Destino escrita por Eve


Capítulo 13
Capítulo Treze




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XIII

 

 

Ótris estava de volta a seu funcionamento normal. Os Norwood tinham retornado ao Olimpo no dia seguinte ao baile e durante as últimas duas semanas Poseidon estivera afundado em suas obrigações relativas aos preparativos para a cerimônia do casamento e aos trâmites necessários para sua ascensão em Atlântida. Agora, com tudo concluído, chegara o dia de partir, e só então ele havia se deixado dominar pela excitação de saber que estava, contra todas as chances, deixando para sempre o castelo que deveria ter sido seu lar.

Ele estava no topo de uma das atalaias*, observando a movimentação lá embaixo. Do lado de dentro da muralha, o pátio interno estava cheio como sempre, ainda mais ocupado pelas bagagens, carroças e demais itens que eram preparados para a viagem pelos dedicados servos de seu pai. Do lado de fora, nas terras do manso senhorial, diversos camponeses cumpriam com suas partes da corveia** trabalhando nas plantações.

Sua família estava provavelmente fazendo os preparativos finais para a partida. Poseidon aproveitou seus últimos momentos sozinho para observar longamente o castelo onde tinha nascido e sido criado. A pedra escura com a qual eram feitas as paredes e o pátio de armas onde aprendera a manejar uma espada e a domar um cavalo pela primeira vez lhe eram familiares como a palma de sua mão, assim como os estábulos, a cozinha, o grande salão e os jardins.  Não havia um canto daquela imponente construção que ele não houvesse desbravado quando criança, ou mais tarde na companhia do pequeno Hades.

Ainda assim, nunca tinha criado afeição sincera pelo lugar. Nunca sentira como se verdadeiramente pertencesse àqueles muros ou sequer se encaixasse direito entre os membros de sua própria família. Crescera com as obrigações e deveres de um herdeiro, cumprindo-as com perfeição mas no fundo desejando que fosse um segundo filho e pudesse desfrutar da liberdade de ser um mero cavaleiro e viver viajando pelos lugares interessantes do reino ou mesmo desbravando outras terras em vez de ter que carregar nos ombros o peso de um título e da perpetuação de seu nome.

Nos seus momentos mais esperançosos, ele imaginava que poderia mudar muitas coisas que considerava erradas na administração de Ótris uma vez que fosse seu senhor, e desse modo fazer com que o castelo se tornasse o lar que para ele nunca fora. Talvez quando se casasse e ocupasse o lugar com seus filhos pudesse passar a encontrar conforto e acolhimento naqueles corredores escuros.

O alívio que sentia ao saber que não teria que viver ali pelo resto da vida, entretanto, mostrava que esses cenários não passavam de uma tentativa de se iludir e mascarar os verdadeiros sentimentos que nutria a respeito da vida que levava sob as imposições de sua família. E a certeza de que agora estaria livre de tudo isso para começar uma nova vida em Atlântida, com seu castelo à beira do mar que tanto amava e ao lado da jovem adorável que escolhera para ser sua esposa, era um baita incentivo que o impulsionava a desejar ardentemente que esse futuro próximo chegasse logo, apesar das obrigações e responsabilidades dobradas que ele traria.

Distraído em seus pensamentos, não percebeu que Hades estava lá embaixo, próximo à entrada da torre principal, e acenava para capturar sua atenção. Ao perceber isso, desceu rapidamente de seu lugar na muralha e atravessou o pátio ao encontro do irmão.

— Já está com tudo pronto? - Hades perguntou. - Partiremos em quinze minutos.

— Sim, estou apenas esperando vocês. - Poseidon respondeu, notando pela primeira vez que seu irmão tinha um envelope em mãos. - O que é isso? Pensei que já tivéssemos enviado todos os convites.

Hades escondeu rapidamente o pergaminho atrás de suas costas, longe do alcance de Poseidon.

— Não é nada. Só tenho que entregar isso ao mensageiro antes de sairmos. Ordens do papai.

Mas Cronos nunca confiava seus assuntos às mãos dos filhos, dos quais nutria uma desconfiança não natural, e o leve rubor de seu rosto quando Poseidon o questionara sobre o conteúdo do envelope fora o suficiente para despertar a desconfiança do mais velho.

— Hades, você sempre foi um terrível mentiroso. Para quem é essa carta?

O mais novo não respondeu, apenas desviou o olhar, e esse foi todo o esclarecimento que ele precisava.

— Não me diga que ainda insiste em importunar a srta.Perséfone?

— Não estou a importunando! - Hades rebateu, exasperado. - Nós estamos trocando correspondências voluntariamente, não tenho forçado um contato indesejado.

Poseidon riu.

— Daqui a cerca de um dia encontraremos os Norwood na estrada e você a verá pessoalmente. Qual a necessidade de enviar uma carta agora?

Hades semicerrou os olhos.

— Isso não é da sua conta, na verdade. Até mais. - E saiu, provavelmente em busca de Hermes.

Poseidon deixou que Hades se retirasse para concluir sua tão importante missão sem maiores empecilhos. A verdade era que os dois irmãos Valence pareciam ser ridiculamente vulneráveis a qualquer encanto ou - se ousasse assim nomear - paixão que cruzasse seus caminhos. Ele seria hipócrita se escolhesse justo essa característica para ser repreendida. Além disso, não poderia negar que se Atena tivesse demonstrado qualquer interesse em manter contato com ele, Poseidon também estaria redigindo cartas para sua noiva nos momentos mais inoportunos.

Dispensando essa linha de pensamento, decidiu aproveitar os últimos momentos ali para se despedir dos servos do castelo, que em grande parte o conheciam desde criança e pelos quais Poseidon tinha grande consideração. Algumas lágrimas foram derramadas pelos membros mais velhos da criadagem, que consideravam-no um filho, e também pelas jovens que lamentavam a partida de seu eterno objeto de adoração. Ele reconheceu alguns rostos familiares até demais nesse último grupo, e evitou deixar-se ser encularrado por essas moças que provavelmente desejavam uma última casquinha sua antes que se comprometesse definitivamente com sua noiva forasteira.

Quando não havia mais o que fazer além de esperar, não demorou muito até que todos estivessem prontos e Poseidon montasse no seu cavalo, liderando o cortejo para fora dos domínios de Lorde Valence. Sua nova vida estava a algumas - muitas - milhas de distância, e ele mal podia esperar para cruzá-las de uma vez.


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Notas finais do capítulo

*atalaia: torre de vigia localizada na muralha do castelo, local estratégico para defesa em caso de cerco etc
**corveia: "imposto" que correspondia à obrigação dos servos de prestar serviços braçais para o senhor feudal



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