Agnes parecia cada vez mais furiosa à medida que elas chegavam em casa. Katniss estava se odiando por ter sido tão idiota. Como ele pode ameaçar um capataz na frente de todo mundo? E o pior de tudo, na frente da sua mãe?

Agnes desceu da carruagem que as levava para casa, puxando Katniss pelo braço e a arrastando para dentro de casa. Assim que chegaram à sala luxuosamente decorada no estilo vitoriano, Agnes atirou Katniss no sofá. A garota tinha certeza de nunca ter visto a mãe tão furiosa assim.

–Você- disse ela como se guspisse as palavras- Passou de todos os limites mocinha. O que foi aquilo? Defender um negro? Ameaçar um capataz que estava tentando nos proteger? Você parecia... parecia... um homem!

Katniss tentou contestar mas Agnes a olhava com uma fúria cada vez mais crescente.

– Estou cansada de você Katniss, cansada. Você é estranha, vive no mundo da lua, com esses... livros que você não larga. Age como um moleque sempre andando por ai por esses matos. Você envergonha nossa família.

–Mãe!- tentou chamar Prim, visivelmente com pena da irmã.

Katniss estava à beira das lágrimas, mas ela não ia ceder, não dessa vez. Sempre que levava uma bronca da mãe ele se sentia muito mal e começava a chorar aos prantos. Mas não dessa vez.

– Escute bem Katniss, daqui a dois dias será o feriado de ação de graças. Vou dar uma festa e receber as melhores pessoas dessa cidade. Até lá- ela olhou de forma ameaçadora, como se estivesse prestes a matar um inseto nojento -Você não vai sair dessa casa. E eu vou transformá-la numa dama até esse jantar, eu juro por Deus.

Katniss queria correr, queria gritar, queria fazer qualquer coisa que a livrasse daquele castigo.

– E já que você não teve capacidade de arranjar um marido, eu vou fazer isso por você. Nem que eu tenha que usar todo o dinheiro que seu pai nos deixou. Você vai deixar de ser problema meu. Não vai mais me envergonhar em público.

Katniss olhou para mãe com uma descrença e uma dor no peito.

–Eu podia ter morrido e você está preocupada com o que os outros vão pensar?

–-Katniss, eu não vou mais discutir com você. Vá para seu quarto e não saia mais de lá. Vou chamar Madame Effie para te dar umas aulas de etiqueta.

–Eu não vou ter aulas de etiqueta, nem vou me casar com ninguém.

Agnes pegou o braço da garota e a empurrou escada a cima para o quarto. Agnes atirou a filha com um baque surdo no chão do quarto da garota e trancou a porta. Katniss ainda pode ouvir por trás da porta a voz da mãe.

– É o que vamos ver Katniss, é o que vamos ver.

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Os dois dias seguintes foram sem dúvida os piores da vida de Katniss. A mãe a obrigava a ficar trancada o dia inteiro no quarto, sem poder nem ao menos ler, já que a mãe dizia que os livros eram um dos maiores culpados por Katniss ser do jeito que era.

Nem a irmã ela permitia que lhe visitasse. A única companhia que ela tinha era Effie, a professora de etiqueta. Katniss era obrigada a ouvir coisas como “você deve usar talheres diferentes para cada tipo de refeição”,“Você não pode em hipótese alguma ter contato com a mesa”. “Vestidos cinzas são para ocasiões formais, o melhor para uma festa é um azul alegre”. Katniss se perguntou se havia algo útil nisso tudo, mas resolveu ficar quieta ela já tinha problemas demais.

A mãe verificava de vez em quando se Katniss estava aprendendo alguma coisa. Obviamente ela saia desapontada sempre. Katniss não prestava atenção em Effie, era algo que ela realmente não conseguia assimilar.

A garota estava com medo de ter algum problema mental, por que, por mais que tivesse algumas habilidades (como em línguas e arco e flecha, que não eram muito úteis, ela tinha que reconhecer) Katniss não conseguia diferenciar o talher para peixes do talher para sopa, nem o azul bebê de azul turquesa.

Na manhã do dia de ação de graças, Agnes acordou a filha mais cedo, aparentemente animada. Katniss sabia que a animação da mãe não poderia ser coisa boa.

–Acorde Katniss, vá se arrumar. Ponha seu vestido novo.

A garota abriu os olhos e deu de cara com a mãe e Rue atrás dela.

– O que está acontecendo?

–Arrume-se eu já disse. Consegui, por incrível que pareça, um pretendente para você. Ele vai passar o dia conosco já que a casa dele fica muito longe daqui e ele é um dos convidados do jantar.

– O que?

O coração de Katniss deu uma batida descompassada. Um pretendente? Não podia ser verdade.

–E é bom você não estragar tudo. Você já deve ter percebido que não é bonita, nem inteligente. Não sei como um homem da posição dele pode ter interesse em você. Mas acho que os céus estão respondendo minhas preces. Talvez os deuses tenham percebido como tenho sido uma mãe sofrida e zelosa.

E antes que Katniss possa responder a mulher dá um suspiro, se vira para Rue e no tom mais autoritário que possui manda a garota ajudar Katniss a se arrumar.

–E quero um trabalho bem feito. Estou lhe pagando muito bem para isso. Coisa que você não merece.

Katniss tinha vontade de atirar o pente na cara da mãe. Rue era uma mulher livre.

–Rue –diz Katniss se atirando nos braços da amiga assim que sua mãe saiu do quarto- Deus, como é bom ver você.

–Katniss, ah Katniss eu sinto muito. Tresh me contou o que você fez por ele.

–Me desculpe, talvez eu tenha piorado as coisas para todos nós.

–Nós estamos bem querida. Mas e você? Ah Katniss, você está aqui presa como uma...

–Escrava?- diz Katniss sorrindo tristemente.

–Sim- diz Rue olhando triste para a amiga- Como uma escrava.

– Eu sou uma escrava Rue. Não por ser negra, mas por ser mulher. Por ter que agradar minha mãe todos os dias. Eu só queria que ela me olhasse como olha para Prim de vez em quando.

–Ah Katniss- Rue se dirige a amiga e a prende em um abraço apertado- Vamos tirar você daqui. Eu juro.

–Não Rue, nem tente. As coisas já estão complicadas demais.

Katniss podia ver que Rue estava com vontade de chorar. Mas era por isso que Katniss amava sua amiga. Ela nunca ia ceder ao desespero tão facilmente.

–Venha, você precisa ficar apresentável para seu futuro marido.

Rue começa a escovar os cabelos de Katniss com calma. O vestido mais novo de Katniss já estava em cima da cama, pronto para ser usado. Rue faria suas unhas, usaria a maior quantidade de maquiagem (discreta, ela seria maquiada novamente para a festa da noite), deixando Katniss apresentável para o homem que sua mãe tanto admirava.

–Sabe de uma coisa?- diz Rue- Não ligue para o que sua mãe diz. Você é linda, e é a pessoa mais inteligente que conheço.

Katniss sorriu para o reflexo de Rue no espelho. As duas fizeram o coro imitando a mãe de Katniss “Uma mãe sofrida e zelosa”. As duas caíram na gargalhada.

–Não, você é linda, você é inteligente e você é a melhor pessoa que eu conheci- Diz Katniss para a amiga.

–Bom, eu não sei se você sabe. Mas aquele homem, como é mesmo o nome dele... Peeta? Esteve perguntando por você para Haymitch. Acho que você tem outro admirador. Um admirador de verdade.

–Rue!- diz Katniss corando- Não tem nada haver, eu mal conheço ele.

–Huum, sei. Bom, seja lá o que vocês estiverem fazendo, tomem cuidado. As coisas já estão ruins demais para você.

Katniss sentiu um calafrio na espinha. Olhou diretamente para Rue dessa vez. Rue sabia o que eles estavam fazendo. Mas como se perguntou Katniss, eles não haviam sido discretos? Então Katniss entendeu tudo enquanto olhava diretamente para amiga. Rue também fazia parte da resistência. Essa revelação atingiu Katniss em cheio. A única coisa que ela pode dizer foi:

–Você também.

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Uma hora depois Katniss chegou a sala totalmente arrumada. Seu cabelo estava com leves cachos na ponta, o vestido, simples segundo sua mãe, mas que poderia comprar pão para uma família durante um mês, estava caindo perfeitamente em seu corpo.

A mãe já estava na sala. Assim que avistou Katniss, se dirigiu até ela.

Ajeite essa postura- Ela botou as mãos nas costas de Katniss. Katniss sentiu uma pontada nas costas enquanto a mãe a deixava reta- Isso, agora você está quase perfeita. Até parece uma Boycenee de verdade.

Katniss não pode evitar soltar um resmungo.

–Quieta e abaixe esse olhar. Pelo amor de deus, de quem você herdou esse olhar desafiador? Seu pretendente está ai- Diz ela sorrindo como se estivesse prestes a fazer um grande negócio. E ela estava. Ia vender a filha.

–Olá, então ai está ela- Disse um homem com uma voz grave entrando na sala- Prazer Katniss.

O homem tinha o cabelo grisalho, era ainda mais velho que seu pai. Tinha uma tosse crônica e por isso usava um pequeno lenço na mão que de quando em quando ele colocava na boca para abafar a tosse. Mas apesar disso, tudo nele demonstrava que ele era um aristocrata.

– Você causou uma confusão e tanto com meu capataz hein menina- disse ele sorrindo – Me chamo Cornelius Snow.

–Pedimos desculpas por isso –disse a mãe- É que Katniss ás vezes pode ser sensível aos pobres coitados. Um pequeno defeito.

–Certamente- disse Snow encarando intensamente Katniss- Mas o importante é que devo dizer que você me impressionou Katniss. Estou precisando de uma esposa como sabe. E gosto de desafios. Você me parece um belo desafio.

Katniss estremeceu. Um desafio

–Oh senhor Snow, minha filha certamente ficaria feliz em ser cortejada pelo senhor.

Katniss ia dizer algo mas a mãe lhe deu um pequeno chute. Katniss queria gritar. Mas infelizmente, ela sabia desde o inicio que esse seria o seu destino. Como ela queria ter nascido homem.

–Ah não temos tempo para isso. Estou pensando em fazer uma proposta formal a senhora na festa dessa noite. Depois podemos nos casar daqui algumas semanas. Sou um homem solitário. E a senhora é uma mãe zelosa, deve estar cansada.

–Ah com certeza senhor. Seria perfeito- diz a mãe parecendo ter realizado um sonho.

–Perfeito então, esta noite perguntarei a Katniss se ela deseja ser minha esposa na frente de todos e depois podemos organizar tudo.

Mas Katniss sabia que eles não iam precisar organizar nada. Por que pela primeira vez ela se rebelaria. Não importava o que a mãe iria fazer depois. Mas ela diria não.