Os dias se seguiram calmos, mas com algo estranho no ar. Sheba não sabia dizer o que era. Mas sabia que algo estava fora dos eixos. De vez em quando, surpreendia seu novo "sogro" encarando-a de forma esquisita. Então, quando ela lhe devolvia o olhar, ele virava o rosto bruscamente.

Aquilo começou a incomodar, mas como não havia nada concreto, não tinha coragem de falar com Gabe sobre o assunto. Afinal, era o pai dele. E estava morando ali em sua casa de favor.

O fato de não ter para onde ir também incomodou Sheba. Ela nunca precisara dormir, então sempre tinha algo para fazer nas vinte e quatro horas do dia. Uma maldade em uma festa, um acidente de trânsito, um problema em circuitos elétricos deixando ruas sem energia, enfim. Sempre algo para fazer.

Agora, que precisava dormir como qualquer humana, precisava de um teto. Sem seus poderes, poderia até mesmo sofrer alguma violência nas ruas. Não, ela precisava de proteção. Precisava de Gabe.

Gabe também notara a atmosfera carregada nos últimos dias. Certa vez, surpreendeu seus pais cochichando na cozinha, quando fora pegar um lanche para ele e para Sheba. Quando entrou, os dois imediatamente interromperam a conversa e ficaram em silêncio. Quando saiu, percebeu que voltaram a cochichar.

Algo os estava preocupando. Algo que eles escondiam de Gabe. Seria Sheba? Será que eles achavam demais uma garota de sua idade morar em sua casa, sem família e sem ninguém? E mais: namorar com seu único filho.

Precisava conversar com eles. Não submeteria de maneira alguma Sheba a qualquer humilhação ou constrangimento. Falaria com eles aquela noite.

Subiu ao quarto dos pais e bateu à porta. Sussurros do outro lado da porta cessaram.

"Entre" disse seu pai.

Gabe entrou devagar, olhando para os pais, que estavam conversando de pé. Uma discussão, talvez?

"Papai, mamãe, precisamos conversar."

"É claro." disse o pai de Gabe. "Precisamos urgentemente resolver a situação dessa garota."

Gabe se chocou com o tom arisco do pai.

"Papai, peço que respeite Sheba."

"Ela não é o tipo de criatura que merece respeito algum."

Gabe ficou boquiaberto. Jamais vira o pai falar daquela forma. Olhou para a mãe, procurando ajuda. Mas ela estava com o olhar severo, quase colérico.

"O que está acontecendo aqui?" disse Gabe.

Foi sua mãe quem se adiantou, aproximando-se dele.

"Você vai se afastar imediatamente desse demônio encarnado!"

Gabe não tinha palavras.

No quarto ao lado, Sheba ouvia a conversa, com resignação.

Sheba respira fundo.

"É hora de ir embora."