Levantei-me jogando as cobertas para o lado. Andei cambaleando até o grande espelho pendurado. Uma figura sombria me olhava do espelho com uma blusa de maga longa fina cor de rosa manchada de sangue recente e com uma calcinha branca. Seus olhos estavam muito vermelhos, havia olheiras profundas por baixo de seus olhos quase violetas. Sim, estavam ficando violetas novamente. Seus cabelos loiros estavam oleosos e embaraçados. Ela estava muito pálida. Levantei a manga da blusa e vi a garota no espelho fazer o mesmo. Meus braços estavam cheios de manchas roxas, uns amarelados outros avermelhados. Minha coxa também estava com a mesma situação.

A garota no espelho me encarava de volta, seus olhos cheios de lágrimas mostravam tristeza, agonia, dor, sofrimento, abandono e raiva. Tudo misturado. Lágrimas escorreram em seu rosto. Seus olhos estavam se fechando aos poucos e o barulho dos socos na porta estavam se afastando para longe. A garota esticou o braço esquerdo para a cômoda ao lado pegando um objeto afiado. Uma lâmina. Ela trouxe o objeto para mais perto de seu porto, e os olhos continuaram a se fecharem lentamente pedindo por um descanso.

Fleches de luzes apareceram em minha mente. Eu estava voltando para Meygo. Antes que eu pudesse deixar isso acontecer, abri os olhos rapidamente e cravei em minha barriga a lamina de três centímetros com força. Uma lufada de ar escapou de minha boca misturada ao gemido de dor.

__Any? __ Ouvi Jackson.

A garota no espelho se curvou com a mão na barriga, mais lágrimas caíram de seus olhos. Sua audição voltará a ficar normal. Sua boca estava entreaberta, seca. Seus dedos estavam sujos de sangue fresco que respingavam da barriga pingando no chão. Seus olhos voltaram a ficar atentos bem acordados, e os fleches desapareceram me dando a certeza que eu ainda estava no mundo real.

Cambaleei para longe do espelho segurando um grito de dor, me apoiando na cômoda e sujando-a de sangue com minhas mãos. Tropecei nos meus próprios pés e cai no chão com um estrondo.

__ Any? Any o que foi isso? __ Jackson bateu mais forte na porta. __ Any? Você está bem? Por favor, responde. __ Implorou.

A ardência no corte começou. Prendi a respiração olhando para o teto e arranhando o chão com as minhas unhas. Mordi os lábios para não gemer ou fazer qualquer barulho. As lágrimas vinham com mais força à medida que a dor no corte ia se intensificando. Logo que a dor parou respirei fundo e me sentei no chão encostando-me na parede abraçando meus joelhos contra meu corpo.

As batidas na porta continuaram.

__ Me deixa em paz. __ Vinha voz saiu fraca e rouca, mas eu sabia que Jackson havia ouvido.

As batidas cessaram por um minuto antes de Jackson começar a falar novamente.

__ Any... Por favor, abre a porta. __ Pediu. __ Por favor. __ Sua voz era um sussurro baixo e triste, Fechei os olhos com força que começavam a arder novamente.

__ Vai embora. Eu disse pra me deixar em paz! __ Falei com mais firmeza não podendo evitar a voz tremula que saia.

__ Você não tocou na comida. __ Comentou. __ Não tocou na comida em nenhum dia nessas últimas duas semanas. Precisa comer Any! Abre essa porta! __ Disse. __ Eu não vou sair até que você coma alguma coisa!

Tentei ignorá-lo, mas ele não iria embora. Lentamente eu tentei me levantar arrastando meus pés até chegar à porta. Respirei fundo, enxuguei bem as lágrimas e alisei um pouco do meu cabelo desgrenhado, e joguei a lamina para debaixo da cama junto com muitas outras, e então destranquei a porta lentamente.

Abri apenas um pouco de modo que deixei meu olho direito encara a figura que se encontrava do outro lado. Ele estava com uma blusa branca limpa e uma calça jeans escura, e estava descalço. Em sua mão ele carregava um prato grande de comida. Meu estomago se revirou ao ver a comida. Quase sai correndo para o banheiro, que ficava ao lado do meu quarto, para vomitar.

Jackson tentou me olhar, mas eu não deixei fechando um pouco mais a porta deixando apenas uma brecha da luz de fora entrar no meu quarto escuro e iluminar um pouco a metade do meu rosto que aparecia.

Seu rosto estava cheio de preocupação.

__ Any...

__ Me de logo isso. __ Eu o cortei estendendo minha mão para pegar o prato.

Ele hesitou um pouco antes de colocar o prato pesado em minha mão, mas não soltou o prato.

__ Será que dá pra soltar? __ Perguntei com a voz seca.

__ O que ta acontecendo? __ Ele tentou abrir a porta com o pé mas eu a empurrei bloqueando sua visão.

__ Nada. Eu só quero paz, entendeu? __ Falei e puxei o prato de sua mão com força deixando cair um pouco de arroz no chão.

__ Eu quero te ajudar... Eu sei que ta precisando de ajuda, e eu queria te ajudar... __ Ele olhou para meu olho. __ Você não tem dormido, talvez eu possa...

__ Sim, eu precisava da sua ajuda há um mês quando você me deu as costas. Mas não preciso mais. E me deixa em paz! __ Disse em tom firme e grosseiro enquanto fechava a porta na sua cara e a trancava de novo.

Encostei-me na porta ainda de pé não podendo mais conter as lágrimas. Eu sabia que ele ainda estava do outro lado parado olhando para a porta fechada. Era estranho, mas eu conseguia de algum jeito sentir uma vibração, uma energia saído dele. Não só dele, mas de todas as pessoas que passavam em frente a minha porta. Rikki, Shofy, Justin, Lex, Bridgit, Jackson e vovô. Todos que passavam ali tinham uma energia diferente que eu conseguia sentir. Não sabia o que era e nem sabia como eu podia sentir e distinguir de quem era a energia.

Ele continuava ali, parado, pensando. Me arrastei pela porta lentamente sentando-me no chão. Deixei o prato de lado nem um pouco com vontade de comer. Só de sentir o cheiro me dava uma vontade louca de vomitar.

__ Feliz aniversário... __ Sussurrou ele atrás da porta.

A energia de Jackson se afastou. Ele estava indo embora.

Eu envolvi com uma das mãos a correntinha de prata com o pingente da sereia, que ele havia me dado no dia do enterro de Fredd, com força.

E então eu comecei a soluçar.