Monarchy Of Roses escrita por cakew


Capítulo 4
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- Todos nós iremos. Apenas os empregados ficarão no castelo, Eric. – Snow White suspirou e colocou a testa contra a porta do aposento. Ela sabia que seria difícil convencê-lo. – Eu não poderei deixá-lo sozinho aqui, e um pouco de ar fresco lhe fará bem.

            Ele não a respondeu. Parecia uma criança teimosa que queria contrariar as ordens dos pais apenas para ganhar um pouco de atenção, a diferença era que Snow não poderia castigá-lo por ser desobediente.

            - William quer nos ensinar a usar o arco e flecha. – ela sabia que Hammond não havia mencionado Eric quando lhe disse isso, mas diria qualquer coisa que pudesse mover aquele caçador teimoso. Snow ouviu ruídos dentro do quarto, e fechou os olhos agradecendo aos céus e torcendo para que ela estivesse o convencendo.

            - Você pode levar os seus machados. Tenho certeza de que William gostaria de aprender novas técnicas de caça. – ela comprimiu os lábios pensando em mais argumentos – Você poderia também me ensinar algumas manobras de defesa.

            Ele abriu a porta, fazendo-a se desequilibrar para frente, porém ela apenas sorriu ao ver que havia conseguido cumprir seu objetivo.

            - Não sorria. – ele alertou – Eu apenas abri a porta, isso não significa que irei acompanhá-la neste desfile. – sua feição era tão séria que quase parecia ser uma careta.

            Ela não parou de sorrir.

            - Não seja tão cabeça dura, Eric... Apenas por hoje.

            - Não estou sendo cabeça dura, majestade. – ele enfatizou o termo com desprezo – Apenas não vi vantagens em sua proposta.

            O sorriso desapareceu do rosto de Snow, e ela desviou o olhar.

            - Não faça isso por ser algo vantajoso, – ela murmurou – faça porque estou lhe pedindo. – voltou seu olhar para o dele, mirando seus olhos azuis. – Não lhe peço isso como rainha, mas como Snow White. Mas caso isso não funcione, terei de lhe pedir como rainha, e então você não terá escolha. Que fique claro que não quero fazer isso. – ela proferiu a última parte de seu pedido em tom de brincadeira.

            Eric balançou a cabeça em reprovação e esfregou os olhos com o polegar e o indicador.

            - Vejo que não terei paz até que diga sim. – disse ele em tom de derrota.

            Snow White sorriu e sentiu uma enorme necessidade de abraçá-lo, porém se conteve. Agora, sentia-se animada com a idéia de salvar a alma de Eric, e mal podia esperar pelo dia em que seria fácil convencê-lo de algo.

            - Vamos. Estão todos esperando por nós.

            Snow White saiu apressada, e Eric a seguiu com desânimo após prender seus dois machados em seu cinto. Perguntou-se como Snow era capaz de ter uma visão tão otimista do mundo, e como conseguia manter-se aparentemente serena em tempo integral, mesmo depois de tantos anos presa em uma torre, o que era um fato que poderia ter amargurado sua alma para sempre. A explicação que ele elaborou em sua mente, foi a de que, agora, a jovem rainha desfrutaria de tudo o que fora privada durante os dez anos que se passaram. Por um instante, Eric desejou visualizar o mundo da mesma forma que Snow White fazia. Talvez ela pudesse ensiná-lo.

            - Sentarei com Greta na primeira carruagem. – os devaneios de Eric foram interrompidos pela voz de Snow White. Ele não havia percebido, mas estavam no exterior da porta principal do castelo. Três grandes e belas carruagens abertas aguardavam por eles. – Hammond e Eric ficarão na segunda, e os anões na terceira.

            Eric olhou para os anões e conteve o riso. Todos, com exceção de Muir, utilizavam alguma substancia suspeita para prenderem os cabelos para trás, e vestiam roupas formais, porém descombinadas.

            Nion notou o olhar de Eric sobre ele.

            - Não comente nada, caçador. Sabemos que nunca estivemos mais elegantes. – ele disse olhando para sua esquerda e apontando para Eric em sinal de alerta. O caçador colocou o indicador sobre os lábios para novamente conter uma risada.

            Cada um dirigiu-se a carruagem a que lhe foi designada, e o comboio partiu em direção a primeira aldeia da lista. Todos, com exceção de Snow White e do duque Hammond já haviam visto um desfile da realeza, mas nunca haviam participado de um. A sensação era claramente diferente. Os que assistem veneram, e os que desfilam são venerados.

            Todos sustentaram um silêncio confortável até chegarem à primeira vila, pela qual Snow White sentiu uma estranha sensação de familiaridade. As cores cinzentas daquele lugar faziam-na lembrar-se do dia em que fugiu da torre do castelo e do controle de Ravenna. Aquele havia sido o primeiro lugar no qual buscou abrigo no início de sua fuga, mas viu moradores tão fatigados e desesperados quanto ela, então acreditou ser melhor buscar outro abrigo, porém acabou entranhando-se na Floresta Negra.

            Ela observava atentamente cada detalhe daquela vila destruída, e cada pequeno espaço sem vida parecia pedir por socorro. Crianças magras e sujas correram atrás das carruagens, e quando as pessoas que ali moravam perceberam que se tratava da nova rainha os visitando, trataram de se aproximar. Muitos procuravam por comida, mas alguns queriam apenas palavras bondosas e sinceras.

            O duque Hammond se prontificou a ajudar Snow White a descer de sua carruagem, e a guiou até o centro da vila. Anunciou a chegada da rainha aos aldeões, que aos poucos se aproximavam. Duas garotinhas de cabelos louros e encardidos brincavam com a barra do vestido da rainha, enquanto o duque sussurrava a ela:

            - Você não precisa dizer muito ou prometer algo que o reino será incapaz de cumprir. Apenas ofereça-os comida.

            Snow White não gostou do tom de repulsa que Hammond utilizou, e o censurou mentalmente por querer oferecer tão pouco enquanto muito mais poderia ser feito.

            - Estive aqui há muitos anos atrás, quando era apenas uma criança, – Snow White começou a dizer em um tom alto o suficiente para que todos a ouvissem. Tudo o que se podia escutar era sua voz e o choro baixo de um bebê – e lembro-me vividamente de como esta vila era. Haviam flores nas janelas das casas e felicidade nos rostos das pessoas. Os estômagos que rugem ansiando por alimento eram inexistentes aqui. – ela passou os dedos pelos cabelos de uma das garotinhas, e andou para aproximar-se da pequena multidão formada a sua volta. – Mas um período obscuro em nosso reino sufocou e matou tudo de mais belo que já existiu ao alcance de seu poder. Passamos por tempos de trevas, amigos, mas posso garantir-lhes que agora isso está acabado. Não há mais o que temer, e tudo o que desejo é restaurar a beleza deste lugar. Amanhã, carroças trarão pães e sementes a todos vocês. Mandarei arar as terras próximas, e nelas vocês poderão retirar seu sustento. Mandarei que tragam também instrumentos, para que reconstruam o que foi destruído. Farei o meu melhor para ajudá-los, e quero que façam o mesmo por si próprios. – ela finalizou seu simples discurso com um sorriso, e todos gritaram em aceitação.

            Vários aldeões se amontoaram ao redor da rainha, e mostraram sua gratidão da forma como puderam. Por alguns instantes, Snow White sentiu-se culpada por não ter levado alimento algum àquelas bocas famintas. Lembrou-se de sua farta mesa de desjejum, e desejou ter doado tudo aquilo a quem necessitava.

            Ela perguntou a Hammond se não havia nada que pudessem oferecer para saciar a fome daquelas pessoas – mesmo que por algumas horas. Mas ele balançou a cabeça em negação, e disse a ela que aquele desfile não tinha o objetivo de reabastecer, mas de acalmar e reerguer as esperanças.

            Os dois retornaram para a carruagem, e foram ovacionados até que saíssem completamente da vila, e agora rumavam á próxima da lista.

            Snow White suspirou, ela havia dito diversas promessas, mas gostaria de ter agido logo de início. Decidiu que não poderia esperar até o próximo dia, e assim que chegasse ao castelo de Hammond mandaria diversas carroças para abastecerem todas as vilas pelas quais passaria. Sorriu em aprovação a sua atitude e tentou deixar esta preocupação de lado ao menos por agora. Ela precisava se concentrar, ainda haviam seis vilas a serem visitadas.

            - Seu discurso foi maravilhoso, majestade. – parabenizou Greta, e Snow sorriu em agradecimento.

            As duas permaneceram em silêncio ouvindo o galope dos cavalos que soava alto. Snow observou a natureza ao seu redor. Adentravam aos poucos em uma floresta, e a sombra das árvores cortava os raios de sol que banhavam seu rosto. Ela olhou para cima, segurando a coroa em sua cabeça com os dedos de uma das mãos e observando a copa das árvores que ficavam para trás, então fechou os olhos, sentindo o frescor do vento batendo em seu rosto e fazendo seus cabelos se libertarem. A sensação era incrível e nostálgica, ela teve de abrir os olhos novamente para se certificar de aquilo não era apenas um sonho.

            Olhou ao redor mais uma vez, a paisagem havia mudado, as árvores deram lugar a pastagens e a uma decadente plantação de trigo. Snow White já era capaz de vislumbrar a próxima vila se aproximando, e ao longe ela parecia uma réplica fiel da primeira.

            Snow olhou para trás, e atrás do chofer viu o rosto pálido de Eric. Seu olhar era fixo em algo, porém vazio. Ele parecia segurar-se firme nas bordas da carruagem, e era visível o fato de que ele não estava aproveitando devidamente a experiência pela qual fora obrigado participar. Por alguns instantes, Snow White perguntou-se se havia errado ao insistir tanto para que ele a acompanhasse, mas rapidamente se deu conta de que, caso ele não fosse, sua preocupação não a deixaria em paz durante o desfile. Como ela poderia pensar em discursar enquanto sabia que havia deixado Eric, em péssimo estado de saúde, sozinho? Talvez obrigá-lo a viajar não fosse uma atitude prudente, mas ao menos ele estaria sob os cuidados dela o tempo todo em que estivessem fora. Ela não seria capaz de fazer muito por ele, mas ao menos poderia segurar seus cabelos caso ele precisasse expelir o que ainda restava de álcool em seu organismo.

***

            Era a quinta vila e Eric já havia vomitado três vezes durante o trajeto até ali, sendo sempre discreto e curvando-se o máximo que podia para fora da carruagem em movimento. Ele sentia-se cansado, e tudo o que desejava era voltar ao castelo. Sabia que não deveria ter cedido à insistência de Snow White, e agora se perguntava se seria assim tão fácil para que ela lhe convencesse de realizar seus caprichos.

            Eric desceu de sua carruagem sentindo-se patético. Era irritante sentir tantos olhares voltados para si, e ele gostaria de ser apenas mais um aldeão camuflado no meio de tantos outros que no momento tinham como único dever escutar a rainha.

            Ao pisar no chão de pedras e terra, notou que aquela vila possuía melhores condições do que todas as outras que haviam visitado até agora. A miséria era perceptível no rosto dos moradores, mas era suportável se comparada às outras misérias que havia visto ao longo daquele dia.

            - Eric? – alguém o chamou, e o caçador procurou pela voz familiar enquanto semicerrava os olhos para poder enxergar melhor em meio a multidão.

            Mãos pesadas e largas seguraram seu ombro esquerdo. Com o olhar ele acompanhou o braço daquela pessoa e viu que se tratava de Benjamin.

            - O que faz aqui, homem? – um sorriso confuso e alegre pairava sobre os lábios do senhor.

            - Benjamin? – perguntou Eric surpreso. – Essa é a vila onde mora? – ele fez um gesto com as mãos para indicar o local no qual estavam.

            - Sim, desde que nasci. – ele comprimiu os lábios – Durante os últimos anos houve momentos em que vaguei como um nômade, mas deixei meu coração guardado aqui. – Benjamin alterou seu tom de voz normal para um preocupado - Você não parece bem, Eric. Venha, vamos nos afastar desta multidão.

            Os dois esgueiraram-se em meio às pessoas e encontraram um local vazio ao lado das ruínas do que antes deveria ser uma casa. O local era mais elevado, portanto tinham perfeita visão do que acontecia logo à frente. Viam a rainha discursar e conversar calorosamente com os outros aldeões.

            - Diga-me se estou louco, ou realmente vi você descendo de uma das carruagens reais? – Benjamin franziu as sobrancelhas para expressar sua dúvida.

            Eric encarou o sol que se preparava para sumir no horizonte enquanto pensava em uma explicação plausível.

            - Você não está louco, Benjamin. – ele suspirou. Dizer-lhe a simples verdade parecia o caminho mais simples.

            - Céus! – Benjamin estava claramente mais confuso do que antes. Ele queria encarar Eric, mas este se recusava a olhá-lo – Você está morando com a rainha?

            - Eu a ajudei a matar Ravenna. – Eric finalmente direcionou o olhar para Benjamin.

            - Bem, eu também, mas não fui convidado para morar junto à realeza ou agir feito um nobre.

            - Não estou agindo feito um nobre, Benjamin. – havia uma pontada de irritação no tom de voz de Eric.

            - Você estava sentado em uma carruagem real enquanto participava de um desfile da realeza, Eric. Não percebe?

            Vendo que não possuía argumento algum para contrariar Benjamin, Eric simplesmente bufou. O senhor tinha razão, ele estava agindo como um nobre, algo que nunca cogitou ser. Eric sempre teve a idéia de que os nobres eram seres egoístas, incapazes de se esforçarem para enxergar e/ou ajudar àqueles que passavam por dificuldades. Eram pessoas que possuíam todas as riquezas, mas se recusavam a compartilhar uma pequena parte daquilo com quem nada tinha. Porém, quando soube que Snow White era a filha do rei, notou que suas idéias estavam abertas a alterações.

            Os dois permaneceram em silêncio por um longo momento, apenas tentando escutar o que a rainha dizia, mas a distância levava suas palavras para longe. Benjamin estava inquieto, curiosidades e preocupações atormentavam sua mente, e viu que não estaria em paz até que perguntasse a Eric:

            - Filho, você me disse o que houve com seus pais, mas, caso não seja muita intromissão minha perguntar, onde está a sua família? Você é jovem, porém crescido o suficiente para ter esposa e filhos.

            A pergunta de Benjamin acertou Eric como o golpe de uma espada quente e recém afiada, lisa o suficiente para não encontrar obstáculos ao rasgar a pele. Ele sabia que teria de responder, pois aquela não seria a última vez em que veria Benjamin, portanto não haveria forma alguma de fugir do assunto senão encerrá-lo de uma vez por todas.

            - Fui casado há um tempo. – sua resposta foi lenta e cheia de dor, mas seu ponto final soava definitivo.

            - Posso imaginar o que houve com sua esposa, e sinto muito por isto. – o tom de Benjamin era solidário. Ele não insistiria no assunto, pois o desconforto de Eric era tanto que chegava a ser contagiante. – Mas você não deveria desistir agora, filho.

            Eric o olhou tentando compreender o que suas palavras significavam.

            - Como disse, você é jovem. Corações jovens funcionam muito bem e precisam ser preenchidos com algo para que não parem. – um dos cantos dos lábios de Benjamin se repuxou para cima.

            Ele passou um dos braços em volta dos ombros de Eric, e apontou para o local onde o discurso estava acontecendo.

            - Veja aquela jovem. – sugeriu Benjamin.

            Eric olhou para onde o senhor apontava, e a primeira coisa que viu foi Snow White. Sua figura era baixa e de aparência frágil, usava um vestido verde (da cor de seus olhos) que a deixava ainda mais encantadora, e gesticulava animadamente aos aldeões enquanto andava de um lado para o outro.

            - A rainha? – Eric perguntou para certificar-se.

            - Céus, não. Aquela jovem. – Benjamin apontou novamente – A dama de companhia da rainha.

            Eric quase engasgou.

            - Está falando de Greta, senhor?

            - Se este for o nome dela... Sim, estou falando de Greta. – Benjamin sorriu.

            Eric balançou a cabeça em reprovação.

            - Estou bem sozinho, Benjamin.

            - E estar apenas “bem” lhe é o suficiente? – Benjamin arqueou uma sobrancelha para Eric, e em seguida retirou o braço de cima de seus ombros. – Com licença, rapaz, mas tenho que preparar algo para que meu neto possa alimentar-se. Pense no que eu lhe disse, Eric. – Benjamin falou enquanto se afastava rumando uma casa cinzenta.

            Eric viu-se sozinho naquele local enquanto pensava no que havia acabado de escutar. A idéia de relacionar-se com Greta era absurda, ele jamais havia cogitado tal possibilidade, além do fato de que sentia-se incapaz de sentir novamente o que uma vez sentiu por Sara.

            Com o objetivo de observar Greta, ele novamente voltou seu olhar ao discurso que acontecia, mas pegou-se olhando para Snow White que estava envolvida com suas próprias palavras. Lembrou-se dos últimos quatro discursos, e de toda a esperança que a rainha havia depositado nas pessoas que a ouviram. Snow era de fato diferente de todos os outros nobres que Eric já conhecera.

            Seus pensamentos foram interrompidos pelo urro comunitário que irrompeu do silêncio que dominava a vila, então ele soube que o discurso havia acabado. Dirigiu-se lentamente a sua carruagem, de modo que se encontrou com Snow White no local onde o comboio estava parado. Vendo que a rainha passava por dificuldades para subir no veículo, Eric ofereceu sua mão para ajudá-la, e inicialmente Snow estranhou a atitude cavalheira e incomum do caçador, mas aceitou seu gesto. Ela conseguiu sentar-se e lançou a Eric um sorriso terno em agradecimento, e ele notou que Snow White era ainda mais bela quando sorria.


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