A casa de Peeta se tornou um lugar alegre com a chegada de Rue, a garota dera a casa um novo ar. Durante as manhãs, Katniss e Rue estudavam na sala enquanto Peeta dava aulas no Liceu. Após o almoço, que era sempre feito por Peeta que gostava de cozinhar, os três se sentavam ao redor da pequena mesa da sala e começavam a estudar.

Rue adorava isso. Ela não sabia francês, então Peeta e Katniss tinham o maior prazer em ensiná-la. Além de história e um pouco de filosofia, Katniss também ensinava a Peeta e a amiga espanhol, já que, embora soubessem um pouco desse idioma, eles ainda tinham um pouco de dificuldade em lidar com os nativos do sul do estado que a cada dia vinham em peso morar em São Francisco. Rue os ensinava algo sobre plantas medicinais e venenos. Além é claro, de tiro.

Tresh ficava observando os três em silêncio, e não entendia como eles ficavam tão compenetrados, lendo e estudando. Ele preferia muito mais arrumar o telhado, caçar esquilos selvagens, ajeitar o quintal e as aulas de tiro. Para ele, isso eram serviços realmente úteis. Graças a Tresh, a casa, que quando comprada estava um pouco desgastada, agora estava quase novinha em folha.

A noite, Haymitch chegava e os cinco se sentavam na varanda, aproveitando a brisa do inverno. Tresh pegava sua viola, que ele guardava como um artigo sagrado, e dedilhava uma canção. Ele era inevitavelmente acompanhado por Rue. Era simplesmente um deleite ouvir a garota cantando.

Os dois cantavam canções falando sobre liberdade, sonhos e lutas. Katniss, que sempre fora tímida se pegava lembrando as canções que ela conhecia dos clubes que frequentava escondido. Às vezes ela sentia saudades disso. Em uma noite dessas, Haymitch fez um estranho pedido.

– Você poderia cantar Katniss?

–Eu?- Katniss se sentiu desconfortável com todos a olhando- Mas Haymitch, você sabe que eu não sei cantar.

–Por favor! Uma música antiga.

Sem saber por que, o desespero da voz do homem fez com que Katniss começasse uma antiga canção que havia ouvido sua avó cantar. Ela contara a Katniss que havia aprendido a canção com uma índia nascida nas praias, mais ao sul do estado, e que viera morar em são Francisco para atender os homens que procuravam ouro.

Por algum motivo, Katniss havia esquecido a canção, mas agora, olhando para Haymitch ela lembrou de cada palavra e de cada detalhe da história dela.

A canção falava sobre uma mãe que tinha que enterrar seu pequeno filho, um símbolo de liberdade, seu pequeno passarinho. A avó sempre cantava para Katniss, quando a garota ia escondido da mãe visitá-la. Era como um código entre as duas. Katniss nunca havia cantando a canção para ninguém. No entanto, aqui com os amigos, ela achou que fazia sentido cantá-la.

Hoy el pajarito me conto

Las cosas que me he olvidado

Me conto de tus manos sobre las mias

Dos alas coloridas

Hoje o passarinho me contou

As coisas que eu esqueci

Me contou das tuas mãos sobre as minhas

Duas asas coloridas

Hoy el pajarito se quedo a mi lado

Recuerdo tu sonrisa,

El pajarito me lleva hasta a ti

Vuleve pajarito, se te vas, me quedo sola

Hoje o passarinho ficou ao meu lado

Lembrei do teu sorriso

O passarinho me leva até você

Volta passarinho, se vai embora fico sozinha

Vuela pajarito, sonãre contigo

Vuela amorzito, que ya me voy

Pajarito no te piergas de mi

Que soy una pluma en el viento

Voa passarinho, sonharei contigo

Voa amor, que já me vou

Passarinho, não se perca de mim

Que sou uma folha no vento

Pajarito ya te has marchado

tu recuerdo es como un dia gris

yo soy la que quedo sin alas

y tu quedaste sin alma

Passarinho já se foi

Sua lembrança é como um dia cinzento

Sou a que ficou sem asas

E você, sem a alma

Pajarito que hago

si ya no te tengo a mi lado

pajarito vuelve e cambia tu mundo

pajarito estoy contigo

Passarinho o que faço,

Se não te tenho ao meu lado

Passarinho volte e mude seu mundo

Passarinho estou contigo

Vuela pajarito, sonãre contigo

Vuela amorzito, que ya me voy

Pajarito no te piergas de mi

Que soy una pluma en el viento

Voa passarinho, sonharei contigo

Voa amor, que já me vou

Passarinho, não se perca de mim

Que sou uma folha no vento

E as noites eram todas assim. Durante os eventos sociais, em que Katniss e Peeta eram obrigados a comparecer, eles agiam como um jovem casal recém casado. Ele, apenas um professor de 24 anos e ela, sua adorável esposa de 22.

No inicio, as pessoas sempre olhavam para os dois com desconfiança, mas depois de alguma tempo se acostumaram com esse casal, que afinal de contas, não era tão improvável assim. Esses eram novos tempos, os dois nada mais eram do que um casal americano comum. Uma das várias mudanças com as quais o bom povo de São Francisco seria obrigado a lidar.

Tresh e Rue eram vistos como os empregados do jovem casal. Rue obrigara Katniss a tratá-la dessa maneira em público, apesar de todos os protestos e da indignação da amiga. As duas iam juntas a livraria de Greasy Sae, que sempre as recebia com um meio sorriso e deixava as duas vasculhando e aproveitando a pequena loja.

Algumas pessoas olhavam contrariadas quando as duas passavam juntas. Muitas vezes elas esqueciam que deveriam agir como senhora e empregada e agiam como duas amigas normais, rindo, observando as pessoas. Katniss sempre preferia assim, mas Rue ficava assustada sempre que se dava conta de que a estavam olhando.

Nesse meio tempo, Katniss podia dizer que estava se sentindo realmente feliz, pela primeira vez em muito tempo. Algumas pessoas provavelmente diriam que ela deveria querer mais da vida. Procurar algum marido rico, que lhe daria viagens caras, que deveria se preocupar com a qualidade do seu vestido. Que deveria querer morar numa casa maior do aquela em que estava Peeta. Que ela deveria querer conviver com gente que soubesse recitar Virgílio e tocar Mozart no Piano.

Katniss jamais trocaria a vida que levava na modesta casa de Peeta por nenhuma dessas coisas. Para ela, a melhor viagem era ouvir Peeta falando sobre a França e sobre Nova York. O melhor vestido era aquele que Rue ajudava a remendar, a melhor casa era aquela que Tresh reclamava da fechadura todos os dias. E ela não poderia, nem por um minuto sequer, trocar as canções de Rue por qualquer clássico.

Na última semana de fevereiro, quase dois meses depois de Katniss ter se mudado para casa de Peeta, Haymitch não apareceu na casa para a costumeira serenata. Nas duas primeiras noites eles não se preocuparam muito, afinal era Haymitch, alguém totalmente imprevisível.

No entanto, como estavam sem noticias do amigo, e ele não aparecera no bar em que costumava ir ás sextas, Peeta resolveu ir a casa dele, para ver o que estava acontecendo no domingo após o culto na pequena igrejinha Metodista da cidade. Katniss resolveu ir com ele, ao que Peeta não teve como impedir.

Assim que chegaram na casa do amigo, Katniss se arrependeu amargamente da decisão. Haymitch estava deitado no velho sofá do quarto da pensão que alugava. Um pequeno mictório estava do lado, lotado com vomito.

O quarto de Haymitch era simplesmente um caos. Não havia roupas limpas. Restos de comida jaziam por todos os lados, embora Katniss tivesse certeza de que eles não eram recentes. Haymitch provavelmente não sabia o que era comida há muito tempo. Havia um cheiro azedo e profundo que Katniss não reconheceu, mas que Peeta ficou vermelho ao sentir. Olhando para o homem e para seu pequeno quarto, Katniss achou que nunca vira nada tão patético na vida.

–Haymitch o que ...- perguntou Peeta atônito olhando a bagunça na casa do amigo.

–Humm... não grite!

–Haymitch, Peeta não está gritando- diz Katniss se sentindo enojada com o homem.

–Quem...? Madre de Dios! Que hacen aqui? Andale, No los quiero en mi habitacion!! ( Céus, o que fazem aqui? Vão embora, não quero vocês no meu quarto!)

Katniss se irritou com o homem. Ela sabia que quando Haymitch se irritava começava a falar em espanhol. Ela nunca se importara muito com o bêbado, mas desde que sua mãe a renegara, ele era como uma parte da família. E se ele era da família não ia ficar assim.

– Calla-te borracho! Me canse de tus tonterias (Fica quieto bêbado, cansei das tuas idiotices) Tu- diz ela se virando para Peeta- Desculpe, você, dê um banho nele. Faça o vomitar até a última gota de álcool.

–Mas...

– Vamos Peeta, você quer que eu de um banho nele?

–Não, eu...

–Então faça isso.

Peeta lançou um olhar temeroso para Katniss que a garota quase teve vontade de rir. Infelizmente, ela também tinha um trabalho desagradável para fazer. Meia hora depois, Peeta voltou com Haymitch razoavelmente limpo. Demorou cerca de uma hora para conseguirem arrumar as coisas e deixar o local decente. Assim que eles deram uma xícara de café para o homem, Peeta começou a interrogá-lo.

–Haymitch por que você andou sumido?

–Eu não andei sumido, eu apenas estava...

–Fugindo da situação – diz Katniss friamente, por que ela sabia exatamente o que Haymitch estava fazendo- Por que é isso que você faz. Quando não sabe o que fazer, você bebe!

–Katniss, por favor! Não seja rude- diz Peeta constrangido.

–Ela tem razão Peeta. Era exatamente isso o que eu estava fazendo.

– Por que Haymitch? O que está acontecendo? Do que você está com medo?- Perguntou Katniss de maneira fria.

–Estou com medo da guerra Katniss. Eu coloquei vocês nisso. Eu... e agora.... Snow..

– O que tem o antigo pretendente da Katniss- Perguntou Peeta.

Haymitch soltou um longo suspiro.

–Vocês sabem que ele estava viajando não sabem?

– Não... nós...

–Vocês estavam vivendo em um paraíso fictício. Ele voltou. E agora ele não é nada mais que o novo Intendente de São Francisco. Ele tem poderes maiores que o prefeito. Nós sabemos o que ele pensa sobre a escravidão, sabemos o que ele pensa sobre os negros e sobre mocinhas casadas com professores.

Peeta lançou um olhar preocupada para Katniss. A garota sentiu seu estômago revirar. Mas ela tinha que ser corajosa. Não podia deixar Peeta e Haymitch mais preocupados, ou mais envolvidos do que já estavam com essa história.

– Nós vamos lutar. Se ele acha que pode fazer São Francisco ficar ao lado dos escravagistas...

– Você sabia que foi ele que mandou matar minha família? – Perguntou Haymitch olhando intensamente para Katniss.

E Então Haymitch começou a contar sua história. E assim que ele começou, Katniss desejou ter também um pouco de água ardente para poder aguentar todos os detalhes.