Bifurcados - O Apocalipse Zumbi escrita por Cadu


Capítulo 23
No Meio do Caminho Tinha Uma Pedra


Notas iniciais do capítulo

Agradecendo a Carol pela incrível betagem do capítulo. E também a Elyon Somniare pelas ótimas correções feitas aos primeiros capítulos.
O título é uma apenas uma analogia feita com o que aparecerá nesse capítulo ao poema de Carlos Drummond de Andrade, A Pedra no meio do Caminho.
"No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra"
Boa Leitura! :)



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Bifurcados - O Apocalipse Zumbi

Capítulo Vinte - "No Meio do Caminho Tinha uma Pedra"

⊂ ⊗ 

O anoitecer encobria o dia a cada minuto que passava. Todo o céu tinha uma coloração alaranjada, típica de um dia como aquele. A caminhonete deslizava lentamente pela rodovia, desviando alguns carros abandonados, mas sempre mantendo a mesma velocidade de cinquenta quilômetros por hora. Todos os componentes tinham olhos atentos à estrada. Alguns zumbis desfocados de hordas, mas facilmente abatidos por facas, flechas ou balas.

Adentro da caminhonete as coxas de Clarissa desnudas ficavam com os shorts que vestia - parecia estar sem a parte debaixo, já que a camisa xadrez com tons de roxo era realmente comprida comparando com a estatura da menina. Em um momento rápido, Heitor deixa de fitar a paisagem abandonada e agarra a mão da menina. Ela leva um susto breve, mas deixa seus dedos se levarem pela pesada palma do homem. Entreolham-se com sorrisos ingênuos.

Clarissa deixa sua cabeça pesada de sono cair no ombro direito de Heitor. Seu coque alto estava desgrenhado, mas deixando um tom totalmente natural para a beleza clássica da menina. Ana Júlia observa-os pelo retrovisor. Sorri de lado, mordendo os lábios pensando em Paulo. Uma tristeza profunda agarra suas costas fazendo-a chorar em silêncio, sem ninguém perceber.

Uau! — exclamou André fitando os dois pelo retrovisor — Não sabia que eram namorados...

Henrique e Ana Júlia observam o porque da frase de André. Henrique sente-se desconfortável, mas começa a fitar a paisagem da janela, tentando fingir que nada ali estava acontecendo.

— Não somos — Heitor assenta.

— Não? Não mesmo? Dormindo no ombro, mãos dadas... — Clarissa ruboriza confusa tirando a cabeça do ombro e desgrudando as mãos sem graça. — Podem ficar... Só foi um comentário.

Ana Júlia rapidamente dá mais um soco no braço forte do irmão. “Para André!”

— Então... — Ana Júlia sorri tentando esconder seus olhos inchados de pranto — Vamos conversar, preciso me distrair... — Ela vira-se no banco fitando os três no banco traseiro — Como chegaram ao mercado?

— Saímos de São Paulo e ficamos um tempo em uma casa isolada... Depois tentamos continuar nossa viagem, mas uma das rodovias estava fechada. Voltamos e aproveitamos para nos abastecer. Precisávamos de comida, estávamos com fome. Então chegamos lá. — Heitor conta lentamente, enfatizando cada palavra.

—E vocês? Por que estavam no mercado?

— Estávamos nos refugiando em um prédio abandonado aqui perto. Paulo foi buscar comida, jurou que não queria companhia...

— Idiota — André bufa.

— Para André! — Ana Júlia continua engolindo a seco — Quando chegou ao mercado foi mordido... Trancou-se no depósito e após uma hora fomos ver o que tinha acontecido. Fomos correndo, e chegando lá ele estava na mesa agonizando. — uma lágrima escorre em sua face — Desculpa...

— Não precisa se desculpar, Ana — Clarissa tenta consolá-la apertando seu ombro esquerdo.

Merda! — exclama André, observando um caminhão no meio da rodovia, atrapalhando o caminho de qualquer carro que tenta ultrapassar. Ele freia bruscamente e faz sinal para todos saírem do carro, silenciosamente.

Lentamente todos armados descem do carro cuidando se nenhum errante ali andava sem rumo. O lugar abandonado que recebia os raios do pôr do sol estava completamente vazio – a não ser pela carcaça tombada do caminhão. Obviamente não era um caminhão de carga gigantesco, mas sim pequeno – mesmo assim atrapalhava completamente a estrada. Aproximando-se do mesmo, todos estavam receosos. André já estava perto das portas do veículo, seu rifle apontado para o mesmo. Abriu rapidamente fazendo o metal das cissuras tremerem em um barulho incessante.

De fora, tudo estava escuro. De dentro, tudo estava claro. E foi de lá, das mais profundas entranhas do caminhão que um zumbi saiu de lá. Não era um errante comum, como todos. Era uma criança. Tinha cabelos loiros compridos, que desaguavam em duas tranças presas por rabicós velhos. Seus olhos eram brancos, mas era possível observar sua córnea azulada. Sua boca estava limpa e suas roupas também - provavelmente não havia experimentando ninguém. Toda sua pele estava necrosada com um tom roxo tingindo toda ela.

Rapidamente Clarissa arma e aponta para sua cabeça. Heitor a observa. Seus bustos cheios de ar, seu tronco reto como se tivesse uma tábua a prendendo. Uma perna na frente da outra. Fecha um de seus olhos, e atira. Heitor estranha-a, já que um olhar sedento sua face possui.  Um olhar que nunca havia observado antes. Após a derrubada da criança, Clarissa lambe os lábios de uma forma estranha, como se tivesse prazer em fazer aquilo. Heitor fitava a menina, desde então ingênua,  confusamente.

 — Mais algum, André? — Henrique pede segurando um revólver com força.

— Pelo jeito — ele entra no caminhão, observando seus componentes — não.

— O que tem ai? — Ana pediu curiosa.

— Uma mudança... Entrem.

Lentamente um por um arregalava seus olhos para dentro. Ao mesmo tempo ficavam cuidando da caminhonete – os carros eram roubados até depois do apocalipse. Uma cama de casal, um sofá e alguns eletrodomésticos para cozinha. E mais caixas e caixas de papelão que amontoavam-se derrubadas, por causa do tombo do pequeno caminhão.

Retiraram praticamente todas. Talvez tivesse algo útil. De uma das caixas, Ana apanha alguns livros. As outras tinham apenas eletrodomésticos menores, como ferro de passar roupas, sanduicheiras ou milhares de pratos, garfos, facas e colheres.

Algumas coisas benéficas pegaram antes mesmo de pensar: cobertores, travesseiros e sapatos. Nenhuma caixa com roupas ali estava, mas apenas alguns pares de sapatos: botas, tênis, sapatilhas e chinelos. Jogaram tudo na caçamba, posteriormente usariam.

— Como vamos tirar ele do caminho? — Clarissa diz ajeitando seu arco no meio de seus seios.

— Tenho uma corda na caçamba. Não tem outro jeito... — André vai em direção a caminhonete e de umas das sacolas retira uma cabo de barbante grosso com alguns vários metros de comprimento. Coloca seu rifle em seu banco antes de aproximar do caminhão. Rapidamente enrola a corda em uma das rodas do veículo de mudança, dando alguns nós extremamente fortes.

Em uma fila indiana todos puxam a corda intensamente.

Puxam o máximo que podem, deixando seus corpos escorregarem no asfalto. Apenas move-se alguns centímetros. Tentaram mais, mais e mais. Seus músculos ardiam, mas não paravam. Soltavam rangidos de dentes, pequenos gritos e muita força. Até que lentamente, o ferro ia arranhando o chão, fazendo o caminhão ir para o acostamento.

A caminhonete passou raspando pelo espaço restante.

⊂ ⊗ ⊃

O mesmo silêncio mortal que já envolvera a caminhonete anteriormente ali se encontrava. Todos calados estavam. Ana Júlia estava abalada com a morte da criança, mesmo sua mente repetindo milhares de vezes “Não era mais uma criança... Para de ser idiota!”.

— Incrível pontaria. — André solta em um movimento aleatório com as mãos — Onde aprendeu?

— Participei de campeonatos de arqueria. — A menina rebate timidamente.

— Muito bom.  — Clarissa responde com um sorriso sombrio em sua face. Heitor observa o comportamento desigual da menina. Quando observa os olhares indiscretos do vizinho, devolve o olhar a ele. Sorri de lado, puxa uma mecha de cabelo e arruma atrás da orelha. Heitor sorri de volta desacorçoado.

Após algumas horas de viagem, todos estavam com sono. A noite já cobrira completamente o céu, e os olhos pesados dos indivíduos eram de derradeira dúvida. Uma ideia saída da mente de Ana Júlia transbordou o ambiente.

— E se dormíssemos na rodovia? Digo, no acostamento? Temos cobertas e travesseiros suficientes para todos.

André sem pensar freia o carro. Tudo o que ele mais precisava era uma noite de sono - ou apenas algumas horas.

Da caçamba tiram seis cobertas de casal e forram todo o asfalto. Lentamente todos saem do carro e agarram os devidos travesseiros, deitando-se de forma aleatória na cama improvisada. Heitor deita-se no canto e em seguida Clarissa deita em seu lado. Ela sorri de canto e fita o asfalto já gélido, brincando com algumas pedrinhas soltas que ali estavam jogadas. Heitor observa a dança complicada que seus dedos faziam com os pedregulho da estrada. Os dois entreolham-se sem graça, Clarissa fecha seus olhos lambe os lábios e adormece lentamente.

Após poucos minutos o cansaço abateu todos. Menos Heitor, que tinha a preocupação transformada em insônia.


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Notas finais do capítulo

E ai, gostaram? Espero que sim. Quem fizer o melhor comentário desse capítulo lê o próximo antes que todo mundo.
Muito obrigado por todos os novos leitores!