Como recordação dos quinzes anos na cadeia por assassinato, o atual empresário Valente Gray traz tatuagens verde-mofo que cobriam todo o seu braço, dentre elas o símbolo do infinito. Nas costas a figura de um anjo tendo as asas cortadas por demônios chifrudos.

   Era um nefilim. Não sabia quem eram seus verdadeiros pais. Foi deixado, ainda criança na porta da casa de um velho conde, e dele herdou o sobrenome e uma riqueza inexorável. Estudou nas melhores escolas do século XV. Um de seus tutores falava sobre a bíblia e ensinou-lhe que houve ou ainda há uma raça degenerada, fruto da relação entre mortais e anjos. Eram imortais e poderosos: cada um domina um elemento da natureza. Apenas muitas décadas depois, ao ver a morte de todas as pessoas que amava, foi que descobriu que fazia parte desta raça. Era um nefilim com domínio sobre o ar.

   Viveu como nobre por três séculos, até que liquidou quase todo o dinheiro. Perdeu a nobreza e decidiu ir morar no Brasil. Ali, fundou, com seus últimos capitais, uma empresa inicialmente mineradora. Lucrou muito e tornou-se dono da maior mineradora e metalúrgica da América Latina.

   Tinha decidido ter filhos. Por volta de 1950, porém, lembrou-se de seu memorável tutor que citou um livro escrito por Adão no qual Eva, que foi a primeira nefilim filha de Gabriel e Lilith, se tornou humana ao ter um filho. Aprendeu arqueologia e viajou ao Mar Morto para desenterrar os manuscritos de Adão. Com uma série de operários ao seu comando escavou por anos, mapeou a região, estudou o solo. Até que encontrou o que procurava e confirmou a veracidade dos mitos. Não queria nem sonhar em perder o dom da imortalidade e o controle do ar, nem que para isso tenha que viver na solidão.

   Halael é contra a eliminação em massa da humanidade e nunca apoiou a carnificina promovida pelos anjos caídos na Primeira Expulsão, mas para sobreviver no mundo dos mortais precisava de dinheiro. Tornou-se um mercenário, um assassino de aluguel.

   Recebe um telefonema convidando-o para sua próxima missão. Vai até o escritório da empresa Valente Gray, onde o dono da metalúrgica lhe propõe muito dinheiro em troca da morte de uma garota.

   Ao entrar em seu gabinete, Halael sente um estranho frio que lhe deixa arrepiado. Ele olha para o empresário, que fugia do estereótipo de executivo impecável. O braço coberto de tatuagens, roupas típicas de um adolescente: camisa xadrez dobrada a três quartos, calças jeans, óculos escuros. Mascava um chiclete e escutava pelo fone de ouvido – mas tão alto que o mercenário podia ouvir – a música Highway to Hell da banda AC/DC. Halael identificou sua aura como sendo a de nefilim.

   - O nome dela é Becca Medeiros. Mate-a e terá a outra metade – diz Gray mostrando uma foto da moça e abrindo uma mala com vários bolos de notas de cem – Ah! Ia me esquecendo... Ela está grávida.

   - Bem, isso sairá um pouco mais caro. Matar duas pessoas, dentre elas uma criança que nem nasceu não é a mesma coisa.

   - Que seja! Só espero que cumpra com seu contrato.

   - Missão dada é missão cumprida. – Halael acena com a cabeça e sai.

   É claro que o próprio Valente Gray podia matá-la, mas não pretendia correr o risco de ir para a cadeia de novo. Não queria perder tudo o que conquistou em anos como empresário.

   Com seus poderes não foi difícil para Halael localizar Becca. Logo descobriu o motivo do assassinato. A moça espalhou que está grávida do empresário Valente Gray. O anjo renegado não sabia se era verdade e nem lhe interessa saber. Ele segue até o prédio onde Becca morava. Em frente ao seu apartamento sente uma presença angelical.

   Enquanto isso, lá dentro, Becca curtia a gravidez e os “quinzes minutos de fama”, quando alguém toca em seu ombro e diz:

   - Senhorita, eu não quero assustá-la, mas precisamos sair daqui agora! – a garota olha para trás, com medo e vê uma mulher linda, cabelo loiro e cacheado descendo até a cintura. Antes que Halael tentasse abrir a porta, anja Luciannah, ofanim de Becca, usa os dons da mente e a tranca.

   - O que está acontecendo? Quem é você? – pergunta Becca.

   - Sou sua protetora. Estão tentando te matar... Ah não! Será que eu escutei uma arma ser engatilhada? – diz Luciannah se jogando sobre Becca com cuidado para não machucar nem a mão nem o filho. – Pro chão!

   Halael arromba a porta com um chute e entra atirando. Ele vê Luciannah puxando Becca para a saída de emergência. O mercenário as segue ainda disparando.

   “Atirando numa garota grávida? Você acaba de entrar para a minha lista de caras que merecem uma lição”. – Halael escuta em sua mente. Luciannah é muito poderosa, uma das preferidas dos arcanjos, e a telepatia é só um de seus dons.

   Enquanto desciam as escadas, a ofanim diz a Becca:

   - Se quer viver suba naquela moto e tape bem os ouvidos. – apavorada, Beca sobe na moto indicada pela anja da guarda e faz o que ela pediu.

   Outro poder de Luciannah era o grito supersônico, também conhecido como Sopro de Deus. Ela o usa. A escada de fuga desmorona. Halael fica pendurado por um ferro que resistira preso à parede, a cabeça desorientada pelo grito agudíssimo. Em um tom cômico, a anja diz a Becca, antes de subir na moto:

   - Não queria fazer tanto estrago.

   Luciannah jamais pilotara uma moto, a propósito aquela moto nem é sua. Quando o dono aparece para reclamar que as duas estavam nela, a anja estende a mão sobre sua cabeça adquirindo todos os seus conhecimentos sobre motos. O homem desmaia e Becca pega as chaves e as entrega a anja, enquanto Halael pulara e correra ao estacionamento onde deixara seu carro.

   - Ele está vindo de carro – alerta Becca.

   - Não se preocupe Becca. Você e seu filho vão ficar bem. Tenho amigos lá em cima.

   “Quem é você? Não atrapalhe meu trabalho” agora é Halael quem fala na mente da ofanim. “Ordens de Miguel. Não posso deixá-la morrer” responde em sua mente.

   Halael atira mais uma vez e Luciannah é atingida no braço. Desequilibra-se e as duas caem da moto. O anjo renegado para o carro perto delas. Usa seus poderes de hipnose e pergunta:

   - O que Miguel quer com a garota, ofanim?

   - Não a mate! – responde a anja fugindo do olhar hipnótico.

   - Me dê um bom motivo.

   - Não posso contar. Você é um caído, não pode saber dos planos dos arcanjos. Só lhe dou um conselho: afaste-se de Valente Gray, ele é perigoso para você também.

   Luciannah fala isso e joga uma luz cegante em Halael, ergue a moto, ajuda Becca a subir e dispara. Quando se recupera e volta a enxergar, Halael vê que elas já têm fugido.