E o Amargo Vira Doce escrita por Iulia


Capítulo 19
Capítulo 19


Notas iniciais do capítulo

Nunca reparei no que estava escrito aqui em cima dessa janelinha. "O que gostaria de dizer ao leitor antes dele ler o capítulo?". Sagaz, isso, hein. Tem umas dicas aqui do lado, também. Até concordo com elas. Tem que chegar causando, não podemos mesmo dizer que o que fizemos está um cool, mesmo que esteja. Oi gente. Leiam aí, tá loko.



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Logo depois desse episódio, outro míssil foi lançado. Dessa vez Harry estava com a gente, então Cato teve que se virar para não deixar que nenhum de nós dois ficasse muito desesperado. Eles fazem parecer que acabou e então quando você menos espera, está sentindo aquele choque estranho em todo seu corpo. Harry chorou uma vez, quando estava quase dormindo, então nos deitamos os dois ao seu lado e agimos como se estivesse tudo bem.

Às vezes eu só fecho meus olhos e experimento sozinha a sensação doentia e quase familiar. Às vezes eu finjo que estou no 2 e só caí de uma escalada de treinamento. Não adianta quase nunca, mas ocasionalmente eu estou parada no Compartimento da minha família, de modo que não posso de modo algum me levantar e ir até Cato. As luzes se apagam muitas vezes e aperto qualquer coisa ao meu alcance para me manter calada.

Meu pai conversa comigo uma vez. Sob as luzes de segurança do nosso Compartimento. Eu estou sentada no colchão, abraçando meus joelhos e aguardando outra explosão. Tem uma coisa no fundo da minha mente e ela me avisa que não vai haver outro ataque agora. Todo mundo está dormindo. Mas eu não posso.

– Deveria estar dormindo – ele sussurra, se sentando ao meu lado. Levanto os olhos de qualquer outro ponto fixo e o encaro. E é no escuro que consigo enxergar meu pai mais claramente. Ele também é outra personificação do que o 2 deveria ser. Sua força, orgulho, superioridade. Mas há algo mais.

– Eu sei – respondo falhadamente.

– E eu sei o que você está pensando, também. Não vão mais mandar mísseis, Clove. Não agora – meu pai diz, sorrindo ternamente.

– Eu queria me convencer.

Amor. Severidade, mas cuidado. Medo, também. Há muitas coisas escondidas nos traços tão diferentes dos meus do vencedor do 2 ao meu lado.

– Snow não pode te alcançar aqui. Não pode alcançar o Cato também.

É nesse momento que me viro para ele. Ele suspira.

– Você me ouviu falando com o Boggs. Eu te conheço melhor do que pensa.

– Não podem tirá-lo de lá? – murmuro, franzindo os lábios.

– É um caso complicado. Dá trabalho.

– Eu tenho sorte, então – continuo. “Dá trabalho” salvar uma pessoa de ter reservada para si uma vida de torturas na mão do Snow.

– Pra ser sincero, eu não sei por que você não está lá – me viro novamente para ele, franzindo as sobrancelhas. - Snow não erra assim, Clove. Alguma coisa aconteceu. Ele te tinha nas mãos.

– Eu fui pro 2 no final.

– Snow deveria ter avisado para os Pacificadores que você estava lá. Ele certamente soube que havia um aerodeslizador estranho sobrevoando sua mansão.

– E ele não fez isso?

– Ao que tudo indica, não.

– Eu não entendo.

– Entenda como o Snow funciona, Clove, e você não vai acreditar em metade dessas coisas que estão acontecendo com você e o Cato. Ele tem a Annie Cresta, para o Odair. Tem o Mellark, para a Katniss. Tem uma pessoa importante para cada pessoa que ele acha importante. E ele sabe exatamente o que vocês fizeram no 2. Você apareceu lá, em cima de um palco, tentando convencer os soldados dele a virem pro 13. Todo mundo ali estava armado, você estava em campo aberto, poderia ter sido morta facilmente. Depois eles simplesmente podiam te agarrar e te submeter a alguma tortura lá na praça mesmo. Os rebeldes iam achar uma utilidade maior que ser um chamariz pra você se estivesse morta. E você deveria estar. Sobretudo, um de vocês não devia estar aqui.

– Vai ver ele só acha que Layran e Justin são importantes pra gente.

– Não acha – ele responde prontamente, sacudindo a cabeça como se eu fosse uma criança dizendo algo inocente demais. E, bem, é isso que estou fazendo. Sequer acredito em minhas palavras, nada está fazendo sentido. Eu realmente deveria estar morta, desde... Desde os Jogos, talvez. Houve uma série de acontecimentos posteriores que deveriam ter dado fim a minha vida, mas só me trouxeram pra cá, agarrada a meus joelhos esperando um bombardeio que não vai vim.

– Eu não sou mais importante que a Katniss. Eu nunca mais apareci, as pessoas desistiram de mim. Não há sentido em me oferecer qualquer exceção. Por mais que seja para me quebrar mais.

– É, não há sentido. Eu achava que ele estava fazendo tudo isso com você por minha causa – meu pai fala, suspirando. – Quando o Cato voltou pra arena. Eu achei que ele queria me obrigar a fazer qualquer coisa com você presa lá. Mas não veio nada.

– Ele queria acalmar os ânimos. Todo mundo ia ver que Cato não era nenhum herói revolucionário quando estava nos Jogos com a Katniss e o Peeta. E iam ver que eu pertencia a Capital, aparecendo em jantares e dando entrevistas.

– Snow não joga raso assim, Clove. A gente não pode entender nada sobre vocês e o Snow. Não sabemos o que ele queria provar com a separação de vocês. Todo mundo viu que ele precisava de um ponto fraco para Katniss, então descobriu Peeta.

– Ele sabe. Dessa coisa minha e do Cato. Mas ele nunca... Tentou...

– Não, ele não fez nada ainda. Mas ele sabe, o Cato. Disso tudo. Ele cresceu nos Jogos e ele sabe o que vocês dois juntos aqui significa. Snow não fez nada ainda. Escuta ele, não deixe o Snow te alcançar, Clove.

Não há resposta para essa quase sentença de morte do meu pai. Fico calada, olhando o vazio a minha frente e sentindo minha cabeça tão vazia quanto.

– Tente dormir. Vai precisar – ele suspira, beijando a minha testa e se levantando de novo. Não o sigo com os olhos, não sei aonde ele vai. Estou apenas calculando quanto tempo Snow precisará para me alcançar.

É óbvio que vai ser eu. Eu sou a mais fraca de nós dois e todo mundo sempre acha que o Cato é o menos certo da cabeça. Se Snow realmente quer um de nós quebrado, ele não tem alternativa. Ninguém da nossa família jamais vai sair daqui até isso acabar. E não me parece mais a hora de sequestros. Só estamos sendo guardados para o gran finale.

*******

Depois de mais um dia sem bombardeios, podemos deixar o bunker. Temos que achar outro compartimento e tudo mais, porque os outros foram destruídos. Cato e eu estamos falando sobre como sequer pudemos ter mais uma sessão com o nosso psiquiatra, quando Boggs nos tira da fila e nos junta a Gale, Katniss e Finnick. Paramos de rir e os seguimos. Katniss está na frente, então, obviamente, as pessoas abrem espaço para que ela passe, como uma grande celebridade da Capital. Porque, bem, é isso que ela é, de um jeito ou de outro.

Depois de sairmos efetivamente do bunker, subimos mais uma escada e andamos todo um corredor até um desses elevadores que se mexem em várias direções. Já cansei de toda essa caminhada por paisagens iguais quando chegamos à Defesa Especial.

O lugar é igual ao Comando. Não sei se é, mesmo que o trajeto até a Defesa esteja perfeitamente normal, nada como uma coisa deve se parecer se uma bomba a atingiu. Enfim, não faço muita ideia de nada aqui do 13. Simplesmente faço o que me mandam e absorvo apenas as informações estreitamente necessárias.

As mesmas pessoas de sempre estão ao redor da mesa, agarradas a uma xícara cujo cheiro do conteúdo se denuncia como café. A gente não tem muito disso no 2, exceto quando precisávamos de mais energia para viramos mais umas noites na Estação, aprendendo as sete maneiras de se matar alguém com uma faca de manteiga.

Mas eu gosto. Estamos acostumados, apesar de tudo, e tem um gosto bom. Então quando vejo que a Coin está abrindo a boca para falar, ergo um dedo e falo que quero uma xícara.

Ela espera enquanto nos passam a bebida fumegante e eu viro açúcar e creme no meu e no de Cato.

– Precisamos de vocês seis equipados e acima da superfície. Vocês têm duas horas para realizar tomadas que mostrem os estragos feitos pelos bombardeios, definir que as unidades militares do 13 continuam não apenas funcionais como também mantêm domínio da situação e, o mais importante, que o Tordo ainda está vivo. Alguma pergunta?

Como sempre, quero perguntar o que eu estou fazendo aqui se não vou fazer nada. Mas simplesmente faço que sim com a cabeça como todo mundo e acabo de tomar o resto da bebida. Cato sai com os outros, porque tem treinamento e vai precisar ajudar a família dele a achar o novo alojamento. Não sei se estamos incluídos nesses seis, então não falo nada. Mesmo porque Cato não está nem aí para o que a Coin determina que façamos e eu não vou pra lá sem ele. Ninguém gosta de se ferrar sozinho. Depois, quando Plutarch acaba de discutir qualquer coisa que não me interessa com a presidenta e um outro cara desconhecido, me levanto, me preparando para o seguir.

– Ah, não, Clove. Suba com os outros. Talvez você possa ajudar – ele fala, distraído, em vez de sair da sala, se aproximando mais umas cadeiras de Coin. Não discuto, porque não quero mesmo ficar a sós com essa mulher que sabe que eu sou inútil e não me dá um outro destino. Tenho a impressão de que ela está apenas esperando o final para me executar por qualquer infração que eu possa ter cometido aqui.

Mas o espero no corredor, cruzando os braços como se não devesse estar fazendo outra coisa.

– Plutarch – começo, correndo até ele assim que passa pela porta. – Me deixa ficar com você. Eu não quero subir e ver a Katniss gravando mais nada.

Obviamente ele não está esperando um “me deixa ficar com você, porque não quero fazer isso” de uma vencedora do 2, então ele arregala os olhos momentaneamente e sorri fraco.

– Coin realmente espera que você suba. Mas não seria nenhuma surpresa se você descumprisse a programação, não é?

Ergo as sobrancelhas e dou de ombros, sorrindo. Ele começa a andar para a sua sala e eu o sigo. Ele se senta em sua mesa e eu puxo uma cadeira até uma bancada. Plutarch me entrega uns papéis com a situação de uns distritos e começamos a fazer nosso trabalho, calados como sempre, exceto por pequenas exclamações ou comentários. Folheio as páginas rapidamente até achar o caso Distrito 2.

As aldeias de pouca importância, as de fora, estão na posse dos rebeldes. A Montanha principal, sobre as quais sempre havia sussurros sobre ser o forte da Capital, está intocada. Pertence totalmente a ela. A cidade está dividida, mas me parece só uma questão de tempo até os Pacificadores terem o controle de novo, por causa do apoio direto dos cidadãos, que estão temendo que a Capital retome tudo e as condições no distrito acabem ficando piores.

A maioria dos rebeldes provém de famílias que trabalhavam diretamente das pedreiras. Lyme é a grande líder, e, pela extensa lista de tentativas fracassadas de tomar de vez a Montanha, estou presumindo que ela esteja exausta e frustrada. Provavelmente bem nervosa também, pelo gênio que ela costumava ter.

O fato é que o 2 é o único distrito nas mãos da Capital. Todos os outros estão enfrentando suas forças como inimigos decentes. Mas o pessoal de casa ainda está relutando.

O 13 é bem direto ao ponto, então estou realmente aflita com o que mais algum tempo de resistência pode acarretar para as pessoas. Faço uma anotação mental para pensar de verdade sobre os prós de se fazer uma ou duas aparições por lá. Quer dizer, eu não sou qualquer coisa como um símbolo do 2, mas é a minha casa. Eu não posso simplesmente deixar que se destruam ou até que a Capital faça isso. E também... Eu tenho o Cato. Ele é um grande símbolo do distrito. Aposto que considerariam as palavras dele muito mais do que as de Katniss. Se nós aparecermos juntos... Talvez possamos convencer o 2 de vez a se posicionar do lado certo.

Antes que eu possa de fato começar a organizar uma rota para que os rebeldes possam fazer mais uma tentativa de dominarem efetivamente a cidade, um bipe começa a soar.

Pluatrch suspira e se levanta de um jeito meio afobado.

– Estão precisando de mim com urgência no Comando.

– Ok. Eu vou acabar isso aqui – respondo, descendo o rosto de novo.

– Tudo bem – ele me analisa por mais um tempo hesitantemente e depois sai.

Nada parece dar certo. Faço mais um três desenhos e todos vão pro lixo, porque analisando novamente, já foram feitas tentativas quase idênticas que resultaram em fracasso e perda de soldados.

Solto o lápis e deito minha cabeça no frio balcão metálico depois de outro erro gritante.

– Clove?

Ergo minha cabeça bruscamente e tiro o cabelo da minha cara. Mas é só Cato.

– Achei que você estivesse dormindo – ele diz, franzindo as sobrancelhas. – Isso não importa, o que eu vim falar mesmo é que vão tentar buscar o Peeta.

– Hã? Buscar o Peeta? – repito pateticamente. A ideia demora a se formar na minha cabeça, porque todo mundo parece julgar o Peeta como algo totalmente, totalmente mesmo, fora de alcance.

– É. Me chamaram para a reunião. Uma operação feita só com voluntários.

– Ah. Uau – balbucio. Uma ideia súbita me faz girar a cabeça de volta para Cato lentamente. – Feita só com voluntários. Você não está me contando isso porque pretende ir, não é?

Antes que ele comece a falar, sacudo a cabeça e cerro os dentes.

– Você falou que sabia que era ruim ver alguém saindo pra morrer. Você não pode fazer isso comigo, Cato, isso não é justo!

– Clove! Para de gritar, que escândalo – ele comenta aparentemente tranquilo, puxando uma cadeira. – Eu não vou. Estavam esperando que eu me voluntariasse, mas...

– Já chega de se voluntariar, não é? Já se voluntariou por uma vida toda – respondo, surpirando e voltando para o papel.

– É. Gale foi. O primeiro a se candidatar.

– Foi, é? Hum. Espero que traga de volta o Conquistador. Katniss não vai aguentar se os dois morrerem.

– Eu sei. Então, o que você está fazendo aí?

Ele se senta do meu lado e faz três vezes mais esforço do que está acostumado para me ajudar com a rota, mas não obtemos resultado, claro, porque eu sou encontrada com cara de tédio e olhos revirados a praticamente toda sugestão dele.

– Cato – chamo de repente. – A Enobaria foi?

– E se eles tentassem dar a volta por...

Empurro sua mão da folha e encaro fixamente, porque não resta dúvidas de que ele me ouviu perfeitamente.

– Foi ou não foi, Cato?

Ele ergue as sobrancelhas, como se estivesse me alertando, mas eu ergo também.

– Foi. Ela se voluntariou porque precisava ter certeza de que a Layran e o Justin estavam mortos.

– Eles não tinham como saber disso sem mandar ela?

– Óbvio que tinham. Mas ela se ofereceu. Disse que tinha uma dívida com eles.

Suspiro e de repente só estou querendo ficar sozinha. Enobaria é importante demais pra morrer assim na Capital.

Eu nunca fui de falar muito dela, mas ela foi minha treinadora. E ela realmente se importava comigo, gritando sobre como a Arena era um inferno e falando que eu nunca ia querer estar lá. Mas ela sabia que era lá que eu ia acabar. Então me treinava com mais afinco do que seria saudável. Ela era meio bruta e, claro, queria se meter na minha vida, pra me manter afastada daqueles idiotas da Estação do 2 com seus voluntariados e músculos inacreditavelmente malhados. Como o Cato, basicamente.

Mas é por isso que eu estou viva. E agora ela está prestes a morrer.

– Ela é uma idiota, então – falo finalmente, respirando fundo e agindo como se fosse recomeçar a trabalhar, me endireitando e pegando o lápis.

– É, eu sei, igual a você. Chora de uma vez e você tem mais chances de parar antes de mais alguém ver.

– Eu não quero chorar – retruco, como se fosse uma grande coisa pra se dizer - Eu só acho ela idiota. Ela vai morrer e não vai valer a pena nada desse heroísmo barato do 2.

– Ela não vai morrer.

– E você fala como se fosse otimista. Nem acredita nisso – respondo, sacudindo a cabeça.

– Se você acreditasse que ela vai morrer, estaria chorando.

– Você sempre acha que eu saio chorando assim do nada, não é? – respondo, cruzando os braços.

– Eu não diria que chorar em uma situação de guerra onde minha treinadora desde os sete anos de idade estivesse prestes a morrer se enquadra em “chorar assim do nada”.

– Ah, Cato... – suspiro. – Não seja inteligente. Eu estou bem.

– É, está mesmo – ele diz, dando de ombros. Não sei se é ironia ou não. – Chore civilizadamente quando começar, ok? Ou vai ser sedada. E o seu psiquiatra vai achar que a culpa é minha também.

Sorrio um pouco e depois decido sair da sala, já que Plutarch não aparece mais. Então não preciso mais fingir que estou fazendo alguma coisa.

O resgaste traz uma certa agitação ao 13. Na hora do jantar, Bryan comenta sobre meu pai ter tentado ir, então quando ele aparece, Catherine começa a chorar e implorar pra que ele não saia pra qualquer missão. Então se percebe que a antipatia a esses suicídios coletivos estupidamente chamados de missões é de teor familiar.

Eu não sei se me pareço tão ridícula quanto ela tentando segurar Cato aqui dentro do 13, mas é uma situação realmente constrangedora e até engraçada. Claro, é engraçado porque eles já saíram, então não há menor chance de ele realmente rir. Não é engraçado quando há possibilidades reais. A questão é que depois disso, eu nunca mais vou gritar. Não que eu espere precisar mais disso, mas vou inventar qualquer outra abordagem.

No outro dia, depois que Katniss e Finnick já estão sabendo do resgate, eles voltam à superfície e dessa vez eu decido ir. Cato acha que eu vou dar um jeito de me enfiar na floresta e ficar lá pra sempre até mandarem outro bombardeio, então decidiu que vinha também.

Pelo que estão falando, ontem Katniss teve que dizer qualquer outra frase de efeito, mas não conseguiu, pois o Tordo não está bem. E, obviamente, é fundamental que o Tordo esteja bem, então para isso realmente acontecer, ela precisa do Peeta. Decidiram então que, de repente, tirar o Conquistador de lá não é tão impossível.

É estranho subir à superfície do 13. Acho que nunca fiz isso e é um pouco desconfortável. É quando você vê que a Capital mente bem, porque há até umas plantações e janelas de compartimentos mais altos. Aqui não está eternamente fumegando de radiação.

Katniss está sentada em pilar de mármore caído que me lembra de casa quando sinto que estou um pouco tonta. Observo a entrevista sobre Katniss e Peeta escorada em uma árvore. Todo mundo parece bem entretido com isso, e é um momento importante, porque ela está finalmente falando com naturalidade, então simplesmente espero que isso passe calada, aqui encostada na minha árvore.

De repente Plutarch parece animado e sai puxando Finnick e Haymitch para um diálogo vivo. Eles ficam bem tensos. Às vezes eles lançam olhares na minha direção ou na de Cato, que está tão absorvido com o relato de Katniss, sentado em qualquer outro destroço mais perto dela, que nem percebe. Mas Haymitch sacode a mão como se dispensasse a ideia. No fim, me parece que Plutarch conseguiu o que queria, porque Finnick sacode a cabeça de um jeito nervoso, um pouco pálido, muito embora Haymitch pareça contrariado.

Em vez de parar, a minha sensação de tudo estar rodando aumenta consideravelmente e eu pareço estar com mais fome do que nunca estive em minha vida.

– O presidente Snow costumava... me vender... ou seja, vender meu corpo.

Abro os olhos e Finnick está no lugar de Katniss, em frente à câmera. Franzo as sobrancelhas e passo a olhar para ele.

– Não fui o único. Se um vitorioso é considerado desejável, o presidente o dá como recompensa ou permite que as pessoas o comprem por uma quantidade exorbitante de dinheiro. Se você recusa, ele mata alguém que você ama. Então você aceita.

Me viro para Cato e o encontro já me observando. Começo a caminhar até ele com algum objetivo claro e até medonho, mas tudo na minha frente fica preto e demora tanto para retomar o foco que estou achando que já estou no chão. Mas na verdade ele está me segurando e me levando pra sentar com ele. Se eu deveria falar alguma coisa, não parece mais tão importante, porque nem lembro mais o que é.

– O que você tem? – ele sussurra, enquanto eu fecho os olhos mais uma vez.

– Não fui o único, mas fui o mais popular. E talvez o mais indefeso, porque as pessoas que eu amava também eram. Para que elas se sentissem melhor, meus patrões me davam presentes em dinheiro ou joias, mas descobri uma forma de pagamento muito mais valiosa.

Minha rede de pensamentos está tão lenta que nem me lembro do que deveria estar falando com o Cato e só há ruídos díficeis de se compreender no lugar do discurso de Finnick. E parece que se eu abrir a boca, vou vomitar. O que eu vomitaria não sei, já que tem tempo demais que não como.

– Um pouco tonta – respondo, arrumando minha cabeça em seu ombro. Acho que ele está estalando a língua enquanto passa um braço ao meu redor, como se pra garantir que eu não fosse cair para o outro lado.

– Tudo bem. Daqui a pouco nós vamos poder descer, você vai comer e isso vai melhorar – Cato diz, beijando minha cabeça.

– Segredos – Finnick diz. – E é aí que você vai querer ficar sintonizado, presidente Snow, porque muitos deles eram a seu respeito. Mas vamos começar com alguns dos outros.

Ele começa um longo monólogo sobre os moradores da Capital. Um monólogo assustador, detalhado, criminoso, imoral, mas sem dúvida alguma, verdadeiro. Salvo pequenas exceções, não faço a menor ideia de sobre quem é cada uma das acusações, mas nem acho que preciso. Casos assim geram horror e julgamento em qualquer lugar, quem dirá então na Capital, onde aparecer com o cabelo de uma cor fora da moda pode te deixar sem contato humano pelo resto da vida.

Uranius é citado algumas vezes em relatos sobre estupros e chantagens, mas não tenho qualquer reação, porque já estou o mais pálida que posso. Só há olhadelas em minha direção e Cato me apertando um pouco mais.

Talvez eu esteja até morrendo. Vai ser uma droga morrer ao som de uma narrativa de um caso de incesto.

– E agora, chegamos a nosso bom presidente Coriolanus Snow. Um homem tão jovem quando alçado ao poder. E tão sagaz em mantê-lo. Como, vocês devem estar se perguntando, ele conseguiu isso? Uma palavra. Isso é tudo o que vocês realmente precisam saber. Veneno.

Assim que ele próprio diz “Corta”, Cato se levanta me apoiando e anuncia:

– Preciso descer com ela. A pressão baixou.

Antes que possamos de fato voltar, tudo fica de preto de novo.


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Notas finais do capítulo

Eu estava pensando quando eu ia ter coragem pra postar de novo. Já está quase tudo pronto, eles já estão até se casando, mas... Dá um desânimo, sabe. Chegar aqui e receber esse vento do sertão como resposta. Mas tudo bem. Eu disse que ia terminar isso e é isso que eu vou fazer. Vou ignorar as identidades bem reveladas de vocês e suas presenças tão intensas nos comentários de outras fics. É a vida. Eu também sou assim. De repente a gente pode não gostar do autor ou achar que ele deixou a fic um cool. Mas a gente não desiste, porque é brasileiro, certo? Certo. Até mais. Juízo nesse teclado e amor no coração, pessoal.



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