Luz Negra I - Oculta escrita por Beatriz Christie


Capítulo 23
Capítulo 23 - Lírios




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Enquanto dirigia calmamente, Rick perguntou-me como fora a noite anterior. Não dava mais, eu precisava contar á alguém tudo que estava me acontecendo, mas essa pessoa não seria meu pai.
–- Foi bem... Bem. - Parecia que meu dom de ser crível estava indo pelo ralo aos poucos.
–- O que fizeram? - ele indagou quanto fazíamos a curva. Um pouco á frente estava a casa de tia Deborah. Senti um tremor. E se aquele homem que me segurara ainda estivesse por aqui? Não haveria Enzo para me ajudar agora. - Mellany? - Rick chamou minha atenção.
–- Vimos um filme e conversamos. - respondi, distraída.
Minha atenção estava voltada para a estrada. Eu olhava para as sombras entre as árvores esperando que algo pudesse surgir diante de nós.
–- Qual filme? - Rick insistiu.
Droga!
–- Uma Linda Mulher. Foi uma "noite das garotas". - tentei sorrir.
–- Espero que não tenham ido dormir muito tarde. Hoje temos muitos lugares para ir. - ele disse, animado. - Apesar de que estou ligando para Jean o dia inteiro e ela não me retornou.
–- Como a Abby está? Estou com saudades dela...
–- Está ótima. Distraída com os preparativos da festa. Ela escolheu muita coisa, espero que você não se importe... Afinal era pra ser uma festa surpresa.
–- Não me importo. – e era verdade. Eu não me importava, se Abby estivesse se divertindo, por mim tudo bem.
–- Esse é do seu namorado? – Rick perguntou. Olhei-o sem compreender. – A caixa. Já está recebendo presentes? Uau! – ele riu.
–- Ah... Pois é, esse é de uma pessoa bem especial, mas não é o Andy...
Rick percebeu a triteza em minha voz.
–- O que foi? Problemas no namoro?
–- É... complicado. - E era BEM complicado. Com os acontecimentos recentes e a necessidade da proteção de Enzo seria muito difícil fazer Andrew entender.
–- Relacionamentos são assim mesmo. Quanto mais complicados, mais duram, sabia? – ele sorriu apaziguador para mim.
–- Pai, como você conheceu a minha mãe?
Aquela pergunta saira de mim sem pensar. Minha mãe detalhou com sentimento e fervor a história de amor que houve entre eles. Será que meu pai se recordava de tudo aquilo da mesma forma?
–- Eu tinha 19 anos e a sua mãe 17 quando nos vimos pela primeira vez. – ele disse, seus olhos encarando a estrada. Já havíamos passado em frente a casa de tia Deborah e agora estávamos na estrada cheia de árvores e encoberta pelas folhagens. – Eu havia acabado de terminar o colegial e queria aventuras, então fiz um intercâmbio. Meus pais não queriam, tinham medo. Então juntei dinheiro por alguns meses, peguei minhas economias e fui. Eles ficaram sem falar comigo enquanto estava lá, isso tornou tudo mais desafiador. Eu estava realmente sozinho no meio daqueles ruivos. – ele deu risada. – Fui para a Rússia, por isso tinha tantos ruivos. – explicou-me. – Eu passava a maior parte dos dias conhecendo os pontos famosos e indo nos Pub’s. Encontrei muita gente legal, apesar de o meu russo ser péssimo! Um dia decidi ir conhecer o tal do rio Volga e foi lá que conheci a sua mãe. - Parei para pensar. Então, meu pai deveria conhecer a tia Deborah desde aquela época, por que não se recordara dela? – Ela estava com uma amiga que nunca me dirigiu a palavra, acho que era muda. Eu estava distraído demais para perguntar se ela era mesmo...

Muda... Sei. Provavelmente tia Deborah só não queria se dirigir á um “comum”, diferente de minha mãe. E com o lenço que elas usavam, ele jamais a reconheceria.
–- E o que aconteceu depois? – perguntei.
–- Ah, eu levei ela aos Pub’s. Seu avô ainda era vivo na época e não deixava ela sair muito, então não podíamos ir longe ou demorar demais. Com o passar do tempo passávamos o dia no meu apartamento alugado ao lado do rio, que era próximo a casa dela... Ela me disse que tinha vergonha de onde morava, então nunca me levou lá. De qualquer forma seria pior pois seu avô descobriria sobre nós... Era difícil, mas não desisti. – ele parou de falar abruptamente. - Até que recebi um bilhete que me pedia para não procurá-la mais. E não tinha mesmo como eu procurar, pois não sabia onde ela morava e não tinha sequer um telefone...
–- Deve ter sido muito difícil...
Eu mal conseguia pensar no que meu pai deveria ter sentido ao ler aquele bilhete.
–- Foi, sim. Até decidi voltar pra casa. – ele deu um sorriso torto – Tudo lá me lembrava ela. Mas pouco tempo depois ela surgiu na minha porta, com um brinde! – ele riu e olhou pra mim. Eu era o brinde. – Dois meses depois você nasceu.
Fiquei pensando... Minha mãe referiu-se á partida de meu pai com tristeza, então não fora ela quem enviara o bilhete. Alguém deve ter enviado em nome dela, fazendo meu pai partir e com que minha mãe achasse que ele a abandonou. Mesmo assim, isso não foi o suficiente para separá-los.
–- O senhor sabe algo sobre a família dela? – perguntei.
–- Não muito. O pai dela nunca quis me ver, mas como você sabe ele enviava presentes pra você e Abby e cartas para Liane. Provavelmente o problema era só comigo... Infelizmente.
–- Por que ... Por que vocês se separaram?
Rick ficou em silêncio por alguns segundos. Temi tê-lo magoado.
–- Não sei. As coisas pareciam estar bem, mas então... acabou. Sua mãe disse que não queria mais. – ele desviou o olhar da estrada e virou-se para mim. – Não estou dizendo isso para culpá-la, sua mãe não tem culpa. As pessoas não são obrigadas a estarem juntas pra sempre.
Não havia como ignorar a mágoa no fundo de suas palavras. Ainda mais por eu saber que minha mãe fora obrigada a mandá-lo embora, provavelmente para protegê-lo.
–- Ela sempre amou você, de verdade. – tentei ser o mais fervorosa possível.
Rick deu dois tapinhas em minha mão e prosseguimos nosso caminho para casa.

Assim que nos aproximamos da casa, vi vários carros de empresas parados na frente. Homens carregavam caixas para dentro do nosso quintal, um levava uma caixa de som, o que me deixou aliviada.
–- Pai... – eu disse, enquanto desviada dos homens. – O que é tudo isso?
–- Só as últimas coisas que faltavam. Agora só falta montar.
–- Montar o que? – perguntei, enquanto abria a porta da sala.

Parei, boquiaberta. Haviam lírios coloridos decorando os corrimões de nossa escada e o lustre. Os sofás haviam sido empurrados para o canto, dando espaço para mesinhas altas com bancos. Em cima das mesas haviam bandejas com taças, cada taça havia uma pétala presa á borda. Tudo estava lindo, era quase um novo lugar. Enquanto eu admirava a sala, um homem ao longe dava ordens á seus empregados, ele tinha um sotaque que me fazia querer rir, mas me contive.
–- Saiam todos, saiam todos! ‘Cuidad’! – ele bateu com uma toalhina nas costas de um dos homens que carregavam algo cuidadosamente. – Está ‘pendant’ ‘parra’ ‘esquerd’!
Olhei para Rick, me segurando para não rir.
–- Esse é o Jack. – ele deu uma risada. – Ele quem fez seu bolo.
–- Jack LeBront.- ele apresentou-se. Era um homem baixo e magro, com um cavanhaque ralo e cabelos pretos.
–- Você é francês? – era uma pergunta bem retórica, eu sei.
–- Si...- Jack respondia, mas foi interrompido por Rick.
–- Claro que não. Você acreditou nesse sotaque péssimo? O Jackson Harolz fez faculdade comigo, mas anda adotando essa personalidade francesa por que trás mais lucros. – Rick gargalhava sem parar.
–- Assim você acaba com o meu negócio! – Jack disse, já sem sotaque, retirando seu chapéu de mestre cuca da cabeça. – Vai que ela espalha isso por aí...
–- Fique calmo, essa é minha filha, Mellany. – Rick apresentou-me.
–- Enchanté. – ele fez-me uma reverência.
–- Relaxe. – Rick disse-me, enquanto colocava a mão no ombro de Jack – O sotaque é falso, mas o bolo é dos melhores.
Ambos riram.
–- Isso posso ‘garrantir’ – Jack respondeu, enquanto eles entravam para a casa.
Os amigos de meu pai não eram nada do que eu imaginava. Jack e Jean eram divertidíssimos, assim como Rick. Talvez ele não fosse o homem sério do qual eu me recordava.
Segui logo atrás deles, ainda admirando a decoração. Até que ouvi as vozes de Abby e Luna vindo do segundo andar. Corri degraus á cima. Só de ouvir, aquelas vozes já me faziam tão bem. Ambas comentavam animadamente sobre algo, as vozes vinham do meu quarto.
–- Lindo! – Luna disse, cantarolando a última letra.
–- Imagino que pelos adjetivos vocês devem estar vendo fotos minhas, eu sei! – brinquei, enquanto entrava no quarto.
–- Meeel! – Abby veio de encontro á mim. Mas, parou abruptamente. Voltou e pegou algo em cima da cama. – A Luna me ajudou a fazer pra você. Ó – ela entregou-me um arco com flores para colocar na cabeça. – Presente!
Eram vários tipo de flores entrelaçadas. Coloquei-o.
–- E aí, como ficou? – fiz uma pose.
Abby assentiu dizendo que sim e sorrindo, então Luna aproximou-se de mim.
–- O que achou da decoração lá de baixo? – ela perguntou, seu olhar entregava as sérias expectativas em relação á minha resposta. – Seja sincera!
–- Adorei demais! – e era verdade.
–- Isso por que você não viu lá atrás! – ela animou-se – Ali, na sala, é onde os adultos vão ficar. O povão mesmo vai ficar lá atrás. Vem ver.
Luna puxou-me pela mão pelas escadas. Saímos pela porta dos fundos que ficava na cozinha, indo direto para o espaço que havia atrás da casa. Alí fora transformado em uma espécie de boate. Uma estrutura já havia sido montada e as luzes estavam presas, ainda desligadas. A decoração seguia o mesmo tema da sala: flores, que foram presas envolta dos pilares que sustentavam a estrutura. Uma lona que cobria as caixas de som e a pista de dança.
Soltei um palavrão. Não tinha como ter outra reação.
–- Eu sei! – Luna respondeu.
–- Eu vou falar pro papai que você disse isso! – Abby correu para dentro da casa.
Luna e eu gargalhamos. De repente, ela parou de rir.
–- Você tem bastante coisa pra me contar, não acha? – ela virou-se para mim. – Tipo o porquê de aquele cara ter ido entregar meu carro de mansinho no meio da noite. Ele é bom, mas meu sono é leve. – ela ergueu uma sobrancelha. Suspirei. Não havia mais como esconder. – Mel... – ela disse, amuada. – O que está acontecendo?
–- É uma história bem longa, que nem eu mesma sei de muitas partes. – e era verdade, por mais que eu lhe contasse tudo que eu sabia, no fim não lhe contaria muita coisa.
–- Tenho mais duas horas até a sua festa começar. Você pode me falar enquanto nos arrumamos.
Balancei a cabeça sem dizer nada e voltamos juntas para dentro da casa, subi as escadas enquanto escorregava as mãos delicadamente sobre as flores no corrimão.


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Notas finais do capítulo

Legal, vou pra aula sem dormir... mimimi
Beijos