A Ovelha e o Porco-espinho escrita por Silver Lady


Capítulo 11
Hora do Cafezinho




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Hora do Cafezinho

De volta ao passado agora.*

A última fofoca na hora do cafezinho dos funcionários era o novo invento da senhorita Briefs. Não por ser alguma coisa mirabolante ou espantosa, até porque, vindo dos Briefs isso seria normal: era apenas uma roupa, que os funcionários especulavam se seria um traje espacial ou de mergulho. Também não era porque a jovem patroa havia largado outros projetos mais importantes para se dedicar àquilo: volta e meia ela deixava o trabalho de lado, para se meter em aventuras com seus amigos esquisitos. Esperava-se mesmo que uma filhinha de papai rico fosse irresponsável, ainda mais sendo tão atraente.

Não que a senhorita Bulma fosse uma filhinha de papai normal. Filhinhas de papai andavam acompanhadas de batalhões de seguranças, apareciam nas capas de revistas de fofocas e nas boates e lugares chiques obrigatórios para a alta sociedade. Filhinhas de papai posavam nuas para a Playboy, colecionavam ex-maridos e iam parar na polícia por posse de drogas ou dirigir embriagadas.

Bom, a senhorita Bulma já teve algumas complicaçõezinhas por excesso de velocidade e desacato a policiais, lembraram alguns, mas esse mixo ponto “a favor” foi recebido com desprezo. Uma secretária começou a dizer que sabia por umas fontes “muito confiáveis” que a senhorita já havia fumado maconha na adolescência e agora consumia cocaína escondido da família, mas ninguém tampouco a levou a sério. Culpa dos pais, que haviam mantido o mesmo estilo de vida simples que tinham antes do doutor Briefs enriquecer com as cápsulas. Por isso a filha achava normal ter uma profissão tão pouco feminina (uma herdeira riquíssima não deveria trabalhar e tirar o emprego de alguém que realmente precisava!) e trazer gente esquisita pra casa, como aqueles lutadores de artes marciais.

Era justo o mais recente hóspede dos Briefs a causa dos mexericos, já que ele estava diretamente envolvido no projeto. O baixinho de cabelo pontudo havia visitado diariamente o laboratório nas duas últimas semanas, e alguns funcionários o haviam visto experimentando uma roupa esquisita ou dando socos num colete de borracha. De todos os que já haviam se hospedado na Corporação Cápsula, aquele era o mais esquisito e também o mais desagradável. Grosso, mal-encarado, não falava com ninguém a não ser o velho Briefs e a filha, e sempre para exigir alguma coisa. As funcionárias quase tinham saudades do porquinho tarado que espiava embaixo das suas saias, embora algumas até achassem o homem sexy, de um jeito meio bruto. Havia uma polêmica sobre se ele seria ou não o novo namoradinho da senhorita Bulma e se fora por causa dele que ela havia definitivamente terminado com o tal de Yamcha.

“Bobagem,” diziam os que gostavam da patroa “a senhorita Bulma era areia demais para o caminhãozinho daquele coitado. Cedo ou tarde eles iam terminar mesmo, sem precisar da ajuda de ninguém.” Além disso, a patroa e o homem de cabelo pontudo pareciam detestar um ao outro. É verdade que com a senhorita Bulma nunca se podia ter certeza, já que ela brigava também com as pessoas de quem gostava; mas quando estava interessada num homem todo mundo percebia. E ela nunca flertava com o estranho hóspede nem dava qualquer outro sinal de interesse. Por umas duas vezes já o expulsara do laboratório aos gritos. Assim, por que deixava que ele ficasse ali? Muitos achavam que ele pudesse ter descoberto algum “podre” da família Briefs e estivesse fazendo chantagem com eles. Havia até quem apostasse num agente da CIA, por causa da fama que a Corp. Cápsula tinha de se envolver com extraterrestres.

_Talvez ele mesmo seja um ET_ brincou alguém.

_Não duvido, com aquele cabelo _ um engenheiro riu _ Como é que ele consegue conservar aquilo de pé eu não sei, desafia todas as leis da Física. Sem falar que ele chegou aqui com a senhorita Bulma e aquele bando de anões verdes, quando ela voltou da viagem pro espaço.

_A senhorita Briefs esteve mesmo no espaço?_ impressionou-se um estagiário.

Antes que o engenheiro pudesse responder, a secretária que falara em drogas se meteu:

_É uma coisa que eu ainda não consigo acreditar_ disse, pingando recalque da boca _Deviam ter visto como ela ficou aquele dia em que uma barata entrou no escritório, quase botou a casa abaixo. Se topasse com um etê de verdade, ia morrer do coração!

_Você também teve medo da barata, Sae _ observou o estagiário. Ela jogou o cabelo para trás com um movimento de ombros:

_Mas não fiz escândalo. Além disso, o que a dond... a senhorita Briefs iria fazer num lugar sem sorveterias, sem shoppings, sem rapazes musculosos... e sem cabeleireiro?

Houve uma gargalhada geral. Um deles chegou a respingar café de tanto rir. Então, logo em seguida, fez-se um silêncio geral, bem no instante em que a vitoriosa Sae abria de novo a boca.

_É difícil imaginar qualquer um de vocês, insetos, indo para o espaço _ disse uma voz grossa.

A secretária deu um pulo e praticamente se jogou nos braços do estagiário, respingando café quente na roupa dele.

Vegeta estava parado no final do corredor. Instantaneamente, os funcionários recuaram paras as paredes e deram passagem a ele, mais rápido que o Mar Vermelho se abrindo para o povo hebreu. Como se esperasse por isso, Vegeta passou tranqüilamente pelo meio deles até chegar à máquina de café. Apanhou um copinho de plástico, depois pareceu lembrar de alguma coisa, amassou o copo e jogou-o fora, por pouco não acertando a lata de lixo. Depois deu meia-volta e atravessou de novo o pequeno corredor “almofadado” de gente.


_Vocês não passam de uns imprestáveis. Nenhum duraria mais que dois minutos no espaço_ resmungou, sem olhar para as pessoas que se espremiam contra as duas paredes _ Mas talvez eu deva levar a sua “fonte confiável” comigo na próxima viagem._ disse, quando passou bem perto de Sae, que o estagiário havia posto de novo no chão _Posso precisar de carne de segunda para iscas.

A secretária deu um gemido e se encolheu atrás do rapaz, sem a mínima vontade de imaginar para que aquele doido precisaria de iscas. Mas a curiosidade do estagiário era maior que o medo:

_I-iscas pra quê?


Vegeta andou mais um pouco antes de responder, como se houvesse esquecido do que dissera, ou mesmo da presença daquelas pessoas.


_Para os vermes gigantes do planeta Sulphur_ foi a resposta distante, quando ele já estava no fim do corredor_Eles não têm paladar, por isso comem qualquer coisa.

Sae deu um grito de horror que ecoou pelos corredores, seguindo a figurinha de cabelo pontudo que ia embora. Quando ele finalmente dobrou uma esquina e sumiu, houve um silêncio aliviado. Porém quase em seguida, o burburinho recomeçou com força total:

“Quem ele pensa que é ...”" Vocês ouviram? Me chamou de carne de segunda!" "É louco!" "...um monstro!" "Mas também, Sae, você exagerou..." "É mesmo, se esse sujeito contar pra senhorita Briefs estamos na rua!" "Mas de onde ele veio?" "Sei lá, parece que ele surge do ar!"


A ampla testa de Vegeta se franziu. Era como ouvir unhas raspando uma lâmina de vidro. Incrível que o velhote e a filha enriquecessem, com aquele tipo de gente trabalhando para eles! Era bem típico de outras raças, tentar compensar a própria inferioridade falando dos outros. Nos quartéis de Freeza era a mesma coisa. Sussurros zumbiam pelos corredores como uma música de fundo, e silenciavam imediatamente quando você chegava perto o bastante para entender o que diziam. Nojento. Saiyajins não perdiam tempo com fofocas, especialmente porque não se davam ao trabalho de esconder quando não gostavam de alguém. Mesmo quando o desafeto era um superior e não podia ser insultado, demonstrava-se o ódio através de olhares e gestos sutis.


“Espero que a mulher tenha finalmente terminado a droga da roupa”, pensou “ Se soubesse que ia demorar tanto, teria partido com as roupas de ginástica, mesmo” Não era bem verdade, mas Vegeta nunca admitiria, ainda mais agora. As últimas duas semanas haviam sido frustrantes em dois sentidos. Kakaroto e seu pirralho estava bem mais fortes agora, podia sentir, enquanto que ele continuava preso no mesmo nível do mês passado. “Sempre que consigo subir mais um degrau, o desgraçado já está quatro passos na minha frente. Maldição!” Estava além da sua compreensão o fato de que aquele bobo alegre ganhasse de bandeja tudo o que a ele, Vegeta, custava tanto para obter. Ainda por cima, seu relacionamento com a mulher também não progredia muito.


Seu interesse por ela era principalmente prático. Se a tivesse como amante, além de acalmar suas embaraçosas necessidades físicas, a Corporação Cápsula seria praticamente sua. Teria um lar seu de verdade, em vez de estar ali de favor, e a melhor tecnologia terráquea estaria à sua disposição, sem que tivesse de ameaçar a todo instante. Por isso, passara a sacrificar diariamente uma hora de seu treinamento para visitar o laboratório. Como seu planeta fora destruído uma década antes de Vegeta ter idade para se interessar pelo sexo oposto, ele crescera completamente ignorante no que fazia um homem conseguir uma mulher. (e mesmo se soubesse, dificilmente as técnicas Saiyajin funcionariam com terráqueas) Na falta de outras idéias, esperava que a aproximação devida ao projeto acabasse amolecendo a mulher a ponto de fazê-la confessar seu interesse por ele.


Mas, ao contrário de amolecer, sua presença no laboratório inicialmente produzira o efeito contrário em Bulma. Apesar da dedicação da moça e da ajuda do pai, não fora fácil produzir um tecido e um protetor de borracha com a mesma qualidade dos originais, já que os primeiros eram de fabricação alienígena e os dois cientistas só podiam contar com substâncias produzidas na Terra. Bulma não dormia direito por causa disso, e, claro, as visitinhas do seu “freguês” só a faziam sentir-se ainda mais pressionada.


_Se me perguntar mais uma vez quando é que fica pronto, VOU QUEIMAR TODAS AS SUAS ROUPAS E VOCÊ VAI TREINAR SÓ DE CUECA!!!!_ berrou da última vez que a cara dele apareceu na porta.


Finalmente, pai e filha conseguiram algumas amostras bem similares ao tecido e à borracha originais. Mas ainda precisavam fazer uma série de testes.


_Testes para quê?_ indagou o Saiyajin, que fora chamado ao laboratório especialmente para aquele esclarecimento.

_Para testar a resistência e a flexibilidade dos materiais, se não vão causar alergia em contato com a pele _ explicou o Dr. Briefs _ E também há a questão do atrito. Como você voa, produz atrito em contato com o ar, e quanto mais atrito, menos velocidade produz, não importa a quantidade do ki ou sei lá o que vocês usam pra voar. Esses testes são caros e podem levar meses.


O príncipe cruzou os braços e sorriu.


_Besteira. Pra que tantos testes se eu mesmo posso descobrir todas essas coisas em alguns minutos?


O queixo de Bulma caiu:

_Você... você vai nos ajudar?_Os olhos dela cintilaram de incredulidade... e admiração. Embaraçado, o príncipe virou o rosto:


_Não sou rato de laboratório. Mas já vi que sem mim vocês não vão sair nunca desse chove-não-molha. Onde estão os trapos que preciso usar?

Se soubesse o que seriam esses testes... Para ele, era só vestir uma malha e treinar da maneira habitual. Não ter que correr numa esteira cheio de eletrodos e fios, ou nadar numa piscina, ou voar num negócio chamado túnel de vento, tendo até a sua respiração monitorada pelo computador. Também houve, claro, as sessões na câmara de gravidade, mas aquela monitoração e supervisão constantes o deixava tenso. Vegeta nunca imaginara que fosse capaz de tanta paciência. Ainda por cima, um dos tecidos lhe dera uma alergia que suspendeu os testes por dois dias, e ele teve que agüentar a loura burra lhe receitando pomadas.


Mas nem tudo era ruim. Desde que concordara em colaborar, a atitude dos dois inventores foi mudando. Bulma, especialmente. Se por um lado não havia sinais na atitude dela que encorajassem uma abordagem, pelo menos já não estava mais tão rabugenta, e até voltara a sorrir. Vegeta, que sempre achara irritante o jeito alegre daquela família, nunca imaginara que o quanto sentiria falta do bom-humor daquela mulher. Quanto ao velho, ele havia deixado de vê-lo apenas como mais um dos “amigos malucos da filha”; tanto os olhos como a voz dele mostravam agora a admiração e respeito devidas a alguém da sua estirpe. Chegara até a lhe oferecer um emprego naquela fábrica de doidos, como se isso fosse uma honra! Mas o melhor era a “hora do cafezinho”, um dos poucos costumes agradáveis dos terráqueos. Recentemente, Vegeta pegara gosto pela bebida amarga, ainda mais depois de descobrir que ela servia como estimulante depois de um treinamento duro. Além disso, Bulma sempre tinha um prato de bolinhos ou biscoitos à mão _ dois pratos, depois que Vegeta se juntou temporariamente à equipe.

Pelo menos, costumava haver. A primeira coisa que ele notou ao entrar no laboratório foi que a mesa junto à porta estava coberta com uma toalha, e em vez dos biscoitos ou bolinhos havia pratos de salgados e um grande bolo de chocolate. Nada mau. Ou não seria mau, se a boa e velha garrafa térmica não tivesse sumido. Em vez dela, havia um daqueles monstrengos eletrônicos que atravancavam a cozinha e que deixavam qualquer um maluco até que se aprendesse como funcionavam. Grrr... devia ser coisa da mulher, pra irritá-lo de novo! Vegeta fechou a cara. Notou também que a sala estava estranhamente decorada. Coisas transparentes de diversas cores estavam penduradas por toda a parte. “Que diabo é isso?”, pensou, apanhando uma das coisas infladas “Parecem órgãos de animais, mas estão cheios de ar”. Apertou um deles, pensando qual seria a função daquilo.

POU! O negócio explodiu na sua cara. Quase instantaneamente, ouviu um gritinho às suas costas.

_EI! Não precisa gostar da decoração, mas não a destrua!_ Bulma esbravejou, saindo de trás de um armário.

_Decoração?_ Vegeta pestanejou, ainda atordoado com o estouro do balão e com todas aquelas surpresas. Por isso, não conseguiu disfarçar um olhar admirado quando percebeu o que Bulma estava vestindo. Durante as duas semanas de testes, Vegeta só a vira de guarda-pó ou com macacões folgados e tênis grossos. Mas agora ela estava vestida a capricho, usando um curto vestido cereja que lhe ficava muito bem, e sapatos combinando. O cabelo ondulado estava preso com uma fita azul-escuro. Aproximou-se dele com um sorriso satisfeito, bem consciente do efeito que estava causando. Vegeta percebeu que havia se traído e indagou, com raiva:


_Que troços são esses ?


_Quis fazer alguma coisa especial para a estréia da sua roupa. Não esperava que você chegasse tão cedo. Quer bolo?

_Quero café. Onde está a droga da garrafa térmica?


_Não precisamos mais. Acabamos achando mais prático instalar uma máquina de café aqui, em vez de ficarmos juntando garrafas térmicas._ Bulma aproximou-se e apertou alguns botões para mostrar como funcionava _Ela faz mais de oitenta variedades de cappucino. _ aspirou deliciada o aroma da bebida em seu copo_Hummm! Nozes com menta.


Vegeta fez uma careta de nojo.


_Eu quero café e não perfume! Essa geringonça não tem alguma coisa com cheiro e gosto de café?


_Claro que tem. É só apertar aqui_ pacientemente, Bulma mostrou o botão. Já não saltava furiosa todas as vezes que Vegeta a insultava. Talvez porque fosse desgastante e também inútil brigar com dele o tempo inteiro, Bulma inconscientemente começara a ignorar muitas de suas provocações, que vindas de outra pessoa a teriam deixado furiosa. A própria Bulma levaria muitos anos para notar a mudança, mas seus amigos perceberiam bem mais cedo, e diversas vezes iam especular o que teria causado o milagre.


Apesar dos esforços de Vegeta para disfarçar, seu alívio ao receber o café “normal” era tão visível que ela deu uma risadinha.


_Você gosta mesmo de café, hein? Engraçado, Goku sempre detestou. Chamava de "sopa amarga".


_Eu sou um Saiyajin de verdade. Já disse pra não me comparar com aquele imbecil do Kakaroto!_ ele estufou a boca com salgadinhos. Pela enésima vez Bulma deu graças por ter convivido com Goku por tempo suficiente para se acostumar com o jeito Saiyajin de comer, ou sua convivência com Vegeta teria sido bem mais difícil. Ao menos esse último mastigava de boca fechada e não cuspia comida quando falava.


_É difícil não comparar, já que vocês são os dois únicos Saiyajins que conheço. Além do irmão de Goku _ela acrescentou, estremecendo um pouco.


Vegeta engoliu o resto dos salgados com uma golada de café.


_Onde está o velho? _ indagou de repente.


_Papai recebeu um chamado de última hora. Coitado, ele queria tanto ficar pra ver você usar a roupa pronta! _ o tom alegre de Bulma desmentia o suposto pesar pela ausência do pai. Era óbvio que estava feliz de poder ficar ali sozinha com ele. Mas por quê?

Vegeta ficou ainda mais nervoso. A decoração absurda, a comida, até mesmo a aparência de Bulma causavam-lhe uma sensação desagradável, semelhante à que tinha nos seus velhos tempos de soldado, quando sentia um inimigo se aproximar ou suspeitava de uma armadilha. Era exatamente o que aquilo tudo parecia: uma armadilha, embora uma ínfima parte sua ironizasse, chamando-o de paranóico. As paredes do laboratório pareciam se apertar em torno dele, como num de seus pesadelos; de súbito, admirou-se por ter suportado aquele lugar durante tanto tempo. Bom, agora não precisaria mais.


_Hunf! Não sei por quê. Não há nada para ver_ disse, botando o copo na mesa com tanta força que a peça de mobília quase virou _Vamos logo com isso! Eu não vim aqui para visitinhas sociais.


_Direto como sempre, hein? Certo. _ ela suspirou. Devia saber que seria perda de tempo preparar um ambiente especial para aquele momento. Homens eram insensíveis a essas coisas. Tirou uma cápsula do bolso:


_Para trás! _ gritou antes de afastar-se das mesas e atirá-la no chão.


Quando a fumaça se dissipou, apareceu um manequim com as novas roupas de batalha. Apesar de ter acompanhado de perto o processo de fabricação, Vegeta se surpreendeu de novo. Ver o trabalho pronto, com a aparência definitiva, era bem diferente dos experimentos que usara durante os testes.


O traje era colado ao corpo, de um belo azul-escuro, como as versões experimentais que havia usado nos testes; só que este tinha mangas compridas e era fechado no pescoço. Era de um tecido leve e macio, porém resistente, que provocaria o menor atrito possível em contato com o ar, possibilitando-lhe maior velocidade durante o vôo. Mas o que realmente chamou a atenção de Vegeta foi a armadura. A importantíssima peça havia sido objeto de várias discussões. Os Briefs achavam as ombreiras tradicionais pouco aerodinâmicas, e não muito práticas, pois quebravam com facilidade. As armaduras de teste eram geralmente parecidas com o modelo simples que Vegeta usava quando fora acolhido na Corp. Cápsula, e o velho achava esta a forma ideal; porém Bulma o achava “muito feio”. O principal interessado preferira se abster, dizendo que podiam fazer do jeito que quisessem, a aparência não lhe interessava. Ou achava que não lhe interessaria.

Em vez das ombreiras e protetores de pernas daquelas usadas pelos soldados de Freeza, era presa aos ombros por duas alças articuladas, num design simples, porém elegante.


_Eu sou ou não sou genial? _ Bulma sorriu triunfante. Esperava que Vegeta ficasse surpreso, mas não tanto.


Ele avançou em passos lentos até o manequim. Seus dedos tocaram a armadura como se a acariciasse, sentindo-se invadido por uma estranha sensação de déja-vu.

_Por que fez a armadura desse jeito?_ indagou, com mais agressividade do que pretendia.

_Eu... me pareceu a solução, já que você não gostava do modelo antigo. Ele era feio mesmo. _ a moça respondeu com simplicidade, um pouco na defensiva.

Ele voltou a olhar a roupa. Claro. Era apenas uma coincidência idiota. Achava que aquela tola teria visto em algum sonho, talvez, ou por telepatia?

_Esta era a armadura usada pelos soldados de meu pai quando eu era criança.

_Oh!_ os olhos de Bulma se arregalaram _Eu não sabia.


Mas o impaciente Vegeta já arrancava a roupa do manequim, desmembrando o boneco no processo. As roupas terrestres caíram ao chão com rapidez e naturalidade. Durante os testes, acostumara-se a trocar de roupa na frente de Bulma, inicialmente por provocação. “Deixe de ser hipócrita,” debochava sempre que a inventora virava o rosto ou reclamava da falta do respeito devido à presença de uma dama “Você já viu muito mais que isso de mim quando estou no chuveiro.” Depois de muitas brigas nesse tom, Bulma decidiu virar o feitiço contra o feiticeiro e passou a olhá-lo fixamente enquanto ele se trocava. Vegeta cerrava os dentes e lutava para não corar, mas não podia dizer nada já que fora ele quem criara aquela situação. No entanto, agora mal percebia a presença dela.


Enquanto sentia o tecido macio roçar contra a pele, lembranças o atacavam de todos os lados. Praticamente toda a sua vida não vestira outra coisa. Enfiou a armadura pela cabeça. Os exércitos de seu pai usavam um modelo como aquele nas missões, antes dos Icejins introduzirem as ombreiras e protetores de pernas. Era estranhamente apropriado que agora fosse usar uma versão da armadura original.


É como se eu estivesse recuperando uma parte do meu orgulho.


Um lento sorriso se formou em sua boca habitualmente dura. Era besteira, é claro. Muito ainda necessitava ser feito antes que pudesse realmente recuperar o seu orgulho e a sua honra. Mas ainda assim, sentia uma parte do seu antigo eu reviver. Era novamente um Saiyajin, vestido como um príncipe e não como um terráqueo vulgar, ou como um lacaio. Aquele traje fora confeccionado especialmente para ele. O sonho de ser Super Saiyajin já não parecia tão distante nem impossível.


Talvez, pensou de repente, ele mesmo pudesse ter se transformado durante a batalha com Freeza, se não tivesse se acovardado. A lembrança de suas próprias lágrimas diante da aparente impossibilidade de vencer seu algoz ainda fazia suas entranhas se retorcerem de vergonha.


Eu me deixei derrotar. Deveria ter continuado a lutar, em vez de deixar que ele me batesse até eu não poder mais me mexer. Talvez, se tivesse chegado até o meu limite...


Um brilho surgiu em seus olhos. Era loucura... mas se não fosse isso, o que mais poderia ser?


Bulma se deixara ficar a um canto, apoiada na mesa, olhando com ternura o Saiyajin esquecido do mundo. Yamcha ficava igualzinho quando comprava (ou ganhava dela) um carro esporte. “Criança com brinquedo novo”, era a expressão usada por sua mãe.


Apesar de todo o estresse e pressão, estava meio triste com o final daquele projeto. Não tinha ilusões, sabia que agora Vegeta não pisaria mais no laboratório até não ter mais robôs para serem destruídos.Talvez até voltasse ao espaço por uns tempos, como quando estava procurando Goku. Chegara a pensar em inventar mais desculpas, para aperfeiçoar a armadura ou coisa do gênero, mas Vegeta já estava impaciente, e seria perigoso se ele desconfiasse que ela estava enrolando de propósito. Quem diria que eu fosse sentir falta de alguém tão desagradável... Mas Vegeta não é desagradável o tempo todo. Eu nem imaginava que ele fosse capaz de conversar sem brigar.


Durante as sessões de testes, Bulma falava com ele sem parar. Falava simplesmente porque estava farta de não ter ninguém para conversar além de seus irritantes pais. Assim, falava de tudo o que lhe vinha à cabeça: seu trabalho, suas preocupações com o futuro e suas aventuras passadas, sem se importar se seria ouvida ou não. Para surpresa dela, Vegeta às vezes respondia _ respondia de verdade, sem ser necessariamente insultuoso. E também fazia perguntas. Ele, que desde que chegara nunca havia mostrado o menor interesse por outro ser vivo, quis saber mais sobre como ela havia conhecido “Kakaroto”. Provavelmente para saber algum ponto fraco do rival, mas e daí? Mais surpreendente ainda, era sua curiosidade em relação à ciência terrestre.


Além do pai, Bulma raramente tivera a oportunidade de discutir com outras pessoas sobre suas invenções, as vantagens de uma tecnologia em relação a outra e tantas outras coisas que ligadas à sua profissão. Todos os seus amigos pertenciam ao mundo das lutas, do uso do ki e força espiritual; e apesar de serem mestres nesses assuntos que estavam além da sua compreensão, nenhum deles sabia sequer consertar um rádio de pilha. Embora Vegeta pertencesse a esse mundo de pancadaria, havia crescido cercado de alta tecnologia como Bulma. Mesmo não sendo interessado em ciência, era capaz de entender as explicações complicadas dos dois Briefs, e até de fazer comentários e críticas inteligentes. A cientista divertia-se ao ver o príncipe levantar as sobrancelhas, surpreso com a ciência terrestre, que até um ano atrás julgara primitiva.


O laboratório vai ficar tão vazio sem ele... bom, talvez ele venha de vez em quando pra filar o café, pensou, fitando o rosto bonito do Saiyajin. Apareceu uma ruga na testa dele e o sorriso se desmanchou, como se estivesse pensando em alguma coisa desagradável. Que pena. Ele ficava charmoso quando sorria... ainda mais porque seu sorriso era tão raro.


Se ele sorrisse mais vezes, eu poderia até pensar em convidá-lo pra sair... Como se ele topasse. Tentou se imaginar de braços dados com Vegeta num parque, num cinema ou qualquer um dos outros lugares que ela e Yamcha costumavam freqüentar nos velhos tempos. Não conseguiu. Ou melhor, a tentativa foi tão absurda que ela abafou uma risadinha. Vegeta retesou o corpo na mesma hora, como se tivesse sido acordado de repente, e olhou feio por cima do ombro. Que ouvido sensível.


_Bom trabalho, não?_ela indagou jovialmente _Nem seu povo faria melhor.


Ele rosnou e deu de ombros.


_Claro que faria. Mas admito que não acreditava que existisse tecnologia aqui na Terra capaz de reproduzir os nossos equipamentos de batalha. Vocês, terráqueos, são cheios de surpresas.


_Acho que isso é o mais perto que vou conseguir de um elogio._ Bulma suspirou com resignação. Vindo dele, já era muito. Mas Vegeta já se dirigia para a porta, obviamente dando a conversa por encerrada.


_Vai estrear sua roupa nova na... câmara de gravidade? _ ela indagou, com o coração apertado, substituindo a palavra no final da pergunta: no espaço?


Ele parou. Uma parte sua dizia que não lhe devia satisfações. Outra, mais nova e que ele procurava ignorar, lembrou-o de que já devia demais àquela mulher e não lhe custava ao menos dizer alguma coisa. Rosnou, de má vontade:

_Vou retomar o que Kakaroto me tirou. Deveria ser óbvio.


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Notas finais do capítulo

* Bordão do anime Código Lyoko.


Nota: Olá, nem me desculpo mais pelo atraso (Poxa! Quase um ano!) porque isso já está ficando chato. … que, além das habituais crises de inspiração e insatisfações com o material já pronto, um emprego absorvente e problemas familiares também contribuíram na demora. Acabei nem fazendo a ilustração que queria para este capítulo... quero ver se daqui a uns tempos faço umas ilustraçõezinhas que estou devendo.

Talvez o final deste capítulo tenha ficado meio sem graça... sei que muita gente teria preferido que Vegeta tomasse Bulma em seus braços, cheio de gratidão e amor pelo que ela fez por ele, (buff! só de pensar fiquei enjoada), mas admitamos: não seria a cara dele, seria? O próximo capítulo, prometo, terá muitas surpresas carregadas de adrenalina. Se você tem um namorado que gosta de Dragonball mas odeia BVs, sugiro que o convide para lerem juntos a estréia do próximo capítulo... vamos ver se ele não muda de opinião. ^^
A secretária venenosa não é a Sae de Peach Girl, embora o nome lhe sirva como uma luva. Se as pessoas pudessem ser mais francas umas com as outras em vez de guardar rancor, talvez houvesse um pouco menos de fofoca.



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