Rachel estava em seu quarto na casa dos seus pais, sentada na cama com uma xícara de chá. Ela estava passando um tempo na sua antiga vida, pelo menos a vida antes de Delfos.

Não é que ela se arrependia, nem nada disso. Mas os últimos meses tinham sido um pouco barra pesada até para ela. Tudo no seu quarto estava como antes, a bagunça de sempre, os quadros e as tintas, só que agora quem havia mudado era a Rachel. Ela estava mais madura, mais sábia, mas também carregava muitas responsabilidades.

As visões tinham ficado sem sentido e confusas, nada muito alarmante. O problema era a quantidade de visões que apareciam.

Antes, as profecias eram as mais comuns nos dias de Rachel, mas agora, ela não conseguia dar um cochilo se quer sem deixar de ver seus pais almoçando, a gata do seu vizinho atravessando uma janela, Quíron na casa grande e principalmente Percy e Annabeth.

Ela os via muito frequentemente. Conversando, dormindo, trabalhando. E a cada visão dos dois e do pequeno Charlie, ela acordava assustada e ansiosa.

Todo esse dilema começou quando ela teve a sua primeira grande visão. Ela estava no elevador do prédio dos seus pais e logo depois de apertar o botão do andar, toda a sua vista escureceu e ela desmaiou.

Na visão ela estava no olimpo, nunca havia estado lá realmente, mas conhecia a morada dos deuses pelas imagens em suas visões. Todo o olimpo estava em chamas. As casas, os templos, a sala do trono e toda aquela maravilhosa arquitetura, tudo queimando.

Os espíritos que viviam ali estavam correndo por todos os cantos, tentando apagar as chamas e se salvar, mas o fogo era denso e surreal. Ao fundo a sala de reunião dos deuses, enorme toda cheia de poder, ruía como se fosse feita de areia.

Ela percorreu os olhos pelo cenário caótico e encontrou um garoto em um canto. Uns dezenove ou vinte anos. Ele olhava para a mesma direção em que Rachel olhava, estava observando o fogo e todo o olimpo caindo em ruínas como um telespectador.

Rachel estava confusa e assustada. Ela sabia que não estava realmente ali, sabia que eram apenas imagens, mas não podia deixar de sentir uma vontade imensa de ajudar. Queria apagar aquele fogo medonho e salvar todos os espíritos que viviam ali. Queria salvar aquela arquitetura que tinha tanto a cara de Annabeth e era simplesmente magnífica. Mas não podia, pois sabia que aquele era o futuro, ainda não estava acontecendo.

Mas Rachel não deixou de pensar que o garoto podia ajudar. Porém ele só observava.

Foi ai que o garoto se virou em sua direção. Ele tinha olhos verdes mar. Ela conhecia bem aqueles olhos. Eram olhos de um filho de Poseidon. Tinha também cabelos louros e um nariz fino.

Não pode ser. Ela pensou.

Foi então que Rachel escutou as vozes. Tinham diferentes tons, de muito agudos para graves. Ela sabia que eram as vozes dos deuses que soavam em sua cabeça como um sopro.

A criança? Sim, é ela!

Não podemos julgar nada antes da hora, é ilógico pensar assim.

Devemos proteger a nossa casa! Devemos atacá-lo agora mesmo. Não vamos deixar acontecer mais uma vez.

Devemos apurar os fatos, irmãos, isso é só um prefácio!

E assim continuaram a falar em sua cabeça. Até começarem uma discussão e Rachel não conseguiu entender mais nada. Foi com essas vozes na cabeça que ela acordou em seu quarto na casa de seus pais.

Ela sabia que as vozes significavam que os deuses, em algum momento, viram a mesma coisa que ela ou ainda viriam. Sabia também que aquele garoto parado entre as chamas do olimpo era Charlie, filho de Percy e Annabeth.

E assim os meses foram passando. Ela não havia contado nada a eles, só Quíron e Thalia sabiam da visão. Eles disseram que era melhor esperar. Alguns deuses, principalmente Poseidon, que tinha um grande apreço por Percy, não deixariam que nada acontecesse a um inofensivo bebê, sem que haja um julgamento.

– E para que esse julgamento aconteça – disse Quíron aquele dia – os deuses devem que ter um bom motivo. Espero que as circunstâncias mudem o futuro.

– E como vamos saber se irão mudar? – Rachel perguntou.

– Você irá saber. Você irá ver.

E assim Rachel ficou ainda mais assustada, pois Quíron havia confirmado o que ela mais temia: as visões irão continua. Talvez ela fosse a mediadora que informará o pior.

Ou o melhor, Rachel, deixe de ser pessimista.

Agora, sentada em sua cama com sua xícara de chá, ela pensava no que o futuro reservava. Olhou para o relógio. Duas e meia da madrugada.

– Acho que dormir para variar – falou para si mesma.

Deitou e esperou que todas aquelas visões confusas invadissem sua mente assim como nas últimas semanas. Só que daquela vez ela estava totalmente enganada.

Quando as imagens chegaram invadindo sua mente, ela percebeu que ela estava no Olimpo novamente, mais precisamente na sala do trono. A imagem estava clara e bem nítida, o que a fez estremecer. Aquilo era realmente muito sério, e estar no Olimpo já dizia a importância daquela visão.

Ela via perfeitamente os tronos dos deuses. Todos eles ocupados.

Ela nunca havia visto todos os deuses juntos. Eles estavam em silencio. Os três deuses maiores estavam no centro da sala, majestosos e muito poderosos. Ao redor deles, os outros deuses. Algum Rachel conseguiu identificar claramente: Apolo, que ela já conhecia, Ártemis, Afrodite, Atena, Hefesto e todos os outros do conselho Olimpiano. Tudo estava quieto demais.

Até que o que estava no centro, com barba branca e um raio na mão. Zeus. Pensou Rachel, começou a falar.

– Está decidido irmãos. Iremos fazer o julgamento do garoto com base na visão de delfos que todos aqui nessa sala puderam presenciar.

Poseidon tinha o olhar fixo no mármore do chão. Os outros se olharam de maneira casual.

– Será no primeiro dia da primavera grega – continuou Zeus – Todos devem estar aqui. Agora, considero encerrada essa reunião.

Rachel deu um passo para trás, assustada. Precisava sair dali, avisar aos outros, precisava.

E tudo ficou borrado novamente.