E o Amargo Vira Doce escrita por Iulia


Capítulo 35
Capítulo 35


Notas iniciais do capítulo

Oi! Ei, eu acho que esse é o penúltimo capítulo. Eu estou realmente empolgada com isso, porque ainda não tive tempo pra pensar no quão trágico isso é, nunca mais postar aqui. Eu provavelmente vou ficar melancolicamente quebrada daqui a um tempo, então é melhor não pensar sobre. Eu sinto como se fosse o fim de uma era na minha vida c:



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O fato incontestável é que Cato se esforça. Com um punhado de dias e uma dispensa alegando a minha necessidade de sua presença vinte e quatro horas, Justin passa a ser uma cicatriz. Como uma marca que atravessa seu corpo e nunca te deixa esquecer de uma queda dolorosa, de um erro que você nunca pode voltar a cometer.

Embora não haja um dia sequer que eu não seja pega olhando para essa cicatriz, eu fico bem o suficiente. Conversamos com Annie e Finnick, tento algum contato com a Katniss. Entretanto, eu sei que ela está afundando. Todo mundo sabe que aquele plano das bombas que envolveram sua irmã pode perfeitamente ter sido bolado por Gale e Beetee. Eu testemunhei isso. Gale é capaz de destruir mundos. Ele agora destruiu um que pertencia à sua órbita.

Cato e eu sempre discutimos sobre isso. Para mim, é claro que Gale armou tudo aquilo não contando com a presença da garota. Mas Cato acha que parece muito mais o tipo de coisa que Snow faz.

E hoje é um típico dia desses. Estamos no quarto falando incansavelmente sobre teorias e conspirações e fingindo não notar que essa não é a nossa cama ou a nossa coberta ou o teto para o qual deveríamos estar olhando. Não é a nossa casa. E a única coisa que até hoje já conhecemos dela, somos nós mesmos.

Então eu olho para os olhos de Cato, porque eles têm os únicos tons certos.

Eu acho que há algum conforto em ter ao menos uma coisa certa. Algo que se parece com a primeira vez. Então o silêncio preenche o ar e estamos tentando capturar algo para falar quando batem na porta.

Sorrindo, me levanto desajeitadamente da cama e a abro lentamente. Effie Trinket abre um sorriso enorme.

– Ah, Clove – ela encosta suas bochechas nas minhas com seu ar imperturbável que não é característico de uma guerra. – Eu não acredito que perdi seu casamento.

Mas há algo a mais e eu sinto de imediato: Effie parece menos esfuziante.

– Nós gostaríamos muito que você estivesse lá – respondo educadamente, sorrindo. Chamo Cato com a mão, apontando ela com a cabeça. – Quer entrar?

– Ah, minha querida, eu adoraria. Mas a tarefa que me foi designada é apenas a de prevenir vocês para a reunião.

– Reunião? – questiono, enquanto ela cumprimenta Cato graciosamente.

– É, eu... Venho buscar vocês no momento certo. Se arrumem. Hoje é um grande, grande, grande dia.

– Hoje é o dia da execução – Cato fala pesadamente assim que fechamos a porta. Eu sou um pouco grata por ele não ter me dito antes, ainda que ficar na última prateleira para as porcelanas seja um pouco aborrecedor.

Nós obedecemos Effie e embora só tenhamos as mudas do 13, ficamos o mais apresentável possível.

Ela logo aparece. Assim que saio, dou de cara com uma Katniss dolorosamente natural. Nada nela sugere todo desmoronamento pela qual passou. Não sei o que dizer a ela. Então depois de acenos de cabeça práticos, só seguimos Effie até uma sala. As pessoas presentes me transmitem um mau pressentimento.

São os vitoriosos restantes. Finnick e Annie, Peeta, meu pai, Enobaria, Johanna, uma Cashmere enlutada, Beetee, Haymitch e, além de nós, há o Brutus, o antigo mentor do Cato.

– Por que nós estamos aqui? – pergunto, forçando um ar de casualidade enquanto me sento em uma das cadeiras vagas. Desviando o olhar de Cashmere, Cato se senta ao meu lado. Brutus logo se curva pra falar com ele e demonstrar seu desprezo por mim. Enobaria revira os olhos.

– Não temos certeza. Parece ser uma reunião dos vitoriosos que sobraram.

– Oh, céus, como eu queria ser capaz de atingir o espetacular nível de inteligência que assoma Haymitch – comento baixinho, rolando os olhos.

– Nós somos tudo que sobrou? – Katniss diz, com ar de perplexidade.

– O preço da celebridade – Beetee fala, erguendo as sobrancelhas com ar de tristeza. – Fomos alvejados dos dois lados. A Capital matou os vitoriosos que eles desconfiavam serem rebeldes. Os rebeldes mataram os que eles pensavam serem aliados da Capital.

– Então todos eles deveriam estar duas vezes mortos – Johanna está franzindo o cenho para nós. Essa cadela se atreve a fazer isso até com o meu pai – Por que vocês estão aqui, afinal de contas?

– Nós... – começo, me curvando na mesa para fitá-la e fazê-la se arrepender de ter começado isso.

– Eles estão sob proteção do que nós chamamos de Acordo do Tordo – Coin faz agora sua entrada triunfal. Falta só o gelo seco. – No qual Katniss Everdeen concordou em apoiar os rebeldes em troca de imunidade para os vitoriosos capturados. Katniss sustentou sua parte no acordo. E devemos fazer o mesmo.

Enobaria se vira para Johanna e sorri.

– Essa gente não deveria ficar aí toda prosa, não. Vamos dar um jeito de acabar com vocês de um jeito ou de outro.

– Eu adoraria ver você tentar. Ainda não tive tempo de afiar as minhas facas – retruco tranquilamente.

– Sente-se, por favor, Katniss. Se as senhoras não se importam – Coin diz para mim e Johanna. Ainda que ela esteja quase latindo pra mim, a presidenta começa. – Chamei vocês aqui para estabelecer um debate. Hoje executaremos Snow. Nas semanas anteriores, centenas de seus cúmplices na opressão a Panem foram julgados e agora estão à espera de suas próprias execuções. Todavia, o sofrimento nos distritos foi tão extremo que essas medidas parecem insuficientes às vítimas. Na realidade, muitas delas estão clamando por uma completa aniquilação de todos os portadores de cidadania da Capital. Entretanto, no interesse de manter uma população sustentável, não podemos nos dar a essa luxo.

Eu não gosto da escolha das palavras dela. “Nos dar a esse luxo” sugere que se tivéssemos uma população autossuficiente simplesmente jogaríamos pessoas num paredão e atiraríamos a esmo. É a coisa mais patética que já ouvi.

– Então, uma alternativa foi colocada na mesa. Como meus colegas e eu não estamos conseguindo chegar a um consenso, foi acordado que deixaremos os vitoriosos decidirem. Uma maioria de oito aprovará o plano. O que foi proposto é que em vez de eliminar toda a população da Capital, nós tenhamos uma edição final e simbólica dos Jogos Vorazes, usando as crianças diretamente relacionadas àqueles que tinham mais poder.

Cato se vira imediatamente para mim, enquanto os outros questionam Coin sobre a natureza da ideia e fazem milhares de perguntas perplexas. Mas quando tento ver o que ele quer dizer, só consigo contar os tons nos seus olhos.

Agora estou tentando achar o que eu penso sobre isso.

A Capital me vitimou também. Meu distrito, minha família, vitimou tudo que eu conheço. Mas eu também fui vitimada pelos distritos quando Gale destruiu minha montanha e quando Johanna sugere que eu deveria morrer porque sou do 2.

Mas há um mínimo de clareza na minha mente e ela me deixa ver que não devo me permitir matar mais vinte e quatro crianças. Porque então eu seria como a Capital, puniria inocentes pelos erros dos outros. Os que queremos atingir já vão estar mortos. E há aquele bebê naquele bar daqui. Agora, que ele tem a chance de crescer sem delinear os olhos até a testa como a mãe, seria cruel matá-lo.

– Clove. – Cato me acotovela. Me viro para ele lentamente, pesando as opções. – O que você acha?

– Eu acho que é irracional – sussurro de volta, sacudindo a cabeça. – É como quando eu te bato. Você vai revidar e eu vou querer uma vingança e você vai ter revanche e nós nunca vamos parar de nos machucar.

– É, mas então alguém diz “Para, isso é sério” – ele retruca com ar de obviedade.

– Só que ninguém nunca parou os Jogos até agora, Cato.

– Você só quer bancar a inteligente.

– Então faça o que você quiser, se gosta de ser burro.

– Imbecil – ele resmunga, virando a cabeça para frente. Mas eu sei que logo é sua vez de voltar e também sei que uma decisão tomada às pressas só pra contrariar outra pessoa é uma coisa pequena demais para marcar a linha da vida e da morte de vinte e quatro crianças.

– Você vai realmente aprovar? – eu amacio um pouco minha voz.

– Eles me deixaram sem nada e quando eu tive alguma coisa, tentaram roubar de mim. Eu quero isso pra eles também.

Eu procuro algo para dizer enquanto o olho, um pouco intimidada pela verdade aberta e feroz de suas palavras incontestáveis. Não acho que haja algo para se falar. Eu também quero vingança, mas meu desejo não é tão apaixonado a ponto de me esquecer de que não há mais nada pra mirar.

Fecho meus olhos buscando a resposta e sou atingida por uma enxurrada de passagens cujo cenário é a Capital e suas crianças. Há várias delas nas salas onde eu assistia aos Jogos quando era mentora. Brandindo espadas de plástico e jogando ao chão irmãs mais velhas para uma performance ovacionada pelos pais coloridos. Elas me matavam. Eu era só atriz, me transformei em uma boneca e eles podiam me pôr ao lado de outro boneco para que eu cravasse uma faca nele coordenada às suas vontades.

Eles são como os pais. Eles são cruéis, inconsequentes, idiotas, como qualquer ser humano independente da idade sabe ser. Rolaram sobre seus tapetes felpudos rindo de pessoas que se pareciam tanto com eles enquanto elas morriam do outro lado da televisão. Adoravam o sangue que eu derrubava, vibravam com a desumanidade, se entusiasmavam com as inversões no enredo que seus pais escreveram pra mim. Eles podiam saber. Eles podiam ver, mas mesmo assim me adoravam.

Eles vão entender agora que não se fabrica pessoas como eu, porque elas vão se virar contra os criadores. Eles têm a obrigação de me adorar do mesmo jeito. Ou eu vou adorar ver o rosto de todos eles em confusão, se perguntando o porquê de eu não parecer mais tão atraente.

Eles sabiam que tudo aquilo doía demais, não havia como não saber que era real. Eles me disseram tanto que idiotas mereciam se ferrar e eu não posso ver motivo algum para essa regra não ser aplicada aqui. Justin merece vingança.

Começo a abrir a minha boca quando Cato discretamente passa a mão ao redor da minha cintura e apóia o queixo na minha cabeça.

– Pensa bem. Não tenta falar nada só porque está com vontade.

Finnick, Annie e Peeta votaram não. Cashmere, Johanna e Enobaria disseram que sim sem sequer pensar.

– É claro que sim – Brutus rosna, sem que ninguém consiga saber se está animado ou enfurecido. – Merecemos mais um ano de diversão!

– Pelo amor de Deus... – resmungo, complexada com a idiotice dessa pessoa. Ele está quase batendo os punhos na mesa.

– Eu voto sim – esse é meu pai. – A partir de doze anos todos têm discernimento.

– Eu voto não – é definitivamente uma surpresa ouvir essas palavras vindas de Cato. – Por causa do meu irmão. Ele também não sabia que os Jogos eram horríveis lá do 2, porque ele poderia vencer se treinasse. Crianças da Capital também não sabem, porque elas sequer tinham que participar.

Eu acho que ainda estou perplexa, então ele se vira pra mim.

– E essa é uma questão de ética. Tem a ver só comigo. Eu não me importo que haja essa última edição. Eu quero uma vingança, mas não quero ser hipócrita.

Eu concordo com a cabeça, suspiro, e então falo:

– Eu voto sim. Porque se eles pudessem, também diriam que queriam os Jogos de volta.

Katniss e Haymitch também votam sim e então nos encaminhamos para a execução.

Em meio à multidão que ainda não se deu conta de que não fizemos muita coisa, temos de acenar e agir como os heróis que não somos, de modo que não tenho tempo algum para comentar esse último acontecimento.

Mas eu não acho que isso seja glorioso. Eu só enxergo robôs e fúria anestesiada, mas programada. Esses gritos, eles não parecem soar como os gritos que pedem justiça. Eles são distantes. Exatamente como eu estou agora, segurando a mão de Cato e olhando fixamente para o arco de Everdeen, esperando que apesar de tudo, sua flechada simbolize o fim dessa era em Panem.

Só que meu mundo parece ir abaixo quando Coin é a única acertada pelo seu tiro e desaba morta aos meus pés.


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Notas finais do capítulo

Foi tão engraçado voltar na fic anterior e pegar aquele bebê pra usar nessa que eu fiquei obcecada por observar como meu estilo de escrita mudou. É gritante e essa é a melhor notícia em muito tempo. Enfim. Eu acho que esse capítulo ficou um pouco raso, eu não consegui atingir de fato as personagens como eu queria, mas acho que pra reta final é até aceitável. Obrigada por lerem c:



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