E o Amargo Vira Doce escrita por Iulia


Capítulo 36
Capítulo 36


Notas iniciais do capítulo

Oi. Primeiramente, preciso dizer que essa é a coisa mais trágica que eu já fiz em toda a minha vida. A primeira parte disso foi a segunda Clato daqui e eu tenho muita, muita coisa pra falar sobre esse tempo todo. Eu choraria, se não soubesse que nunca vou parar de escrever sobre eles, o que é exatamente o caso. Enfim. Enquanto escrevia as últimas linhas, me dei conta de que as pessoas adoram reclamar de finais felizes porque são amargas e não acreditam neles, mas minha vida toda foi construída sobre um final feliz e eu acredito plenamente que as pessoas só cansam de todos esses enredos e desencontros e ficam quietas. Então há um final feliz. Mesmo que não haja um final.



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Eu me lembro perfeitamente de como os olhos dele pareceram quando Tresh queria me matar. Eu acho que aquela foi a primeira vez em que eu soube que havia algo ali. Eu sei perfeitamente tudo que ele me disse antes de ir pra arena sozinho e se eu fechar os olhos, até consigo sentir o que eu senti aquele dia.

Não sei muita coisa sobre como o amor deve ser, eu só sei que nós nunca devemos ficar separados. Porque eu acho que é uma grande coisa você continuar amando do mesmo jeito alguém que joga coisas em você e que nunca para de gritar. Acho que situações que beiram a morte formam um bom começo.

Nós voltamos para o 2, mesmo que ainda haja Pacificadores correndo pelas ruas. Tornamos habitável a casa dele na Vila dos Vitoriosos e passamos os dias tirando poeira e achando relíquias que nos fazem esquecer do trabalho e nos sentarmos no chão para rir.

Harry passa o tempo todo na casa da minha família e o seu quarto aqui é um mero enfeite. O avô deles voltou para a casa antiga e ninguém nunca fala sobre isso, mas acho que temos um pouco de medo de ele morrer lá e demorarmos a saber. Quer dizer, eu presumo que isso apavore mais alguém além de mim.

Algumas vezes Pacificadores batem na nossa porta. Essa é a uma das grandes razões pelas quais eu nunca saio de casa e Cato nunca sai sem mim. Esses sãos os piores dias. É um conflito intenso, ver essas pessoas sem seus uniformes. Às vezes eles estão furiosos e às vezes, só vieram pedir desculpas, mas a maioria deles pede um esconderijo.

Nós todos sabemos que Pacificadores no 2 não são a mesma coisa que Pacificadores nos outros lugares. A maioria de nós tem alguma ligação com eles e inclusive ia acabar engrossando suas fileiras se o acaso não tivesse interferido.

Então eu não abro a porta.

Só bato todas elas até subir para o quarto mais distante e me tranco lá. Contudo, eu nunca posso prender o que eu sinto e o que eu sei pra fora. E eu só sei que não é justo deixá-los morrer, porque se não fosse aquela linha borrada, eu seria um deles agora mesmo. Eu entendo o que ser Pacificador significa e tem muito mais a ver com cumprir ordens independentes do que apoiar Snow. Pessoas não têm escolha aqui no 2. E há essa regra clara de que você deve se doar. Usar uniforme branco e carregar armas pesadas sempre parece ser uma opção boa.

Eu não consigo pensar como eles pensam enquanto matam todas essas pessoas, entretanto é instintivo não levantar minha voz contra a decisão. Eu sei, mesmo que inconscientemente, que há uma ponta de razão. Eles têm algum motivo pra fazer o que fazem e eles estão certos. Eu reconheço a fúria. A vingança. Então eu só me escondo e finjo que não sei nada sobre isso.

Quando eu paro de escutar os ruídos, desço cautelosamente e encontro Cato parado fazendo exatamente o que estava fazendo antes, como se não houvesse acontecido interrupção nenhuma e então ele diz “Ei, Clove, você podia fazer alguma coisa pra gente comer”. Eu acho que um dia ele vai empurrar a verdade na minha direção e vai me obrigar a ficar e ver o que acontece. Mas esse dia nunca chegou, então eu só me esforço para que nós morramos de fome.

Todas as noites nós sonhamos e todos os dias nós brigamos e quando eu percebo que ficou tudo bem e ele começa a me cercar e pedir desculpas, me dou conta de que a história foi estranha, mas Cato continua sendo a melhor coisa que já aconteceu na minha vida. É claro que eu odeio ele na maior parte do tempo, mas isso é só uma camada de pó de arroz pra disfarçar que eu também amo ele o tempo todo.

Quando eles começam a falar dessa edição dos Jogos Vorazes, o doutor Avery passa a me ligar. Na maioria das vezes ele fala sobre Katniss quando tem de realçar que eu estou bem se não estou como ela. Ele é um pouco inconveniente, mas eu só me sento na beirada do sofá e concordo com tudo que ele diz.

Eu nunca soube se há uma explicação para sentimentos ou uma identificação certeira, mas eu só sinto que estou feliz brigando por um lugar no sofá e rindo dos outros, se esquivando dos Jogos e testando pratos intragáveis. Não é o que eu achei que seria minha vida, se conformar com simplesmente precisar de alguém e brigar e pedir desculpas a cada dezessete minutos, mas eu estou tão bem quanto pessoas como eu podem estar.

Não é fácil trancar nada no armário, mas eu estou sempre empurrando. Mortos voltam e vozes sussurram coisas, mas a realidade sempre nos puxa de volta. E há os cravos de Effie pra regar e mais faxinas e espirros a serem dados.

Paylor, que foi escolhida como a nova presidente, também nos faz ligações. Só que essas intimidam muito mais. Em vista dos preparativos para os Jogos, parece que todo mundo apontou para Cato e eu como idealizadores. Com o tempo, nós decidimos que não queremos mais fazer parte disso.

Recusamos as propostas e nunca ligamos a TV, porque todos aqueles rostos vão se parecer exatamente como os rostos dos setenta e cinco anos atrás e eu nunca me esqueço disso. Quando entramos em contato com Finnick, desinteressado com todo o mundo e radiante com seu pequeno universo onde o tamanho da barriga de Annie é só o que importa, ele nos fala que nunca houve uma edição tão clamada e fervorosa quando essa. É complexo e assustador saber ser capaz de provocar algo tão grande e incontrolável.

Um dia, me dou conta de que há algo que não se encaixa. Eu penso sobre o quão estou sentindo falta e tento me lembrar do quê. Alguma coisa na minha mente remete a Cato e eu estarmos fazendo algo errado, nos esquecendo de algo que nos fazia o que somos. É quando acho uma das minhas velhas facas favoritas mexendo em outra caixa empoeirada. E eu sei na mesma hora, luzes instantâneas se acendendo simultaneamente em minha mente.

Nós voltamos a treinar e isso na minha cabeça equivale a nossa vida voltando a fazer sentido. E eu acho que é um pouco paradoxal, mas essas espadas e todas essas facas sempre foram a prova de que não conhecíamos a morte e o mundo lá fora. E nós não temos mais espadas de madeira e nem sonhamos mais com a arena, mas isso ecoa como uma visão do que nossa vida deveria ter sido se os Jogos não tivessem deixado de ser só uma mera possibilidade.

Nós não pudemos empurrar um ao outro em lagos antes, então fazemos isso só agora. Nosso cronograma foi invertido e conhecemos o inferno primeiro pra só depois ter uma recompensa. As coisas deram errado e nós vimos o mundo nos tons errados por muito, muito, muito tempo, mas nós só cansamos da saturação.

Há as espadas e as facas jogadas no canto, mas não há nenhuma câmera e a grama é macia o suficiente para podermos nos deitar e olhar as estrelas. É tudo diferente, mas como na primeira vez em que eu me dei de que essa era uma história que merecia ser contada, aqui estou eu, Clove Collins, completamente presa num golpe que eu não sei revidar pelo idiota por quem eu vou ser apaixonada pra sempre.


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Notas finais do capítulo

É uma grande, grande, grande nota, mas eu acho que vale a pena ler só pra celebrar.
Obrigada por todos esses anos – três ao todo – nessa infinita batalha pra me fazer terminar essa história, eu sou definitivamente muito grata por todas as oportunidades. Essa foi a única experiência grandiosa que tive até hoje e eu nem gostaria de pensar na pessoa que eu seria se não tivesse decidido escrever aqui. Cato e Clove são o maior “e se” de todos os livros que já li, os detentores dos sentimentos e das sensações mais distintas de que eu já ouvi falar e a breve história deles sem dúvida nenhuma me afetou profundamente. Foi a coisa mais instigante de todas falar sobre a chance que eu quis dar a eles e eu só achei que era uma história que merecia ser contada. Só o que eu realmente tenho a dizer é obrigada por terem me deixado tentar transmitir os sentimentos que eu pude sentir e por terem me feito evoluir tanto. Eu vou continuar por aqui procurando pelos sentimentos que valham a pena ler sobre. Obrigada até pela preguiça tímida de vocês e pelo estranho silêncio que se fez quando eu comecei a descobrir o que eu realmente queria falar. Isso tudo foi incontestavelmente um capítulo longo e fundamental na minha história. Não sei o que vou fazer da vida agora, então se alguém souber, faça o favor de me contar. Vou ali marcar como finalizada me surpreender com o quão concreto isso é. Até mais, eu vou sentir muita falta de absolutamente tudo c: c: c: c: c: c: c:



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