o seu serei eu. - ele deu um sorriso e me deu um empurrãozinho que devido á sua força me fez derrubar a "bússola". Confesso que aquilo ficou doendo depois - Desculpe.

- Espero que isso não seja um aviso de como você será como mestre. - esfreguei meu braço fazendo Ettore rir.

- Somente exijo foco, nada mais. 

- Agora, explique a história do submundo ter surgido de um arrependimento.

- Um? Não, vários. Vamos lá... - já era madrugada e estávamos sentados no chão com vários objetos em volta. Ettore pegou uma caixa de madeira com adornos de ouro e abriu-a. De lá, tirou papéis que continham gravuras - Você já ouviu falar da revolta de Lúcifer? 

- Lúcifer... O da bíblia?

- Exatamente. Ele revoltou-se contra Deus e por isso foi Expulso do céu. Porém, ele não foi sozinho. Centenas de anjos foram com ele, acreditando nas palavras que Lúcifer havia dito á eles. Ele lhes disse que Deus os limitava, aprisionava e que, se fossem com ele, poderiam ter seu próprio reino e não mais serem "subordinados". - Ettore pegou uma gravura em que uma silhueta negra com asas parecia erguia um braço como um lider e outras várias sobras brancas repetiam o gesto - Eles seguiram o anjo da mentira, mas logo arrependeram-se pois após ter de servi-lo no inferno,viram que nunca foram maltratados por Deus. - ele ergueu a gravura em que os anjos agora eram cinza e eram açoitados enquanto estavam um lugar repleto de chamas - Eles uniram-se e rezaram pelo perdão de Deus. Foi então que foram todos desaparecendo, um por um, do inferno. Os anjos acreditaram terem sido perdoados quando mostraram seu arrependimento sincero e que Deus os estava levanto novamente ao Paraíso. - a outra gravura mostrava diversos anjos cinzas desaparecendo aos poucos do meio das chamas - Mas, eles estavam enganados. Era verdade que Deus havia ouvido suas preces e visto que o arrependimento era sincero, mas ele não poderia confiar neles novamente, pois já não eram puros o bastante para estarem na companhia dos outros anjos e de Deus. Não poderiam voltar jamais para o Paraíso e não eram humanos para estar na superfície. Foi então que ele criou o submundo, onde os anjos ficaram livres do inferno, porém foram punidos. Já não seriam mais imortais, tampouco teriam aparência esplendorosa. Seriam seres nem humanos, nem espirituais. Presos no limbo entre vida e morte. 

                

             Fiquei por algum tempo observando as gravuras e pensando em como eu gostaria de que tudo aquilo fosse apenas uma lenda, mas não era.

- Você acredita? - perguntei enquanto Ettore guardava os objetos nas bolsas de couro marrom.

- Na história do submundo? 

- Em Deus. - era notável. Aquilo o havia pego de surpresa.

Ettore ficou alguns segundos em silêncio enquanto pensava.

- Creio nele, mas creio também que muitas pessoas enganam outras usando seu nome. E você, acredita?

- Sim, mas...

- Mas? - ele parou de guardar os objetos e apoiou um braço no joelho. 

Era uma posição estranha, como se ele estivesse surpreso e ofendido diante da minha dúvida em relação á pergunta. Ele era um ser do submundo e defendia a Deus mais do que muitos humanos.

- As vezes as pessoas acreditam em Deus pois precisam sentir que alguém os ama incondicionalmente, independente de como elas forem. Precisam acreditar que estão protegidas.

- Você é uma dessas pessoas?

- Não sei... Não sei nem se Deus amaria alguém com tanta potência para acabar com o mundo.

- Ele ama você Mellany. - Ettore me olhou nos olhos com uma expressão pensativa - Assim como amava aqueles anjos.

- Os amava, mas deixou no limbo. - completei.

- Deixou no limbo... um lugar onde eles poderiam viver sendo livres como queriam. Deus deu á eles tudo que queriam, mesmo sem que merecessem. - Ettore ficou encarando a bússola em sua mão - Andando por este mundo dos comuns enquanto estávamos vindo ao seu encontro, vi que vocês aprisionam suas árvores.

- O quê? - fiquei tentando imaginar se aquilo era um analogia. Eu era péssima com analogias.

- É, as árvores nas calçadas estão sempre aprisionadas. Então, Paola me explicou que fazem isso para que elas cresçam sempre para cima, para que não fiquem tortas. Isso não lhe parece um castigo? - ele parecia falar consigo mesmo.

- Tem razão. - dei um sorriso - Você se daria bem com a minha mãe, ela é a maior defensora das árvores.

- Lhe contei isso para mostrar que, as vezes, o que parece um castigo na verdade é o único modo que tinham de lhe fazer subir. 

Suspirei.

- Estou tentando não ser negativa em relação a tudo isso, mas é difícil acreditar que passaremos por tudo e chegaremos juntos no fim. 

- Não há vitória sem sacrifícios. 

- Mesmo assim, manterei a esperança.

Ettore ficou me encarando com um olhar que denotava orgulho. Essa era a resposta que ele esperava.

- Você sabe o que dizem sobre esperança. Não adianta tê-la e ficar parado. - ele levantou-se e me ajudou a levantar também - Vamos começar a trabalhar.

                 Ettore levou-me até o corredor. O hotel era pior do que eu pensava. As paredes do corredor estavam manchadas e a madeira do chão também. 

- Tellor está no quarto ao lado...

Ele parou de falar quando um homem de uniforme cinza evidentemente sujo passou por nós coçando a barba. O homem ficou nos encarando com uma  cara de estranheza. Olhei para minha calça jeans azul, a coisa mais próxima de incomum nela era o rasgado no joelho. Meu tênis vermelho e o casaco de moletom não eram sofisticados, mas também não era pra tanto, né? Quando ele já estava no fim do corredor, reparei que na verdade ele olhava para Ettore e suas vestimentas super incomuns. Uma calça preta de tecido grosso, colete de couro marrom com pele nas bordas e uma blusa também preta. Fora as botas marrons, o cabelo e as cicatrizes.

- Você deveria prender o cabelo, está comprido demais e essas calças estão velhas. - Ettore me encarava.

- Fala sério... - revirei os olhos, mas ele continuou me observando - Você tá falando sério?! Qual é, era você quem o cara estava olhando.

- Eu? - ele fez um gesto com o colete - Isso é pele de Carius das montanhas!

- E isso é um jeans rasgado. Objeto de luxo para adolescentes rebeldes. - ironizei.

- Ah, eu não sabia. - Ettore parecia confuso.

Meu Deus, eles nunca entendiam sarcasmo.

- Esquece. De qualquer jeito, o que Tellor faz no quarto ao lado?

- Aguardando você. Entre e ele lhe dirá o que fazer.

- Você não vem comigo?

- Não posso, ficarei com as crianças. De qualquer forma, somente o guardião pode estar durante o ritual da pedra.

- Ele não gosta de mim. - eu sabia disso, era algo notório.

Ettore respirou fundo e soltou o ar pesadamente.

- Tente entender, para os guardiões as leis do nosso mundo são coisas seríssimas. Eles são como seus padres da superfície e o  o fato de a sua mãe ter engravidado de um comum enquanto estava noiva ainda não é bem aceito por ele. 

- O quê? Minha mãe... Estava noiva? De quem?

Eu nunca havia ouvido falar de minha mãe estar noiva, ainda mais quando coheceu meu pai. Cada vez mais eu sentia que não a conhecia e uma das piores coisas é sentir que aquele que você mais ama está se tornando um estranho.

- Magnus Oira, do clã Oira. Os Gardners queriam aumentar suas terras, por isso escolheram os Oira, que são donos das maiores terras do Sul. Qualquer clã ficaria feliz de unir-se aos Gardners, pois em um guerra era pouco provável vencê-los. 

- Se não pode com eles, una-se a eles. - completei nervosa. Até no mundo de baixo as mulheres eram usadas como objetos.

- Frase perfeita. - ele assentiu - Vá, mas entre sem este sentimento de raiva. Seus sentimentos de agora decidirão sua cor.

- Minha cor?

- Da sua pedra. Vá.

                    Eu não conseguia imaginar Tellor com toda aquela autoridade e superioridade sozinho em um quarto de hotel daqueles, e eu estava certa. Assim que Ettore abriu a porta, eu vi um quarto bem diferente do que estávamos antes. Tudo era muito fino e arrumado. Andei alguns passos e encontrei Tellor que estava sentado sobre um tecido azul turmalina no chão com pedras a sua volta.

- Sente-se - ele ordenou sem olhar-me. 

- Aqui ou... 

- Dentro do circulo. - ele interrompeu-me.

Sentei com uma certa lentidão sobre o pano, ainda com receio de o que ele faria.

                    Tellor ergueu sua mão e ergui a minha. Ele a pegou e apertou por alguns segundos enquanto murmurava coisas que eu não entendia. Ele foi colocando uma por uma cada pedra do círculo em minha mão.

- Não entendo. - ele largou-a.

- O que foi?

- Tua aura não reage a estas pedras.

Legal, até minha aura era problemática.

- Vamos tentar de novo, talvez eu não estivesse concentrada.

- A não ser que...  - Tellor balançou a cabeça - Não.

Ele levantou-se e saiu andando com seu manto esvoaçando. Voltou com uma caixa.

- O que é isso? - apenas fiquei observando quando ele sentou-se novamente e colocou a caixa entre nós. De lá, retirou um espelho.

- Speculum. São portais para o nosso mundo - ele virou o espelho adornado em minha direção - É a ligação entre comuns e submundanos.

- Foi... Foi assim que minha mãe veio para esta dimensão. Foi assim que encontrou meu pai no rio tantas vezes?

- Sim. - ele aproximou bem o espelho de meu rosto - Olhe.

- Só vejo meu reflexo.

- Olhe! - ele ordenou - Teu povo não diz que os olhos, são a janela da alma?

Aproximei-me mais ainda do espelho e fiquei encarando meus próprios olhos até que uma luz começou a surgir de dentro do espelho. Ergui a mão para tocá-la e senti quando meus dedos ultrapassaram a superfície do espelho. 

                    Não sei lhe dizer como tive coragem de prosseguir, mas ergui o braço e peguei aquele objeto brilhante. Era uma pedra negra como o ônix, negra como meus olhos, porém tão brilhante quanto o sol.


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem
Beijos ♥



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