Notas Suicidas escrita por Pu_din


Capítulo 32
Anotação n°31




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O hospital onde Sebastien se recuperava era um dos mais lotados da cidade, e hoje não poderia estar diferente. Cheguei encolhido em minha jaqueta rota e velha clamando mentalmente pelo meu lindo, caro e negro moletom roubado, querendo seu calor agradável, mas ao entrar na recepção do hospital descartei a idéia de imediato. O local estava cheio de pessoas inquietas, macas com corpos enfermos passando de um lado ao outro, cadeiras de rodas frenéticas e bancos de espera lotados. Tudo isso fez com que o ambiente se tornasse abafado, confortável para meus músculos contorcidos pelo vento gelado das ruas.
Ainda tonto pelo choque térmico, vacilei até o balcão de atendimento e espremi meus ombros entre dois garotos inquietos, e tentei falar com uma atendente nada simpática:
- Oi, com licença, eu queria visitar um paciente e...
- O senhor é da família dele? – uma senhora carrancuda com os cabelos ruivos puxados para trás me encarava com a feição aporrinhada.
- Eu? Não, mas...
- Então não pode visitar ninguém aqui.
Cheguei mais perto da senhora e insisti, sentindo uma ponta de desespero fluir em meu sangue.
- Por favor! Eu preciso vê-lo hoje.
- Sabe que horas são, mocinho? – a ruiva apontava para o relógio pendurado na parede à sua esquerda, nervosa. – São quatro horas!
Eu balancei a cabeça sem entender.
- Quer dizer, senhor, que o horário de visitas terminou já faz meia hora.
- Mas eu preciso vê-lo! – exclamei batendo as mãos no balcão, sentindo meu humor afundar.
- Não posso ajudá-lo – a velha disse, indiferente.
- Por favor!...
Outro rapaz me empurrou da frente da atendente com muita pressa, e eu quase escorreguei no chão cremoso do hospital, mas apoiei-me em tempo numa coluna de concreto ao meu lado. As vozes e o mormaço me deixavam aflito. Meu plano entrara em declínio, e isso era inadmissível em minha mente. Não era justo eu ter feito uma viagem em vão, já que eu poderia ser pego a qualquer momento por Joseph, e sabe-se lá o que ele poderia fazer comigo. E para piorar, meu pai estava estranho, o que me deixou um pouco receoso. Na verdade, tudo estava estranho, até eu me achava um sujeito completamente diferente do que eu era algum tempo atrás, e isso foi me deixando furioso. Furiosamente estranho.
Ainda apoiado na coluna ao meu lado, empurrei um senhor que me sufocava e disse à atendente ruiva uma única frase, quase uma súplica:
- O Sebastien, como ele está?
A velha encarou-me e apoiou os cotovelos na mesa, incrédula.
- Mas você ainda está aqui?!
- Por favor, pelo menos me fala como esse cretino está.
Eu vi sua sobrancelha arquear-se por causa do meu “cretino”. Ela cedeu.
- Tudo bem, deixe-me ver – a senhora pousos os olhos em uma lista com vários nomes. – Sebastien do quê, mesmo?
Apoiei-me com mais firmeza no balcão para não cair, e respondi, com um branco repentino na memória:
- Acho que é Sebastien... Leveb-Lefebvri. Algo do tipo.
A atendente começou a procurar o nome na extensa lista enquanto eu tentava lembrar o sobrenome certo de Sebastien, e o rapaz à minha direita nos atrapalhou.
- Como é o nome do cara que vocês estão procurando? – um garoto careca e corpulento indagou.
- É Sebastien alguma-coisa. Eu não me lembro.
- Lefebvre?
- Isso aí – assenti com a cabeça.
O cara sorriu, sua careca reluzindo por causa da luz em nossas cabeças.
- Eu e ele somos amigos do Seb – o sujeito apontou para o rapaz ao seu lado, que parecia ausente. – Meu nome é Jeff, Jeff Stinco. Esse aí é o Pierre.
O tal do Pierre me olhou e me cumprimentou com a cabeça, e logo voltou a refletir.
- O meu é Gerard Way – sorri para os dois, e olhei de volta para a ruiva, que nos observava.
- Então o senhor está com esses dois? Ora, por que não me disse antes! – ela murmurou sem paciência. – Aguarde com eles no terceiro andar, é por aquela escadaria, e logo vocês poderão entrar no quarto 405, que é onde Lefebvre está.
A velha pôs-se a falar com outro homem que pedia informação, e nós três andamos até as escadas indicadas, e subimos em silêncio.
- É por aqui – Jeff nos guiava para um corredor extenso e claro, com vários quartos fechados, todos com uma placa com os dizeres “Entrada somente com acompanhamento médico”. Eu olhava aquele local com uma ponta de terror e ansiedade. Queria terminar aquilo logo e fugir daquele hospital o mais rápido possível.
Nós três sentamos numa sala de espera no fim do corredor. Estava vazia e calada, somente com uma televisão ligada para animar os espíritos presentes. Não gostei disso.
- Gerard Way? – Pierre encarava o branco da parede em nossa frente, ignorando por completo a TV. – É esse mesmo seu nome?
- É, sim. Por quê?
Ele riu de maneira desanimada.
- A Hayley falava muito de você. Falava muito. Ela dizia que você era fantástico...
- É mesmo? – meus olhos ficaram úmidos, e esfreguei-os para não acontecer nenhum desastre.
- É. O Sebastien morria de ciúmes... Era engraçado. Agora ele está inconsolável – Jeff murmurou, olhando-me de soslaio.
- Você chegou a conhecer o Seb? –perguntou Pierre.
- Foi na casa da Hay, antes deles saírem. Mas só uma vez. Eles pareciam tão felizes... – comentei, remoendo os fatos de modo melancólico.
- Pois é – Jeff sorriu, e direcionou os olhos para a televisão.
Uma enfermeira saiu de um quarto distante, e nós três a olhamos automaticamente, já que vinha em nossa direção. A moça parou perto de nós, e sua voz soou como um sussurro:
- Vocês três são os visitantes do quarto 405?
Nós assentimos.
- Já podem entrar, mas um de cada vez, por favor. Sebastien acabou de receber a visita de seus pais, que autorizaram a entrada de vocês. Mas peço que não façam muito barulho, ele precisa de paz para se recuperar.
Concordamos mais uma vez, calados, e nos entreolhamos.
- Acho melhor você ir primeiro, Gerard, depois a gente vai – Pierre murmurou e sorriu, como se me desse forças.
- Tudo bem, eu vou ser rápido.
Levantei-me do banco e acenei para os dois, seguindo a enfermeira em direção ao quarto 405.


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