O ônibus estava lotado naquele dia e o tempo lá fora, chuvoso demais. Revirei a minha mochila em busca do guarda-chuva e praguejei baixinho ao constatar que o tinha deixado em casa.

A chuva caía forte lá fora e eu tinha a completa certeza de que ficaria ensopada quando descesse do ônibus. Dito e feito! Assim que eu desci do ônibus, a chuva não cessou, apenas ficou mais forte. Tentei me proteger com as mãos mas não adiantou. Adentrei o pátio do colégio observando os alunos com faixas, confetes e tudo que tinha direito e foi aí que eu me lembrei que hoje teria jogo de futebol onde o time do meu colégio que se chamava de Fighters, competiria com o time do colégio vizinho, que se chamava Os ganhadores.

O que eu achava uma cafonice danada, começando pela falta de criatividade para escolher os nomes dos times de futebol.

O que era mais cafona ainda, era a animação do povo. O tempo estava horrível e nem assim eles desanimavam. Eu acho que era a única naquela escola que não estava criando expectativas para um jogo tão idiota.

Corri, querendo não me molhar mais e correr o risco de pegar um resfriado. Entrei no corredor do meu colégio aliviada. Não muito afinal, eu ainda estava ensopada e eu me perguntei mentalmente quando era que as coisas iriam mudar.

Avistei meus amigos que já tinham faixas e mãozinhas de borracha vermelha, que representava o time de nossa escola.

- E aí, Ever? Esqueceu o guarda-chuva foi? - Perguntou Yuri.

- Não, eu estava louca para tomar um banho de chuva. - Respondi irônicamente, sem paciência para perguntas idiotas.

- Animada? - Caroline estava eufórica. Eu não via sentido nenhum em assistir um jogo idiota.

- Pra que? - Perguntei.

- Pro jogo, oras!

- Não. - Respondi secamente.

- Nossa Ever, que horror! - Ralhou a loira.

- Que horror digo eu! Meu dia começou sendo um fiasco! Quer que eu te conte? Pois bem, acordei com a droga do despertador irritante que me fez cair da cama e isso me fez bater a cabeça na quina do meu rec. Fui descer pra tomar café e o fedelho do meu irmão derramou leite no meu trabalho de português ou seja, vou levar zero. O ônibus estava tão cheio que era capaz de ter pessoas sentadas na janela e tinha um velho peidando do meu lado e um garoto ouvindo "Dança do Créu" no último volume no celular. Quando eu finalmente cheguei aqui, peguei uma chuva do caramba. Estou ensopada e vou levar zero no meu trabalho de português. Olha a minha cara de animação pra esta bosta! - Me recostei em meu armário frustrada enquanto eu via meus amigos me observarem sem ação.

- Desculpe. - Sibilou Caroline.

- Acredite, estou louca pra que esse dia acabe! - Olhei para o fim do corredor e vi o Michael segurando o uniforme vermelho dos jogadores de futebol.

A maioria dos garotos que faziam parte do time eram amigos do Jeremy. Bufei, irritada, enquanto me lembrava do quanto eu havia chorado ontem a noite e me lembrei que eu tinha que entregar a foto do Michael.

Fui em sua direção aproveitando que ele estava sozinho. Parei em sua frente e ele me olhou da cabeça aos pés.

- O que houve com você? - Perguntou ele.

- Meu dia está sendo uma droga e isso faz parte do meu azar constante. - Apontei para as minhas roupas enxarcadas.

- Vai acabar ficando doente. Vem comigo. - Ele me puxou pela mão e eu quase estremeci com o toque.

Ele entrou no vestiário masculino mas eu soltei sua mão e parei na porta.

- Está achando mesmo que eu vou entrar aí?

- Não tem ninguém aqui. Todos já se trocaram, menos eu. - Entrei no vestiário relutante. - Eu tenho uma toalha, se enxugue, você está ensopada. - Ele me lançou um olhar preocupado.

- Não vai adiantar. Minhas roupas continuarão molhadas. - Falei tremendo de frio.

- Tente se secar pelo menos um pouco. - Michael tirou de sua mochila uma toalha branca, jogando-a em minha direção logo em seguida.

Peguei a toalha e comecei a me enxugar e quase morri quando vi que Michael havia tirado a camisa. Parei de me enxugar abruptamente olhando para o seu corpo boquiaberta afinal, ele estava de costas e não podia ver a minha expressão abobalhada. O problema, é que eu estava petrificada com a cena e nem percebi quando ele se virou de frente para mim.

- Gosta do que vê? - Percebendo que eu o secava literalmente, anjinho me olhou sedutoramente, provocando-me e eu corei na hora.

- Hã... é... ficou doido é? - Tentei disfarçar mas a gagueira não ajudou.

- Ever, Ever... você não sabe mentir. - Michael chegou tão perto de mim, que eu podia sentir o calor de seu corpo quente. Seu olhar era convidativo e eu já estava hipnotizada.

- Eu não estou mentindo. - Minha voz trêmula confirmou a minha mentira. Ele deu um sorrisinho e se aproximou mais de mim, quase colando nossos corpos. Minha respiração misturou-se com a dele e perdeu-se pelo caminho juntamente com a minha sanidade.

- Vamos ver se assim você aprende a mentir melhor. - Michael aproximou seu rosto do meu. Fechei meus olhos, aproximando-me mais dele.

Anjinho roçou seus lábios nos meus e isso fez com que eu ansiasse mais que ele me beijasse. Abri meus olhos e percebi o quanto seu olhar era ardente. Ele pegou em minha nuca carinhosamente e fechou seus olhos assim como eu e então, nossos lábios finalmente se tocaram.

O beijo começara calmo, apenas estávamos conhecendo um ao outro e logo, o beijo se tornou urgente. Michael puxou-me pela cintura e minhas mãos, foram para seus ombros extremamente quentes. Nossas línguas estavam em perfeita sincronia e meu coração batia rápido dentro do meu peito.

Michael estava me beijando com urgência e eu retribuía na mesma intensidade.

Ele me puxou mais pra perto, colando mais ainda nossos corpos. Enterrei minhas mãos em seus cabelos e logo, nos separamos para respirar, ofegantes. Michael me olhou desconcertado e eu estava morrendo de vergonha.

- Er... Ever, me desculpe isso não devia ter acontecido.

- Não precisa pedir desculpas...

- Precisa sim. Eu não devia ter te beijado! Nós somos inimigos, lembra? E... existem outras garotas mais bonitas por aí. - Eu estava incrédula.

- É você está certo. Te beijar também não foi muito bom sabe? - Menti. O beijo foi ótimo, mas ele não precisava saber disso. Se ele podia me humilhar eu o humilharia também.

- Não? - Ele fanziu as sombrancelhas. - Está mentindo.

- Não estou mentindo não. - Sorri vitoriosa.

- Eu vou te provar que está errada. - Michael me olhou determinado, aproximou-se de mim, me puxou e me beijou.

Suas mãos acariciavam minhas costas ao mesmo tempo em que me apertavam contra seu corpo. Retribuí o beijo na mesma intensidade, acariciando seus braços fortes e quentes. Ele nem parecia se importar com as minhas roupas molhadas, pois me apertava contra seu corpo com uma força descomunal. Nos separamos em busca de ar e ele perguntou, ofegante:

- E então, como foi?

- Normal... - Eu estava trêmula e dessa vez não era por causa do frio.

- Tenho certeza de que está mentindo.

- E estou. E a propósito. - Abri minha mochila, pegando a foto de Michael e entregando-a para ele. - Toma, é sua. - Ele pegou a foto de minha mão e me fitou por um tempo. - Obrigada por me emprestar a sua toalha. - Pegue a toalha que estava jogada no chão e a entreguei a ele.

Saí correndo do vestiário e assim que virei o corredor, me recostei na parede, totalmente sem forças. Eu ainda tentava assimilar tudo o que tinha acontecido comigo.

De uma hora para outra, meu dia tinha sido totalmente transformado. Eu, que estava com um azar danado, fiquei com uma baita sorte. Eu ainda não acreditava que Michael tinha me beijado DUAS VEZES!

Tudo bem, ele disse que isso não devia ter acontecido e eu sei que ele deve me achar feia, mas se eu vou mesmo sofrer por amor, pelo menos beija-lo valeu a pena.

Michael narrando:

Me troquei em uma velocidade de super-herói afinal, eu estava atrasado. O jogo começaria daqui a pouco e eu ainda estava no vestiário. Na verdade, eu ainda estava atônito com as minhas atitudes para com a Ever.

Primeiro, eu fiquei preocupado com ela, pois ela estava enxarcada e eu não queria que ela ficasse doente. Nós tínhamos um plano para ser executado que provavelmente o executaríamos nesse fim de semana e com ela doente, não daria certo.

Quando a levei para o vestiário para se enxugar, nunca pensei que ela me olharia com tanto interesse principalmente quando eu tirei a minha camisa.

Só o que eu não entendi foi quando eu comecei a reparar nela também.

Os cabelos longos e molhados espalhados pelo seu rosto lhe davam um ar de menina inocente. Seu rosto corado era lindo e eu nunca havia reparado em seu sorriso, lindo e iluminado. E seu corpo era... divino.

Quando me aproximei para beijá-la, vi o quanto ela queria aquilo e o beijo foi muito bom. Nunca havia beijado alguém com tanta vontade como beijei a Ever.

Foram dois beijos incríveis e mesmo eu tendo dito que isso nunca mais iria acontecer,  o que eu mais quero é beijá-la novamente.Saí do vestiário e segui rumo ao campo de futebol. Todos os jogadores já estavam lá, inclusive os do time adversário que nos encarava desafiadoramente.

Olhei para a arquibancada e vi pessoas de minha escola e também da outra escola. Todos estavam eufóricos. A chuva já havia cessado e o sol, brilhava forte. Entre a multidão, eu vi Caroline, Chris e Yuri que acenaram animadamente para mim. Retribuí o aceno e dei um sorriso. Logo, vi a Ever se juntando a eles. Seus amigos apontaram em minha direção e ela me olhou envergonhada. Estava adorável. Dei um sorriso malicioso em sua direção e ela desviou o olhar corando ainda mais.

Era divertido vê-la envergonhada e por isso, eu estava começando a gostar de provocá-la. Depois, fui andando em direção aos outros jogadores, que estavam confiantes.

Stacy, Mandy e o resto das líderes de torcida, animavam a galera e de vez em quando via a Mandy se oferecer para mim, me lançando olhares furtivos e danças altamente vulgares. Eu apenas a ignorei.

Eu nunca tive interesse pela Mandy. Apenas fiquei com ela por insistência da mesma e porque eu estava na seca. Apenas fiquei irritado com a Ever por ter fingido que tinha um caso comigo, porque ela tinha invadido a minha casa e suas atitudes sempre conseguiam me tirar do sério.

- Michael, se prepare! - Gritou o treinador me alertando que o jogo iria começar. 

Fui para o campo juntamente com os meus amigos. Nós com certeza venceríamos esse jogo.

Ever narrando:

Michael parecia que gostava de me provocar me mandando esses olhares maliciosos! Eu estava tão envergonhada que parecia um pimentão.

- Ever, que olhada maliciosa foi essa que o Michael te deu hein? - Caroline perguntara totalmente curiosa. Percebi que o Chris e o Yuri se encontravam tão curiosos quanto ela.

- Eu nem sei por onde começar... eu e o Michael... er... nos beijamos. - Falei na lata.

- Isso é sério Everzita? - Chris estava incrédulo.

- É super sério! Nos beijamos duas vezes mas ele tratou logo de dizer que tinha sido um erro e que não aconteceria novamente.

- Que insensível da parte dele! - Yuri se meteu na conversa e eu apenas meneei a cabeça afirmamente.

Ouvimos berros a nossa volta e logo, Carol, Chris e Yuri gritavam junto com o povo escandaloso, que quando perceberam que o jogo estava prestes a começar, gritavam feito hienas no cio.

A arquibancada estava abarrotada de gente e eu comecei a ficar sufocada. Não que eu fosse desmaiar ou algo do tipo, mas ficar grudada com um grande número de pessoas me fazia passar mal. Tentei relaxar, me abanando com um pedaço de papelão e o vento pareceu amenizar o mal estar que eu sentia.

Olhei para o campo onde os dois times adversários se encontravam. Do lado direito, estava o time do nosso colégio, Os Fighters. Eles me pareciam nervosos, mas confiantes. Jeremy era o que mais transmitia segurança. Seu semblante estava quase dizendo "Nós já ganhamos esse jogo há muito tempo." E eu me lembrei de que o Jeremy sempre me transmitiu segurança. Não sabia explicar o que era, só sabia que sempre que eu estava insegura ou com medo, eu corria para os braços dele. Pena que hoje eu mal posso tocá-lo sem que ele faça uma carranca de nojo e só esse pensamento fez meus olhos arderem.

Do lado esquerdo, estava o outro time, que trajava um uniforme verde. Eles pareciam tentar intimidar o time da nossa escola. Pareciam. Eles não conseguiam intimidar nem uma criança numa rua escura.

A partida começara e pude apreciar Michael correndo pelo gramado. Seu olhar fixo e compenetrado, fitava a bola que permanecia em posse do time inimigo. Com uma velocidade incrível e graciosidade que só ele tinha, Michael acabava de conseguir pegar a bola. Correu alguns metros antes de passar a bola para William, que estava livre naquele momento.

Meus olhos continuaram focados no Michael. O modo como o sol refletia em seu belo rosto ou a forma graciosa como ele corria, me fazia querer analisá-lo minuciosamente. Queria gravar cada detalhe do seu rosto em minha mente até que elas estivessem fixadas em cada partícula do meu ser.

O jogo continuava difícil, estava prestes a acabar o primeiro tempo quando Jeremy - com a ajuda do Michael - finalmente fez um gol. Percebi tarde demais que eu comemorava junto com os alunos do meu colégio e senti que eu estava traindo a mim mesma. Um tempo atrás, eu nem iria querer saber que ia ganhar esse jogo. Só iria querer que tudo acabasse logo para que eu fosse para casa.

Olhei para o Michael na esperança de vê-lo sorrindo e comemorando mais o que eu vi me surpreendeu. Michael carregava em sua feição um semblante de dor, parecia que ele não estava conseguindo respirar mas ninguém havia percebido isso. Não antes dele cair no chão, desmaiado.

A reação de todos foi de desespero mas eu nem me reconheci. Deixei meus amigos que olhavam para o Michael desmaiado no gramado e saí correndo desesperada em direção ao campo onde acontecia o jogo.

Infelizmente, não me deixaram nem chegar perto do Michael. Jeremy e o treinador o levaram para a enfermaria e logo voltavam para dar continuidade ao jogo.

Eu podia sentir o clima tenso que rodeava o campo. Jeremy e todo o time estavam preocupados mas tentavam a todo o custo não deixar que isso transparecesse.

Eu não continuaria assistindo ao jogo. Eu iria atrás do Michael onde quer que ele estivesse. Levei as mãos trêmulas aos meus cabelos enquanto corria pelo pátio do colégio.

Eu iria até a enfermaria e esperava encontrar Michael acordado, sorrindo e saudável.

Principalmente saudável.