Facas. Facas grandes com laminas prateadas reluzentes. Alvos pretos e vermelhos em movimento a minha volta. Lançar facas é uma das poucas coisas que posso dizer que faço bem e estar no centro de treinamento é maravilhosamente relaxante. Alguns vitoriosos evitam esse lugar por trazer a mente momentos que aconteceram na arena, para mim é diferente, vem apenas momentos felizes antes dela. Quando eu era apenas uma habitante do distrito dois que sonhava em um dia ser uma vitoriosa dos jogos vorazes e trazer honra para o distrito, na verdade me tornar tributo nunca foi um objetivo de vida, pensava um pouco na possibilidade, mas sempre acabava abominando a ideia. Não por fraqueza, mas sim por insegurança de ter capacidade de suportar a tudo que a arena guarda, não apenas o físico, mas o psicológico. Querendo ou não, você não consegue continuar sendo você mesmo depois que sai da arena, pelo menos eu não consegui. Ficar no centro de treinamento no sábado de manha não é uma coisa muito natural de se fazer caso você não queira ser um tributo, mas como aqui geralmente acordamos cedo eu queria fazer alguma coisa, Sílvia saiu com a Emma e mais algumas amigas que eu não me importo em saber o nome, Cato teve que ir a algum lugar com o pai dele e graças ao meu ego do tamanho do mundo não tenho muitos amigos. Cogitei a ideia de ir à casa da Anelise, mas acabei me lembrando que hoje é o aniversário da mãe dela. Minhas opções então se tornaram ficar em casa sozinha no meu quarto, vir para o centro de treinamento ou ajudar a minha mãe sem seja lá o que ela esteja fazendo.

–- Você está aqui a duas horas, não tem que descansar não? – Enobária pergunta pegando as facas da minha mão.

–- Antigamente você tentaria me convencer a ficar.

–- Agora é diferente – ela diz. – Você deve estar cansada então vá para casa, certo?

Eu queria ficar, cada faca que eu acertava era como se eu estivesse matando nosso presidente, era como se eu estivesse colocando para fora tudo de ruim que já aconteceu comigo e mesmo que seja por pouco tempo, eu era a Clove de antes, a Clove que não se preocupava em ficar sozinha, que se preocupava com horários e em impressionar a todos. Acabo concordando com a cabeça para não ter uma conversa desnecessária sobre isso. Viro e ando lentamente até a porta. Vou caminhando aceleradamente ate a vila dos vitoriosos, aqui é realmente um lugar bonito para se morar. Estou avistando a primeira casa da vila dos vitoriosos quando quase chuto uma pequena bola branca e cinza. A bola emite um pequeno chiado antes de revelar sua cabeça, a bolinha na verdade é um gato filhote. De olhos verdes escuros como os meus e pelagem branca e cinza, mas cinza meio prateado. Pego o gatinho no colo.

–- Quem é seu dono? – pergunto acariciando suas orelhas.

Continuo andando com o filhote em meus braços. De quem pode ser esse gatinho? Não é muito comum animais de estimação por aqui. Eu nunca tive um pelo menos. Na verdade tinha o Jack, mas ele não era meu, era da Sílvia, ele morreu quando eu tinha 4 anos, nessa altura ele tinha 8, era novo, não me lembro bem o motivo de sua morte, mas ele era um grande cachorro branco.

–- Clove! – Ouço Anelise me chamar fico para no lugar em que estou.

–- Oi Ane – falo.

–- Fui na sua casa mais cedo, sua mãe falou que você tinha ido no centro de treinamento então não deu para lhe convidar para o almoço de aniversário da minha mãe, mas a noite vai ter um jantar, começa às 20h se quiser ir – ela fala sorrindo.

–- Ah – falo – Obrigada pelo convite, vou ver se vai dar.

–- Vou te esperar – ela diz – E de quem é esse gatinho?

–- Na verdade eu não sei, achei ele voltando para casa – respondo – sabe de alguém que tenha gatos por aqui??

–- Na verdade tem a Sr. Hits, mas ela tem vários. Fora ela acho que só eu tenho gatos aqui na Vila dos vitoriosos – ela reponde. – Mas acho que não é dela. Está sujo de mais para isso.

Anelise tem um gato peludo laranja e branco que ela chama de Bichento. Ele tem grandes olhos amarelos e é um pouco sinistro. Algumas crianças tem medo dele.

–- Concordo, obrigada de qualquer forma – falo – tenho que ir.

–- Tudo bem, até depois – ela fala sorrindo.

Agora sem mais interrupções sigo meu caminho até minha casa. Dá porta já dá para ouvir o barulho das conversas que estão tendo dentro dela. Abro a porta e minha mãe me olha com um sorriso falso no rosto.

–- Olá Clovinha – ela diz vindo até mim – tem uma visita para você. – Deve ser Cato, só não sei para que tamanha formalidade. – O que é isso no seu colo?

–- É, ah – O que eu vou falar? – É exatamente o que você está vendo.

–- Porque você trouxe um gato para casa?

–- Ele é um filhote e estava sozinho... – respondo. Ela pega o gatinho de minha mão.

–- É uma menina – ela diz – que nome quer dar para ela?

–- Não sei – falo – Vamos ficar com ela??

–- Claro! – Não sabia que minha mãe concordaria tão rapidamente. – Ela pode se chamar Íris.

–- Por quê?

–- Porque ela é branca, e a flor Íris branca significa esperança. – Ela diz.

–- Papai e Sílvia vão concordar?

–- Claro que vão, mas você tem uma visita. – ela diz – venha comigo.

Andamos até a varanda dos fundos onde tem uma vista privilegiada do bosque, mamãe continua com Íris em seu colo.

–- Olá Clove – Olho para o dono da voz e me deparo com a pior pessoa que eu gostaria de tomar chá.