A Vida Secreta Dos Imeros escrita por Kalyla Morat


Capítulo 15
Cidade Fantasma


Notas iniciais do capítulo

Perdoem-me a demora! Antes do capítulo de hoje gostaria de agradecer a Jess e a Buccaner por serem mais dois na minha lista de favoritos e a todos que deixaram reviews no último capítulo que postei, meus sinceros agradecimentos! Vamos à aventura de hoje!



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Eu estava no quarto de Sofia, deitada em sua cama macia enquanto tentava organizar meus pensamentos. A noite caia lá fora e eu podia ouvir o som de algum animal que eu desconhecia fazendo cri cri cri. Meu pensamento vagava entre lembranças de meu pai e minha mãe - ou de quem eu pensava que fosse minha mãe - e memórias de tudo o que Cássia me contou naquela manhã. Eu me sentia como se tivesse acordado de um coma profundo de anos, toda a minha vida na Fortaleza era um grande sonho do qual agora eu despertara. Mas eu podia confiar em tudo o que Cássia me disse?

Eu não sabia. Era tudo questão de confiança de novo, confiar ou não confiar. A escolha mais difícil de se fazer. Embora todos os fatos apontassem para uma única solução, algo me deixava com um pé atrás, pois eu podia aceitar o fato de que minha mãe estava viva e que ela era uma completa desconhecida pra mim, mas eu não conseguia aceitar que ela demorou 17 anos pra me contar a verdade. Tinha que ter um motivo para tanta demora, querendo ou não eu ia ter que esclarecer as coisas com ela mais uma vez. Eu só não sabia se eu teria forças para tanto.

Eu estava completamente sem chão. Eu me via como uma boneca nas mãos de uma criança que brinca de casinha. Cássia me tirou de um cenário e me jogou em outro sem que eu estivesse preparada para isso. Eles me jogaram lá e disseram se vira! Faça o que puder com isso. E eu não sabia que caminho tomar. Então me lembrei das palavras de Chang “Espere o melhor, prepare-se para o pior e aceite o que vier”. Mas é claro, ele tinha me dado à resposta antes mesmo que eu soubesse a pergunta, eu só tinha que aceitar as coisas e esperar para dar o próximo passo quando fosse necessário. Mas isso seria o mais difícil, sentar e esperar não fazia parte do meu vocabulário.

Sofia gritou lá de baixo dizendo que a janta estava na mesa. Quando desci, Victor já estava sentado esperando para iniciar a refeição, eu lhe disse oi timidamente e fui me sentar ao lado de Sofia na cadeira oposta a dele. A sopa de batata com cenoura estava tão saborosa que comemos todos em silêncio. Saí da mesa com a desculpa de que estava cansada, mas antes, perguntei a Sofia se precisava de ajuda com a louça. Ela me mandou ir dormir, o que eu achei ótimo já que eu não fazia ideia de como se lavava uma louça. Engraçado como eu não conhecia as coisas mais simples da vida, eu sabia tudo sobre tecnologia e livros, mas nunca tinha visto um gato nem sabia como lavar a louça. Será que eu estava vivendo até agora na Fortaleza? Às vezes eu tinha a impressão de que eu só sobrevivia.

Já no andar de cima, deitei na cama de casal do quarto de Sofia e ao contrário do que esperava, não demorou um minuto e eu já tinha caído no sono. Foi um sono tão pesado que quando Victor me acordou com a desculpa de que queria me mostrar algo, eu tinha a impressão de ter dormido poucos minutos. Nós descemos em silêncio e saímos da casa, seguidos por Runa. O céu estava negro e sem estrelas. Tentamos fazer com que Runa voltasse para dentro, mas as tentativas foram tão em vão, que desistimos e ela nos acompanhou por todo o caminho.

Victor me levou por uma trilha de terra que seguia mata adentro, sempre subindo, até uma montanha de pedras. Dalí do alto, nós podíamos ver o topo das árvores e o céu se estendendo por toda a imensidão. Nós descemos algumas pedras, com cuidado, e paramos em uma longa e achatada.

– Olhe Luiza- ele disse apontando para o norte – é isso que eu queria te mostrar.

A nossa frente, uma cidade em ruínas cobria de leste a oeste a paisagem terrestre. Casas cobertas por fuligem negra, carros queimados e edifícios permaneciam intactos, como se congelados no tempo desde a Grande tragédia. As ruas vazias começavam a se iluminar com a luz do sol nascente que criava sombras com os postes e casas abandonadas. Todo o conjunto dava um clima fantasmagórico e assustador à cidade. À direita um parquinho em ruínas me fez pensar nas várias crianças que provavelmente morreram ali e fiquei imediatamente deprimida.

– Por que me trouxe aqui Victor?

– Eu queria que você visse com seus olhos o que a guerra faz.

– Eu sei o que a guerra faz, mas faz 100 anos que ela acabou e eu não acho que sejamos capazes de começar outra em tão pouco tempo – eu não entendia onde ele estava querendo chegar com essa conversa.

– Olhe Luiza! Esteve bem de baixo dos seus olhos o tempo todo e você sequer notou. Eu me surpreendo o quanto vocês mavrianos podem ser obtusos. Acha justo que sejamos obrigados a entregar mês a mês um de nós para servir de cobaia para seus cientistas?

– Isso é horrível Victor, eu concordo, mas isso não é uma guerra.

– Talvez não seja pra você que viveu no conforto da Fortaleza – Ui, essa doeu. Eu não devia ter ficado tão ofendida com isso, mas essas palavras me machucaram de uma forma que eu não esperava. Dei-lhe as costas em desaprovação.

– É uma guerra diária, é uma luta pela sobrevivência a cada minuto. Nós fomos deixados aqui pra morrer, e sobrevivemos. Temos sobrevivido há cem anos, mas tudo seria mais fácil se não servíssemos de escravos para a população mavriana.

– Isso é absurdo Victor, nós não precisamos de escravos, nós temos toda a tecnologia e maquinas que fazem tudo por nós, por que precisaríamos de vocês? – não fazia sentido o que ele estava me contando, e eu nunca soube dos tais testes, mas eu também não sabia que imeros existiam.

– Olha o que você está dizendo Luiza – ele disse alterado - percebe? Você fala como se nós fossemos diferentes, você se esquece que nasceu aqui na Iméria. Mesmo que não tivesse nascido, nós somos humanos como todos, não é justo que sejamos tratados como aberrações.

– Acho que vocês estão exagerando quanto a isso. Vocês não são escravos, eu não vi ninguém com o chicote por aqui e eu não sei se tudo isso é verdade.

– As vezes não é preciso um chicote para escravizar, basta tira-lhes o que o os mantem vivos – Eu vi mesmo uma pontada de dor em seus olhos? O que será que tinham tirado dele afinal, para escraviza-lo como ele estava dizendo? Oh, mais eu o que eu estava pensando, já estava me deixando levar pelas circunstancias. Você não sabe se tudo isso é verdade Luiza, pensei me reprovando.

–Tem tanta coisa que você não sabe ainda, tanta coisa que se você visse, tenho certeza que não continuaria a pensar assim. Luiza você tem que ficar do nosso lado!

– Não há um lado Victor, a Fortaleza é o meu lugar, é lá que cresci, é pra lá que eu vou voltar. – eu disse percebendo que não havia uma decisão a ser tomada porque ela já estava tomada antes mesmo que eu chegasse à aldeia.

– Então Cássia tinha razão.

Cássia? Ela estava envolvida desde o início, ele planejara meu sequestro e tinha dado ordens para isso. Qual era o plano dela afinal, uma mãe que sabe exatamente onde você está e pode te ter de volta a qualquer minuto, não espera 17 anos pra te buscar. Eu tinha um pé atrás quanto a isso, minha intuição me dizia que tinham muito mais coisas envolvidas ai, coisas que talvez eu devesse descobrir.

– Quando Cássia entrou nesse passeio?

– Ela me pediu pra interferir, ela precisa da sua ajuda, nós precisamos. Eu sei que toda essa coisa de descobrir que sua mãe está viva, é complicado, mas você tem que entender que no momento existem coisas maiores acontecendo. Coisas pelas quais nós temos que lutar.

–Então é isso, você me trouxe aqui porque ela pediu – disse desapontada. O que eu esperava afinal? Esse era o Victor que eu conhecia, mas esperançosamente eu esperava outro motivo, achei que ele estivesse querendo um tempo a sós comigo, mas não, ele só queria me convencer de ajudar sei lá no que. Pensei em nossa conversa na casa da cura, por que caminhos nós estávamos indo em senhor Victor?

– Não é este o ponto Luiza, desculpe se te decepcionei, mas eu não lhe trouxe aqui para flores e corações. Esse não sou eu, e diante de todos os fatos, eu repito, nós temos coisas mais importantes para lutar.

Lutar, Lutar. Que luta era essa que ele tanto falava? Desde que cheguei à aldeia tudo o que eu tinha visto eram pessoas felizes em seus afazeres diários, nenhuma ameaça tingiam-lhe as faces, nenhum medo parecia persegui-los. Tudo parecia normal e corriqueiro. Pelo que eu teria que lutar? Pensei nas possibilidades e não encontrei nenhuma.

– Eu não tenho pelo que lutar.

– Luiza! Não seja egoísta, nós invadimos a Fortaleza pra recuperar você, todo meu esforço foi em vão?

– Eu não pedi pra ser tirada de lá – rebati - Me dê um motivo forte Victor, me explique pelo que exatamente eu tenho que lutar?

– Você vai ter que conversar com sua mãe sobre isso.

Balancei a cabeça indignada, todos pareciam conspirar contra mim. Minha mãe, arg –protestei em minha mente- Cássia e mãe eram duas palavras que não poderiam ser usadas na mesma frase. Elas não combinavam. Mãe, pra mim, combinava com Amanda Caillet, a segunda esposa adorável de meu pai que me criou até meus doze anos, quando infelizmente morreu de uma doença rara e sem cura. Eu sentia falta dela, falta de suas palavras carinhosas e seus conselhos confortadores. Ela era minha mãe. Ela esteve do meu lado mesmo eu não sendo sua filha biológica e cuidou de mim até sua morte. Não Cássia, ela sabia exatamente onde eu estava e me deixou lá por 17 anos. Bom, talvez isso fosse um trunfo contra ela quando eu tivesse que enfrenta-la novamente.

– Por favor, Luiza, não fuja antes de ver com seus olhos. Eu tenho certeza que você vai perceber o quanto cruel é tudo isso.

– Que seja – disse sem me importar, eu já estava aqui, o que seriam mais alguns dias? Além do mais, eu queria entender o que exatamente Cássia queria de mim – eu só não vejo, caso haja um bom motivo pra essa tal luta que vocês tanto dizem, como uma garota de 17 anos pode interferir em algo, Victor.

– Isso é um sim? Você vai me dar a oportunidade de te mostrar?

– Sim, se é pelo bem de todos. Eu só repito, não vejo como eu possa ajudar.

– Você não tem noção do quanto você vai nos ser útil Luiza.

Bom eu não estava de todo errada então, os interesses em mim eram bem maiores que me revelar à verdade sobre minha origem. Talvez eu fosse só um joguete em suas mãos, uma arma nova em uma batalha. Esse era mais um motivo pra eu ficar e verificar, talvez a Fortaleza estivesse correndo perigo, talvez ficando eu pudesse ajuda-los então.

– Eu tenho algo pra você – ele disse surpreendendo meus pensamentos.

– Pra mim? – eu quis saber curiosa.

– Feche os olhos.

Em dúvida, obedeci. Com os olhos fechados senti Victor colocar meus cabelos de lado e algo gelado tocando minha nuca. Sua respiração estava bem próxima e me causou arrepios. Ele se afastou deixando um peso sobre meu pescoço.

– Abra! – ordenou ele.

Sobre meu peito, uma delicada corrente prateada segurava um pingente com uma pedra que me lembrava dum cristal. Peguei-o na mão para observar mais de perto. Dentro dele havia uma pequena penugem branca flutuando. Pensei em todas as maneiras possíveis de se colocar uma pena ali dentro, nenhuma delas fez sentido. Então aquilo não era sobre corações e flores hein? Como esse garoto podia ser volúvel! Num momento ele é o senhor-maníaco-assustador, no outro o senhor-corações-e-flores. Quem podia aguentar uma mudança de humor assim?

– É uma das penas que eu peguei na caverna aquele dia – me explicou como se lesse um dos meus pensamentos. Ah eu espero realmente que você não seja capaz disso, Victor. Mas quando ele pegou que eu não vi? – Eu queria que você tivesse algo que lembrar caso decida voltar para a Fortaleza, mas se não quiser usar tudo bem, eu vou entender. – disse encabulado.

Ah Victor por quais caminhos obscuros você estava me levando? O pior é que eu não tinha a menor vontade de mudar de rumo. Meu estomago estava com uma sensação estranha e eu me sentia alegre, com as forças renovadas. Ora de mudar de pensamento Luiza, esse não é um percurso muito seguro.

– Como você colocou essa pena aqui dentro? – perguntei curiosa apontando-lhe o cristal e tentando mudar o destino dos meus pensamentos.

– Não fui eu, foi um amigo.

– Ele usou telecinese?

– Sim, ele faz esse tipo de coisa, eu te levo no ateliê dele qualquer dia, tem muitas peças como essas. Cada uma única. Então o que achou?

– É encantadora, obrigado e eu vou usar. Queria poder te dar algo também, mas eu não sei o que.

– Fique e será o melhor presente que você poderia me dar.

– Me deixa ver sua marca - perguntei querendo mudar de assunto. O que ele me pediu talvez fosse algo que eu nunca lhe pudesse dar.

– Eu não tenho uma marca – Não tem uma marca? Como não? Todos na aldeia tinham que ter uma marca, foi o que Cássia me disse. O que significava ele não ter uma marca?

– Mas Cássia me disse que todos aqui têm a marca da aldeia- afirmei buscando por informações.

– Só os que nasceram aqui – respondeu incomodado.

– Então se você não tem uma marca, você não nasceu aqui. – não era uma pergunta.

– Não. Nem eu nem Sofia, mas eu não vou falar sobre isso com você.



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Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem... até domingo, quando posto o próximo capítulo! Nilkity abraços!



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