Winter In London escrita por Luh Moon


Capítulo 11
Capítulo 11 - A Dama de Púrpura


Notas iniciais do capítulo

Ainda estamos a caminho da recepção. E temos mais algumas novidades sobre os sentimentos e reações do Sr. Holmes...



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No dia seguinte, antes do meio-dia, John já sentia toda a ansiedade do evento que viria a noite. Como esperado, seu companheiro não deixara o quarto e a porta permanecera trancada. Enquanto tomava algum café da manhã John revia o diálogo que tiveram na noite anterior. Sua cabeça ficava dolorida sempre que tentava pensar naquilo.

Se aquele fosse um homem ordinário, com pensamentos simples, seria muito fácil compreender o que estava se passando. Mas nem aquele homem era comum, nem a situação era assim tão trivial. No mínimo havia um agravante naquela teoria que seu cérebro teimava em desenhar: as duas pessoas em questão, se não eram irmãos, haviam sido criados como tal! E, além disso, tratava-se de Sherlock e de sua mente perfeitamente treinada para evitar qualquer espécie de emoção. Decidiu simplesmente não pensar mais sobre o assunto a não ser que fosse absolutamente inevitável!

Não era uma decisão simples, afinal Sherlock tinha enchido sua mente com bem mais que simples suposições. Era um fato que Mildred causava algum efeito sobre ele, um que ele desconhecia completamente! Nunca tinha visto uma coisa daquelas! Parecia que o detetive tinha sido golpeado e ainda não conseguira recuperar o equilíbrio. Tinha a impressão que, de algum modo as coisas iam se ajeitar depois daquela recepção. Estranhamente, quando pensava nisso um arrepio esquisito percorria seu espírito.

O médico fizera tudo em seu alcance para se distrair e perto das 18 horas, achou que era hora de começar a se preparar. Algo lhe dizia que muitas emoções o aguardavam e não estava pensando apenas em enfrentar um contrabandista. Quando pensou nisso, achou melhor carregar o revolver e levá-lo consigo. Ao voltar para Baker Street de onde procurara se afastar durante todo o dia, encontrou o detetive impecavelmente vestido, bem sentado em sua poltrona, silencioso e solene como um lorde. Teve que segurar a vontade de rir quando percebeu que além de tudo Sherlock segurava uma espécie de bengala.

– É uma catana! – ouviu a voz grave de Sherlock dizer quando passava por suas costas.

– O quê? - voltou-se surpreso.

– A bengala... – erguendo o objeto e puxando o seu topo. – É uma catana, um sabre japonês, disfarçado. – exibindo a lâmina por um instante.

– Estupendo! – franzindo a testa.

– Está armado? – perguntou sem olhá-lo.

– Achei que talvez...

– Faz bem. Talvez fique perigoso... – murmurou, guardando a pequena espada.

– E quanto a... – arrependeu-se no instante seguinte.

– Ela costumava carregar uma besta, mas acho que esse tipo de arma não combinaria com um vestido longo. – rolando os olhos. – Conhecendo-a como conheço, tranquilize-se! Ela não estará desarmada! – com um meio sorriso.

– Suponho que ela aprendeu com você?

– Não. Isso pertence a ela! – juntando as mãos diante do rosto. – Sempre gostou de armas, lutas e danças. – seu tom de voz parecia baixar a medida que falava.

– Vou me vestir... – achou melhor encerrar ali aquele assunto. Tinha a impressão que seria uma longa noite.

Quando faltava exatamente cinco minutos para as 20 horas, Sherlock levantou-se, ajeitou as mangas e olhou John. O médico olhou em volta antes de compreender que o outro estava se preparando para sair e chamando-o para que o acompanhasse. Consultou o horário outra vez, mas achou que não devia dizer coisa alguma. Faltavam três minutos para o horário marcado quando fechou a porta do apartamento.

Sherlock estava especialmente elegante, e ele só tinha prestado atenção agora que o outro descia as escadas parecendo contar os degraus. Era raríssimo vê-lo vestido em trajes de gala e usando uma gravata, mas não era apenas a roupa que estava causando estranheza. Sherlock exibia agora o esboço de um sorriso que tinha algo de maldoso e sombrio. John afastou os pensamentos que se acotovelavam em sua mente. Aquele não era o momento para aquele tipo de pensamento, não àquela noite! Mas era evidente, e o médico não podia deixar de notar, que havia alguma coisa acontecendo além da ação iminente.

Mal cruzaram a porta e puseram os pés na rua, Sherlock ajeitou a lapela e um elegante carro negro de vidros escurecidos estacionou em frente ao número 221B da Baker Street. John piscou os olhos apenas para se certificar que se tratava realmente de uma limusine. Quando olhou, abismado, para Sherlock, percebeu que aquele sorriso estranho havia se expandido.

– Pontualmente! – exclamou o detetive caminhando até o veiculo e sendo recebido por uma porta aberto.

John quis acompanhá-lo, mas sentiu as pernas um pouco sem forças. Não tanto pela surpresa agora, mas sentiu que o corpo inteiro paralisou quando divisou duas jovens sentadas no interior do veículo. Uma delas usava um vestido negro, um pouco acima dos joelhos, justo e decotado; a outra usava um vestido de cor púrpura, longo, com as costas expostas e uma racha lateral que permitia ver até acima dos joelhos. Eram duas mulheres deslumbrantes e embora tivesse sentido uma nova animação, sentiu-se confuso.

– Mas... – sua memória podia estar lhe pregando uma peça, mas não se lembrava de tê-las visto antes.

– Oh! Deus! John! – disparou o outro fazendo uma careta. – É apenas Mildred e sua escudeira...

– Boa noite Sr. Holmes! – disse a jovem de vestido negro.

– Boa noite Srta. Carter! – respondeu Sherlock entrando no veículo. – Apresse-se John! Seu queixo está quase tocando a calçada!

– Sim... – murmurou o médico começando a se mover.

– Venha John! – chamou a jovem de púrpura que se inclinava e que só agora ele reconhecia. – Essa é minha doce Carren Carter! – indicando a jovem ao seu lado.

– Oh! Sim! – finalmente John estava do lado de dentro.

– Dr. Watson! – disparou a jovem estendendo-lhe a mão.

– Meu braço direito! – esclareceu Mildred. – Ela é... o meu John Watson! – sorrindo.

– Não esperava revê-las juntas... – atravessou Sherlock de repente. – Soube que estava nos EUA, Carren. Percebo agora o motivo...

– Vocês... – iniciou John ainda confuso.

– Carren era a única criança a frequentar nossa casa. – explicou o outro. – Todos acreditavam que seria bom que Mildred tivesse outros amigos... – olhando para Mildred e estreitando o olhar. – Além de mim...

– E não foi? – retrucou Mildred. – Agora, troquem de lugar. – disse ao detetive num tom autoritário. – Quero você ao meu lado, Sher...

John esperou uma piada, uma risada sarcástica e uma recusa, mas o que viu foi Carren vir parar ao seu lado e Sherlock acomodar-se ao lado de Mildred sem queixas. O mais estranho era que o quadro parecia se encaixar perfeitamente. Quem quer que tivesse planejado aquilo tinha feito com tal perfeição que por mais que soasse estranho, a coisa toda se desenvolvia com uma naturalidade assustadora. O espanto de John atingiu o ápice quando viu que a garota diante dele segurava o braço do detetive com intimidade, sem ser repelida. Seus pensamentos anteriores voltaram.

Enquanto o veiculo se movimentava John acompanhou em silêncio um entendimento entre Mildred e Sherlock que dispensava palavras. Ela mostrou algumas fotos e mapas apontando alguns pontos, ele acenou com a cabeça e anotou algumas coisas em seu caderno. De repente eles se olhavam intensamente e voltavam a investigar os papéis. John estava espantado para dizer o mínimo. Percebeu que Carren sorria enquanto observava-os, ela não parecia surpresa.

– Então os conhece há muito tempo? – arriscou John num tom de voz baixo. Os olhos de Sherlock se ergueram por uma fração de segundo e em seguida voltaram às anotações.

– Ah! Sim! Muito tempo! – resumiu Carren.

– Sempre foram... – baixando ainda mais o tom de voz.

– John! – resmungou Sherlock.

– Oh! Deixe-o, Sher! – emendou Mildred fazendo com que o outro voltasse a olhar para ela.

– Sempre! – respondeu Carren em meio a uma risada.

John perdeu a coragem para mais perguntas, mas não a curiosidade. Era obvio que estava bem no meio de alguma coisa nova e desconhecida! Havia qualquer coisa entre aqueles dois que ele não conseguia compreender. Ela parecia ter grande liberdade para se dirigir ao outro, como a pouco quando o apanhara pelo queixo fazendo com que voltasse a olhar em sua direção. Não só quando se dirigia a ele, ela também o tocava com a mesma liberdade e intimidade. Normalmente quando alguém se aproximava tanto de Sherlock recebia um olhar gélido que desencorajava novas tentativas. Quando Mildred fazia, no entanto, o detetive não esboçava nenhuma reação. Ao contrário, era bastante receptivo fazendo parecer bastante natural.

Tentou considerar que haviam crescido juntos, mas imediatamente lembrou-se de Mycroft e do imenso abismo que separava os irmãos. Em meio aos seus pensamentos apanhou o detetive afastando uma mecha solta do cabelo de Mildred da frente de seus olhos. O gesto quase carinhoso soou escandaloso! Um estranho alarme soou na mente de John. Seria mesmo possível?

– Não pense... – murmurou Sherlock e só então John percebeu que o carro estava parado e as garotas estavam em pé do lado de fora.

– O quê?

– Está pensando demais nesse assunto... – disse Sherlock saindo do carro.

Mildred brilhava como uma jóia recém polida. John honestamente tinha dificuldade em entender como um homem conseguia ignorá-la. Sim, por que era isso que Sherlock fazia. Agora mesmo ele estava em pé, perto dela, no entanto sua atenção estava toda voltada para o visor do celular. Só então John olhou em redor e percebeu que estavam parados no meio da estrada. Olhou outra vez para aquela criatura luminosa antes de se atrever a qualquer comentário.

– Por que paramos?

– Observar... – murmurou Sherlock.

O médico percebeu o olhar de Mildred perdido na direção de um monte próximo. Havia uma construção bem iluminada no alto e antes que ele tivesse se apropriado do quadro como um todo, percebeu o detetive se posicionando ao lado da dama de púrpura. Por uma fração de segundo teve a ilusão de que aqueles dois seres, lado a lado, eram, de fato, uma só pessoa. Percebeu um perfume se aproximando e em seguida sentiu uma mão segurando o seu braço e puxando-o suavemente. Era Careen.

– Mycroft fez muito mal a eles... – murmurou a jovem. John olhou-a com um misto de curiosidade e espanto. – Oh! Você não os viu! Nunca os viu antes! – o médico percebeu uma nota de pesar e achou que os olhos da garota brilhavam. – Venha... – puxando-o para dentro do veículo. – Ficam melhor a sós...

John quis contestar, argumentar, protestar... Mas quando olhou outra vez para a cena, não havia o que pudesse ser dito para contrariar Careen. Os dois se voltaram ao mesmo tempo, alguns minutos depois e andaram, a passos sincronizados, de volta até o veículo. John não conseguiria determinar quanto tempo eles tinham ficado lá com os pescoços esticados. Pareceu uma eternidade.

– O que encontraram? – perguntou o médico.

– A casa está cheia... – murmurou Sherlock.

– Há seguranças em cada entrada... – acrescentou Mildred.

– E em cada saída... – completou o outro.

– E isso é um problema?

– Não... – iniciou Sherlock.

– Embora indique que não será tão fácil... – emendou a dama no vestido púrpura, recebendo imediatamente um olhar fulminante de Sherlock. – O que foi?

– Não é nada... – desviando o olhar.- Terminou o que eu estava dizendo... De novo...

– Eu poderia garantir que você já estava habituado com isso! – devolveu espantada. – Mas se o incomoda... – encolhendo os ombros e entrando depressa para dentro do carro. – Venha Careen, parece que já aborreci demais ao Senhor Holmes. Fique você ao meu lado.

John observou o amigo sentar-se ao seu lado silencioso, mas havia qualquer coisa de satisfeita em sua expressão. Quis observá-lo um instante mais e tentar entender o que se passava naquele espirito obscuro, mas sabia que se o tentasse seria apanhado em flagrante e não tinha muitos argumentos para encobrir suas verdadeiras intenções. Honestamente preferia uma conversa franca sobre o assunto, mas começava a entender que Mildred Arnet não era um assunto para o qual Sherlock Holmes tivesse muita disposição. Suspirou olhando para Mildred que agora estava quieta e parecia aborrecida.

– Algo a incomoda? – arriscou. Ao menos ela sempre era mais amável que o seu duplo masculino.

– Sherlock Holmes me aborrece desde que consigo me lembrar... – ela rosnou sem se mover. Sherlock ergueu os olhos e olhou-a por alguns segundos.

– Não devia dar atenção a ele... – iniciou sem se importar com o olhar do amigo que se voltava para ele e parecia pouco amistoso. – Devia saber que ele é pouco habilidoso para lidar com pessoas! – Sherlock ergueu uma sobrancelha diante daquela declaração e Mildred riu com prazer.

– Acabei de decidir que John Watson será o meu par nessa recepção! – o detetive desviou sua atenção, mas sua testa enrugou levemente. – Isso se você não se incomodar John... – sorrindo.

– De modo algum! – sorrindo de volta.

John evitou olhar para o amigo nos minutos seguintes. Não precisava olhar para perceber que estava sendo fulminado por um olhar que desconhecia, mas que lembrava bastante a obstinação dos casos mais complexos. Por algum motivo, achou que tinha ultrapassado um limite invisível. Mas simpatizava honestamente com Mildred e ela o deixava tão confortável que se sentia tão próximo dela como se eles é que tivessem crescido juntos. Lembrou-se de Harry...

– Chegamos... – anunciou o motorista com uma voz sombria.

Todos dentro do veículo se inclinaram para olhar para fora. A porta foi aberta e os quatro deixaram o veiculo. O motorista saiu em seguida para estacionar. A entrada ficava alguns metros acima, através de uma pequena alameda de pedra ladeada por canteiros de flores. John ainda estava contemplando a paisagem quando viu Sherlock tomar a frente e oferecer o braço a Mildred. Ela o ignorou solenemente, envolvendo as mãos na estola e olhando diretamente para John. Antes que Sherlock começasse a parecer bobo ainda na posição de quem oferecia o braço a ninguém, Careen o aceitou.

– Você conseguiu... – murmurou Careen.

A resposta do detetive foi um sorriso torto e cumplice. Tinha mesmo conseguido alguma coisa? De fato ele estivera tentando afastar sua não-irmã, mas não pretendia que ela o rejeitasse por completo. Uma distância segura era suficiente. Ela não precisava trocá-lo por seu melhor amigo. Qualquer coisa naquela situação estava cutucando o seu estômago. Procurou pensar no que encontrariam do lado de dentro e andou, tentando aparentar indiferença.



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Notas finais do capítulo

Finalmente chegamos... E agora?
Se gostarem ou detestarem, comentem, deixem uma sugestão,qualquer coisa!



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