Sai do quarto meio zonza e fui direto pra cozinha.

Quando passei pela sala observei o enorme numero de malas rosa “mamãe eu nasci” e deduzi que minha mãe provavelmente iria viajar, típico dela nas últimas semanas. Sentei-me a mesa da cozinha o observando a cena nada típica que acontecia na minha frente.

– Pai, me passa o leite? – pediu Lucca usando um pijama verde.

– Claro filhão – Daniel, ou melhor, meu pai passou o leite para meu irmão. O senhor pai usava camisa e calça social como sempre.

– Liz ainda bem que você resolveu se reunir conosco – Dona mãe abriu um de seus sorrisos imensos que mostram cada um de seus perfeitos dentes. Ela usava um terninho com saia rosa “mamãe eu nasci”, o mesmo tom de rosa das malas na cozinha.

– Bom dia família – disse pegando um bolinho na cesta que estava em cima da mesa perfeitamente decorada

A mesa estava perfeitamente arrumada, parecia um comercial de margarina.

– O que aconteceu aqui?

– O que você quer dizer, filha?- perguntou o meu pai

– Todos estão à mesa e está tudo tão perfeito, normalmente cada um toma café à hora que quiser e ainda é algo como cereal ou bolinhos quase vencidos.

Era estranho para mim chamar meus pais de pai/mãe ou senhor/senhora, não só pra mim, pro Lucca também. Eu sei que é estranho, ainda mais considerando que minha primeira palavra foi “mama” e a segunda “papai”, mas é assim que as coisas são pra mim. Minha mãe nunca se contentou com o fato de que eu falei “mama” ao invés de “mamãe”. Ela culpa a minha avó por isso.

– Isso é porque eu irei viajar e vou ficar muito tempo longe, Liz.

– Pra onde você vai, mãe?- perguntei.

– Sua mãe vai ser jurada na final do concurso de miss daquele canal de TV com nome estranho- respondeu o Senhor Pai.

– Não é um nome estranho – disse a Dona Mãe – Eu volto daqui quatro dias, nesse tempo você, seu irmão e o seu pai terão que se virarem sozinhos.

– No caso só eu e você- disse Lucca.

– Muito reconfortante - resmunguei.

– Oh meu Deus!- Dona mãe abriu a boca formando um perfeito “o” enquanto olhava pro relógio em seu pulso e se levantou apressadamente- Já está na hora de ir pro aeroporto!

Ela saiu da cozinha sendo seguida por meu pai, Lucca e eu, que estava comendo o bolinho.

– Querida, quer que eu vá com você?

– Não precisa querido, está na sua hora também não é?

– Sim, mas eu posso me- Dona mãe pôs o dedo na frente da boca do Pai como se o mandasse se calar, e ele se calou.

PODER DAS MULHERES!

Fomos andando até o jardim da frente, Dona mãe e Senhor Pai foram pegar os carros enquanto eu e Lucca abríamos o portão principal.

– Tô sentindo que algo ruim vai acontecer – disse Lucca.

– Eu também- admiti.

Primeiro o pai saiu com o carro e estacionou em frente à casa do vizinho e depois a Dona Mãe saiu com seu carro vermelho como o da Barbie.

Senhor Pai parou do meu lado enquanto a Dona mãe saia do carro e se despedia de cada um de nós.

– Comporte-se Lucca e cuide bem da sua irmã- ela sorriu e deu um beijo na bochecha do meu irmão que automaticamente ficou vermelho, então falou algo para meu pai que eu não ouvi e também deu um beijo em sua bochecha. Quando chegou a minha vez ela abriu um lindo sorriso e falou baixo para que só eu ouvisse – Eu sei que você vai tomar a decisão certa sobre tudo.

– Sobre o que mãe? – perguntei. Ela fez o mesmo que havia feito com meu pai pedindo que eu me calasse e assim fiz.

Quando ela entrou no carro algo dentro de mim dizia que eu tinha algo a fazer. Engoli o choro e corri até a janela do motorista.

– O que houve Liz? – perguntou assustada.

– Eu te amo, mamãe – disse.

Pude ver que lagrimas se formavam em seus olhos. Ela rapidamente as conteve e se virou para mim com um belo sorriso.

– Eu também te amo, Jullie.

Depois saiu com o carro pela rua. Virei-me a tempo suficiente de ver meu pai saindo com seu carro, sorri pra ele e entrei em casa.

Assim que me joguei na minha cama avistei a carta que havia sido entregue por Lucca dentro de você, Diário. Abri cuidadosamente ela e tirei o papel escrito com a mesma letra perfeita do envelope.

“ Querida Jullie,

Peço que leia essa carta até o final, não pule nenhuma linha ou vírgula. Peço que não pense que sou uma pessoa ruim, sou alguém que gosta de você e quer te ajudar, mas não sabe como.

Sou alguém que passou metade da vida escrevendo como se sentia em bilhetes de cinema ou comprovantes de compra e logo os jogou ao vento. Sou alguém como você, uma pessoa insegura.

Eu tenho te observado e observado todos ao seu redor. Já vi você como a nerd estranha do inicio, a garota humilhada na festa, a depressiva que faltou na escola e agora a poderosa com sua maquiagem.

Sabe o que você seria sem toda essa maquiagem? O mesmo que era antes com apenas uma diferença: Antes você era melhor.

Antes você cumprimentava os nerds. Hoje poderia passar por cima de um deles e nem notaria.

Sabe, realmente acho que antes você era mais bonita.

Não é inveja, é a verdade.

Pra que você entenda melhor te recomendo pesquisar o mito de Narciso e o significado da palavra “narcisista”.

O mito é um aviso, a palavra é o que você se tornou.

Com amor,

Eu. “

EU? Essa pessoa nem ao menos diz seu próprio nome e ainda por cima quer falar sobre mim.

Liguei meu computador e logo cacei o conto, existem umas mil formas de interpretar esse conto pelo que li em alguns sites, mas em resumo é isso:

“ Narciso era um jovem muito belo e por isso muito egoísta, pensava apenas nele mesmo. Um dia, ele deu um fora numa garota. Essa garota ficou tão triste que se escondeu numa caverna onde morreu. As amigas dela pegaram as dores dessa garota e foram atrás de um deus olimpianos pedindo ajuda.

O deus então mandou Narciso numa jornada. Narciso não sabia que tinha uma maldição, se ele visse seu reflexo morreria. O deus que sabia disso colocou no caminho do Narciso um rio com água cristalina, quando narciso viu seu reflexo lá se transformou numa flor. FIM”

O que eu entendi foi que as garotas ficaram com raiva e fuderam com a vida do cara, apenas.

Pesquisei então o significado da palavra, o resultado foi esse:

.“Pessoa egoísta, egocêntrica e vaidosa. Só consegue pensar e enxergar a si mesma ignorando todo e qualquer um ao seu redor. Também pode ser alguém que acredita ser melhor que os outros, tendo assim, a sua imagem como a da pessoa perfeita”.

Agora era demais, só podia ser pegadinha. Como podem achar que eu sou algo assim? Logo eu! Faça-me favor, argh.

Deixei a página aberta e me joguei na cama. Cinco minutos depois o telefone tocou e Lucca me mandou atende-lo.

Dez minutos depois eu estava berrando com a moça do outro lado dizendo que era um engano.

Quinze minutos depois Lucca pegou o telefone da minha mão e começou a chorar.

Vinte minutos depois pegamos um táxi, pois Lucca não podia dirigir na situação que estava, e fomos ao hospital.

Meia hora depois eu estava querendo morrer. Desejava acordar do sonho terrível em que estava me levantar e abraçar a minha mãe.

Isso não foi possível, pois eu já estava acordada e minha mãe estava na sala de cirurgia precisando urgentemente de uma transfusão de sangue. Seu avião tinha caído pouco depois da decolagem e agora sua vida estava por um triz.