Luz Negra I - Oculta escrita por Beatriz Christie


Capítulo 34
Capítulo 34 - Yllus




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Apoiada na pia do banheiro pequeno do quarto de hotel, lavei o rosto e fiquei encarando o espelho. O que eu era? Uma garota comum, com parte da alma da maior feiticeira negra do sub mundo presa em meu corpo, como um parasita.

Aproximei o rosto do espelho e fiquei encarando meus olhos. Até onde aquele "pedaço de alma" poderia ir? Ela podia ver o que eu vejo, ela sabia cada palavra que se passava em minha mente? Ela... poderia me controlar? Era realmente uma coisa terrível pensar que sendo controlada por ela eu poderia acabar com todo o mundo plano, o mundo dos "comuns", meu mundo, o mundo dos que eu amava. Além de derrotar os Alexandrinos, antes que fosse morta, eu teria de fazê-la desaparecer. Lucera teria de ser dizimada, mais uma vez.


Duas batidas na porta assustaram e despertaram-me de meus pensamentos.

– Mellany? - ouvi a voz de Donna. - Abri a porta rapidamente. Se ela estava aqui, Abby também havia chego. Encarando minha expressão de urgência, Donna entendeu - Ela está na sala, está dormindo.

Voei até o sofá e encontrei Abby deitada em posição fetal. Sentei ao seu lado e ela abriu os olhos, azuis como o céu. Tão inocentes diante de tudo que estava por vir. Me perguntei como nossa vida havia guinado até aqui.

– Mel! - ela coçou os olhos e levantou-se para me abraçar.

– Oi, eu estava com saudades Calopsita! - percebi que há muito eu não a chamava assim.

Tão distraída com as preocupações deste mundo novo, eu a havia negligenciado de diversas formas.

– Eu também. - ela soltou-me e sentou-se no sofá.

– A gente não vai mais se separar. - prometi.

– Vamos para casa? - ela olhou-me como quem diz "Acho bom que me leve para lá".

Olhei para Donna que retorcei o canto dos lábios. Sabíamos que ela teria de ficar conosco, teria de permanecer segura. Infelizmente, tenho de admitir que eu nem mesmo tinha certeza da segurança dela mesmo que estivesse com os Feri e temia pensando no que ela poderia ver ou ouvir nesta jornada.

– Abby... - tentei pensar nas melhores palavras - Lembra os livros de aventura que a mamãe lia para nós?

– Uhum.

– Então, o que você acha de termos nossa própria aventura? Vamos viajar e conhecer pessoas novas, você vai ficar comigo. Tudo bem? Só que tem de obedecer e não poderemos ir para casa por enquanto.

– O papai vem também? - ela perguntou animada.

Mesmo tendo pouco tempo de convívio, eles haviam apegado-se um ao outro.

– Não, ele trabalha, lembra?

– Ah. - ela fez um bico.

Aquela conversa estava me lembrando de coisas importantes.


Dei um beijo em Abby e após deixá-la conversando com Matteo, fui resolver tudo com Donna na cozinha.

– O que faremos? - apoiei-me no batente da porta enquanto a observava picar morangos calmamente.

– Deixamos Interinus no lugar de vocês duas. - ela respondeu como se aquilo deixasse tudo claro.

– Tudo bem, agora traduza.

– Desculpe - ela virou-se para mim e vi que estava usando um avental bem fofo estilo mãe dos anos 60 - Você sempre foi tão parte disso tudo, mesmo antes de saber, que esqueço que não conhece nada. Interinus é uma cópia perfeita sua. Então, sem problemas. Ninguém irá suspeitar que você nem se quer está neste mundo.

Apenas fiquei em silêncio, pensando em Andrew. Quantas saudades... Ele perceberia que aquela que estaria com ele nos próximos dias não era eu?

– Onde estão os outros? - perguntei, tentando não pensar nele.

Eu não podia querer estar com Andy naquele momento, mas eu queria. Ele era meu melhor amigo, era meu amor desde sempre. Esteve comigo em todas as fases e eu queria poder contar com ele agora, mas não podia. Mesmo porque, se soubesse, ele jamais me deixaria partir para o sub mundo, ainda mais para começar uma guerra.

– Preparando tudo. Uma iniciação dá trabalho. - ela agrupava os morangos cuidadosamente em um prato - Tellor está meditando, guardando energias e os outros cuidaram dos Interinus. Em breve estarão aqui.

– Não acho que seja bom levar Abby conosco, mas não conseguiria deixá-la para trás. - suspirei e sentei-me em um dos bancos no balcão da minúscula cozinha.

– Ela está diretamente ligada á você, se ficar... - a faca que ela usava para cortar os morangos causou um estalo quando bateu no prato - eles irão matá-la.

– Eu sei.

Ficamos em silêncio, até que Donna aproximou-se de mim.

– Não precisa dizer, entendo melhor que ninguém o peso que está em seu coração - ela sentou-se em outro banco de frente á mim - Temo por meu Matteo tanto quando você por Abby, mas eles são crianças fortes. Matteo nasceu para se tornar um guerreiro e Abby, apesar de não ter a marca da promessa assim como você, tem o sangue de sua mãe.

– Até um ano atrás, eu levava uma vida simples com minha mãe e a Abby. Então, veio o período com tia Deborah, ela é ótima, mas eu estava muito devastada para aproveitar qualquer coisa, até que meu pai voltou e tudo mudou mais uma vez. Agora minha mãe está morta, minha tia em uma UTI e terei de me afastar do Rick novamente. Se isso me afeta, imagine á ela? - desabafei e comecei a sentir meus olhos úmidos.

– Muitas pessoas dependem de nós, se não formos, não só Abby como todo este mundo estará aos pés da destruição. Cabe a nós arriscarmos nossa vida, é a única chance deles e nossa também.

– Mesmo tudo tendo vindo tão de repente, aceitei e me comprometi com essa missão. É o que minha mãe faria, não desistir. Falando nisso, estamos indo contra os Alexandrinos, mas você disse que os verdadeiros comandantes do sub são os Gardners. Mesmo tendo perdido o livro, e com isso sua credibilidade, eles têm um império grande, não é?

– Sim, você está bem atenta, não é mesmo? - Donna me encarou com um olhar orgulhoso - Você está certa. Depois dos Alexandrinos, se passarmos por tudo isso, não há dúvidas quanto nossa batalha contra os Gardners. Sei que posso esperar selvageria e qualquer tipo de ataque vindo dos Alexandrinos, mas os Gardners sempre mantiveram seu treinamento e planos dentro de seus grandes muros e portões fechados. Acredite, é melhor ter medo, do que não saber o que está por vir.

– Eu... Estou tentando mesmo ficar atenta e aprender como funciona o mundo de vocês, mas não entendo algumas coisas. Em uma carta que mandou ao meu pai, minha mãe falou de suas escapadas das terras Gardnerianas. Ela visitava o rio Volga, e foi lá onde conheceu o Rick. Se os clãs, os carregadores, todo o sub mundo fazem parte de outro plano, completamente alheio á este, como meus pais se encontraram naquele rio?

Donna mordeu o lábio e cruzou as mãos, parecia se preparar para uma aula.

– Espere, hoje á noite muitas coisas serão explicadas. - ela desistiu.


O céu lá fora estava escuro e as crianças dormiam na cama do quarto de hotel quando os outros chegaram. Paola, Cesar, August e Antonella começaram, sem cerimônias, a retirar seus pertences das grandes bolsas que carregavam. Eles pareciam uma família chegando de mudança, mas seus pertences eram bem incomuns. Grande parte dos objetos eram uma completa incógnita para mim. Tudo vinha em tons de cobre e ouro velho. Pude identificar algo que assemelhava-se á uma bússola, porém ao invés da flor dos ventos e do ponteiro que haveria em uma bússola comum, havia apenas um ponteiro na vertical. Ele estava imóvel.

Um último homem, que eu não havia visto até então, também surgiu atrás dele. Ele tinha cabelos muito negros e lisos presos por uma tira de couro em um rapo de cavalo curto. Ele era muito forte mesmo, seus músculos eram evidentes. Os olhos castanhos e a mandíbula marcada davam-no mais ar ainda de guerreiro. A cicatriz no ombro era idêntica a que Donnatela carregava no pescoço, a marca dos renegados pelos Alexandrinos.

O homem puxou o embrulho comprido enrola em couro que estava preso á bolsa em suas costas. Dentro do tecido havia um mapa imenso, que ele desenrolou sobre o tapete da sala. O mapa era lindo, com pouco mais de um metro. Era feito de um papel grosso, amarelado e rústico. Porém, estava em branco. Todos os objetos que eles colocavam em volta do mapa pareciam vindo de outra época, era incrível.

Enquanto eu encarava o mistério do que eu pensava ser um mapa, o homem do outro lado do tapete deu um sorriso.

– Estupendo, não é? Foi feito pelo meu pai... - ele alisou um pedaço do papel - Guardo isto como se fosse minha vida.

– É lindo, imaginei que fosse um mapa. - dei de ombros sem graça por estar tão perdida alí.

Ouvi Antonella soltar um risinho, tirando sarro de mim.

– Mostre á ela, Ettore. - Paola falou pela primeira vez do outro canto da sala.

Assim descobri que o nome do fortão era Ettore. Ele assentiu para ela e virou-se para mim novamente.

– É um mapa. - ele esclareceu - Veja... - O observei pegar um giz de sua bolsa e desenhar no chão, ao lado do tapete, um círculo. - Esta simboliza a vida - Ettore traçou uma linha curva no canto esquerdo do círculo - Esta representa a morte - ele traçou outra linha curva no canto do círculo - E este - ele fez um risco retilíneo que ligava as duas linhas curvas - Este é o sub mundo. É o que está entre o mundo plano e o espectral. É onde almas vagantes, demônios, Luceranos e Elleonoris habitam.

Ele fez em sua mão o mesmo desenho que havia feito no chão, então encostou-a contra o piso de madeira desenhado.

Raios de luz começaram a erguer-se onde antes haviam os traços do desenho. Aproximei-me do símbolo, agora feito de luz. Como era possível algo assim existir sem que ninguém soubesse antes? Era inacreditável, como estar em um conto místico.

– Minha nossa. - murmurei enquanto ajoelhava-me para encarar a luz mais de perto.

Era lindo, absolutamente lindo. Ergui minha mão sobre um pouco de luz e fiquei girando-a sobre os brilhos, como uma criança.

– Tenha cuidado para não tocar no chão dentro do Yllus. - Ettore tocou meu braço.

Assenti. Yllus, este era o nome daquilo que havia me deixado tão encantada.


Ettore pegou com cuidado o mapa que estava sobre o tapete e colocou-o sobre o Yllus. Naquele exato momento houve uma luz mais forte, então o Yllus apagou-se. Encarei Ettore com as sobrancelhas erguidas, algo havia dado errado? "Aguarde" ele pediu.

Foi então que enfim o mapa surgiu. Riscos luminosos desenhavam as linhas do mapa pouco-a-pouco formando as gravuras de terras que eu via constantemente em minhas aulas de geografia, mas aquilo era muito diferente. Países iam surgindo em tons de marrom, enquanto uma letra -dígina de filmes de vampiro- detalhava o nome de cada área e á qual clã ela pertencia. Com o mapa completamente revelado, August aproximou-se de nós.

– O sub mundo é igual á este, em termos. A destribuição geográfica é idêntica. -ele apontou para uma área identificada como "Mithrra" - As terras dos Gardners ficam onde neste mundo plano seria a Rússia. - ele arrastou o dedo até outra área chamada "Devorah" - Os Alexandrinos estão onde seria sua "Austrália".

Observei o grande pedaço de terra que pertencia aos Gardners e ao pedaço isolado dos Alexandrinos, até que meus olhos pousaram onde estava escrito "Feri". Era um pedaço de terra muito, muito pequeno.

– É uma das menores terras, mas foi conquistada com o sacrifício de muitos irmãos. Ser um Elleonoris não é algo fácil.

– Pode ser a menor, mas é a mais rica. - dei um sorriso para August que afagou minhas costas. - Existem muito mais clãs do que eu imaginava.

Fiquei lendo em silêncio as dezenas de nomes que preenchiam cada espaço do mapa. Aquela nova informação me deu um alerta instantâneo.

– Donna, quantos clãs existem?

– Cerca de 191.

Cerrei os lábios. Cento e noventa e um clãs, todos atrás do livro perdido. Todos atrás de poder. Todos, dispostos a nos matar em troca daquela alma oculta. Olhei para a porta aberta do quarto onde Abby e Matteo dormiam, enquanto todos analisavam aquele mapa que nos guiaria numa batalha contra as trevas.


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Notas finais do capítulo

Viu, viu, falei que tinha voltado :3
E aí, muitas informações né? :c
Beijos, espero que gostem ♥



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