Fora a pior coisa que já ouvira, e Lilian ainda deixava as lágrimas escorrerem de vez em quando. Sim, ela sabia, era ridículo chorar por ele. Afinal, era um grosso, uma pessoa que havia traído seu coração. As palavras não queriam sair de sua cabeça. Suas amigas insistiram que ela deveria sair do dormitório, e se distrair porque aquele canalha não a merecia. Mas Lilian não estava afim. Simplesmente. Depois de um tempo, elas saíram bufando, dizendo que Lilian não tomava jeito. A ruiva as ignorou. Acordou no primeiro dia depois do exames, um lindo sábado, quase na hora do almoço, apanhou livros na biblioteca e desatou a ler e a fazer redações. Era extremamente inútil, já que os N.O.M's já haviam acabado e ela não faria mais nenhuma dever aquele ano, mas ainda assim, era um modo de distração. Depois, teve acesso de raiva, jogou um dos livros no chão e soltou um palavrão. Corou no mesmo instante, tapou a boca com as mãos e apanhou o livro do chão depressa, fazendo uma "massagem" na capa. Depois, ficou mimada, rolou-se na cama e pôs-se a chorar, derramando pragas e mais pragas para Severo. Depois, com o rosto vermelho e inchado, Lilian tomou um banho gelado, para lavar toda a angústia e vestiu a melhor roupa que podia. Ia para o Salão Principal, fingiria que nada havia acontecido e teria a melhor noite de sua vida. Porém, sentou-se na cama e ficou pensativa. Em Severo, e em Tiago. Por que esses dois tinham que armar tanta confusão? Não podiam viver separados?

- Vamos lá, Lilian, já são seis da tarde, bote pra quebrar.

Se assustou consigo mesma ao falar essa gíria e, calçando uma sapatilha e apanhando um dos livros, desceu as escadas do dormitório. No Salão Comunal, Sirius e Emily se atracavam em uma poltrona, completamente sozinhos. Lilian tentou passar despercebida, mas parece que Sirius abriu os olhos em meio ao beijo, parando-o.

- Lily? - Ele perguntou. Emily, confusa se virou para olhar a amiga, um pouco decepcionada por ter parado de beijá-lo.

- Ah, oi... Eu não queria interromper...

- Você está bem? - Ele continuou - Soube que teve um dia difícil.

- Não. Estou ótima - E sem esperar mais nada, saiu.

O Salão Principal não estava tão cheio, pois provavelmente a maioria dos alunos estavam em alguma parte do castelo comemorando o fim das provas. Lilian não se sentia animada com isso. Apesar de ser um alívio não precisar mais passar horas até cair estudando. Comeu uns empanados com batata assada, tomou dois copos de suco de abóbora e saiu para o Saguão. Atravessou os portões,  passou pela gárgula do escritório de Dumbledore, deu meia volta no castelo e sentou-se embaixo da árvore onde os Marotos gostam de ficar, na margem do lago. Lilian tirou suas sapatilhas com cuidado, e colocou seus pés na água, neste momento, quente. Abriu então seu livro e se dedicou á leitura. Era interessante. Era uma série Sherlock Holmes, e Lilian já havia lido umas dez vezes, sem exagerar. Ela adorava aquele livro. Seus pés balançavam para lá e para cá, e vez ou outra a lula gigante levantava um tentáculo lá longe, caçando peixes.

- Tudo bem, Lily? - Era Louize, que estava em pé ao seu lado. Lilian olhou para cima.

- Tudo... E com você?

Ela riu baixo.

- Você sabe o que quero dizer... Já superou.

- Não, não sei do que você quer dizer - Lilian se fez de desentendida e Louize ficou impaciente. 

- Então acho que é um avanço. Já saiu do quarto, ótimo. Vou indo, ok? Boa leitura...

E se afastou. Lilian agradeceu. Sim, ela era sua melhor amiga, mas tinha muitas vezes que Lilian preferia ficar sozinha, e Louize não sabia entender. Ela vivia de mãos dadas com as outras meninas, e seu assunto preferido era sempre meninos. Louize nunca namorara na vida. Nem ninguém já se apaixonou por ela. Era estúpido. Mas ela havia saído tão depressa, sem mais nem menos... Talvez não estivesse afim de conversar com Lilian...

Mas então, a ruiva soube o por quê.

- Oi.

- Oi Potter - Lilian não olhou para a pessoa que sentara do seu lado. Continuou lendo, mas leu a mesma linha umas cinco vezes.

- Lily, eu queria saber se você está bem.

- Sim... - Seu tom era cansado. Lilian já não aguentava mais ouvir se estava bem ou mal - Estou bem...

- É que... Bom, você sabe. Não saiu do dormitório o dia todo e está aqui fora, nessa escuridão...

- Não tenho nenhum problema, ok? - Ela ainda não levantara o olhar para ele. Continuava lendo...

"Como quem espera o calor do sol, mas recebe uma nevasca."

- Eu queria dar um jeito naquele garoto... Como ele foi capaz - Tiago sentiu falta de ar ao lembrar e agitava as mãos com arrogância - Ele foi tão grosso! E você me chama de cafajeste e tapado!

Lilian queria lhe dizer que ele era um cafajeste e tapado, mas assim, estaria dando-lhe atenção. Ao invés disso, seus olhos estavam pregados no livro, como se olhar para o garoto ao seu lado lhe lançasse uma maldição.

"[...] nevasca. Ana corria descontroladamente, e as lágrima se perdiam no caminho á suas costas."

- Lily... Eu sei que você adora ler, mas podia prestar um pouco de atenção em mim? Estou tentando ajudar... Se eu... - Ele pegou o queixo de Lilian de leve, fazendo-a levantar a cabeça e olhar para ele. Ela não resistiu. Queria chorar de novo, mas seria parecer uma idiota. Mas se perdeu no mar de olhos castanhos esverdeados do garoto á  sua frente, como se perdera nos olhos de Remo outro dia. Ela suspirou fundo, com ar de preocupação - Você está bem?

"Como quem espera o calor do sol, mas recebe uma nevasca."

- Eu... - Mas Lilian não tinha nada pra falar. Não queria falar. Queria voltar á ler seu livro, e passar pra próxima página.

- Lily...! - Tiago começou a respirar depressa, parecendo preocupado, segurando o rosto de Lilian - Você está muito pálida! Vem, vamos pra ala hospitalar agora!

Lilian continuava calada, sua cabeça girava, ela sentia calor, mas também sentia frio. Suas pálpebras pesavam em seus olhos. Ela queria dormir, parecia que não havia dormido há três dias... 

"Como quem espera o calor do sol, mas recebe uma nevasca"

*   *   *

- Ela vai ficar bem?

- Ora, mas é claro que vai. Foi apenas um desmaio emocional! E aquela água em que ela estava com os pés! - Dizia Madame Pomfrey. Tiago estava ao lado da cama de Lilian, segurando sua mão. Carregara a garota andares acima até a ala hospitalar.

- Mas... Não precisa fazer nada com ela? Um feitiço ou coisa assim?

- Não, garoto! Ela só desmaiou, precisa ficar dentro das cobertas e acordar assim que possível. Mas ela só vai embora quando estiver mais sadia.

Tiago agradeceu e Madame Pomfrey foi para os seus aposentos. Ele quando foi tirar seus pés do lado, enfiou com pressa as sapatilhas. Tirou os lençóis de seus pés e retirou as sapatilhas com cuidado. Suas pernas fizeram movimento de reflexo quando o fez e ela sorriu enquanto dormia. Tiago a admirou. 

- Se-ev... - Ela sussurrou e se mexeu um pouco. Tiago não a culpava, ela devia estar ainda abalada. Mas foi impossível não sentir ciúmes. Ela poderia dizer o nome dele, também.

*   *   *

Lilian ouvia conversas, mas, assim que acordou, sua cabeça começou a doer, então ela não abriu os olhos imediatamente. Percebeu alguém ao seu lado, e sorriu ao ver que era Tiago.

- Oi lírio - Ele segurou sua mão e depositou um beijo em sua testa. Lilian notou que ainda estava de noite - Como está se sentindo?

- Tenho dor de cabeça, mas acho que vai ficar tudo bem... - Ela olhou em volta, pelo visto só havia eles dois ali - Com quem você estava conversando?

Tiago olhou para trás e depois para Lilian.

- Ah, sim... Convencendo a Madame Pomfrey a ficar aqui com você á noite.

- Como assim? Não! Não precisa... Pode ir ficar com seus amigos e...

- Prefiro ficar com você... - Ele disse calmo, mexendo em uma mecha do cabelo de Lilian - Sirius, Remo e Pedro estão bêbados em uma festa na torre da Corvinal, suas amigas também estão lá...

Lilian riu baixinho, quase um sussurro.

- Como eles entraram na torre da Corvinal?

- Eu sei lá! - Os dois riram, mas segundos depois Tiago ficou sério - Olha... Acho melhor você descansar. Peguei pesado contigo lá no lago. Eu não deveria ter falado aquelas coisas... Eu sei que você gosta do Snape e... Bem, eu não quero te deixar pior.

- Não... Tiago, eu não quero e nem preciso do Snape - Ela disse com esforço - E, eu não sei. Acho que não gosto mais dele.

Tiago continuou com a mesma expressão, mas sua alma irradiou por dentro. Então ela admitira?

- Mas ainda assim me sinto muito culpado, sabe?

- Não, não sei... - Ela disse, debochando. Tiago sorriu. Ele só conseguia olhar para seus olhos, verdes, tão profundamente verdes... Lilian ia continuar falando, mas, ao notar seu olhar, ela sorriu. E eles se encararam por horas, dias e meses... Podiam passar a vida toda ali - Potter...

- Evans...

- Eu... Queria lhe falar alguma coisa, mas não sei o que dizer - Lilian suspirou e desfez a conexão visual. Tiago abaixou a cabeça - Estou... Com um pouco de sono.

- Sugiro que descanse, Madame Pomfrey disse que a água não lhe passou nenhuma infecção mas ainda assim, você precisa dormir, já são quase uma da manhã - Tiago bocejou e Lilian se aconchegou nos cobertores.

- Tiago, vai dormir...

- Eu quero... - Ele bocejou de novo - Preciso ficar com você... - E então ele enroscou sua cabeça nos lençóis e dormiu instantaneamente. Lilian sorriu, virou o rosto e fez o mesmo.

*   *   *