Notas Suicidas escrita por Pu_din


Capítulo 12
Anotação n°11




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O sábado foi horrível. Não dava pra sair porque estava um frio maçante, e não passava nada de produtivo na TV. Lembro-me de ter ficado mais da metade do dia deitado na minha cama, fitando a merda do teto. Tentei ligar pra Hayley, mas seu telefone sempre estava ocupado. E eu também não tinha nenhum meio de contato com Frank. Aquele foi um dos dias mais longos da minha vida, e também foi o dia em que o pijama quase se tornou um pedaço de mim.
Fui pra sala me afundar no sofá, e liguei pela quinta vez a televisão. Estava passando uma reportagem sonolenta sobre a terceira idade. Velhinhos muito acabados falavam sobre seu passado triste, ou sobre com que freqüência iam ao bingo. Aí eu comecei a me imaginar daqui a cinqüenta anos. Eu teria sessenta e sete anos, e moraria em uma cidade de interior bem isolada, junto com meus cinco filhos, todos com olhinhos verdes e cabeludos, igual ao pai. Eu iria jogar bingo todas as quartas, e nas quintas eu iria caçar na floresta ao lado da minha casa, junto com Arthur II, meu filho mais velho. E aos sábados friorentos eu iria tomar chá junto com a pequena Anne, minha filhinha mais nova, e iria dormir às sete e meia, nem um minuto a mais, nem um minuto a menos. De fato, minha velhice seria incrível.
Na mesma reportagem, passou a morte de vários velhinhos que deram entrevista, mas não de um modo mórbido, e sim de uma maneira gostosa de ver alguém morrer, se é que existe. E para a salvação de meus pensamentos futuros, o telefone toca.
- Oi – eu disse.
- Gerard?
- Sou eu, Hayley – reconheci rapidamente a voz dela.
- O que você tá fazendo?
- Vendo velhinhos morrerem. E você?
Ela riu.
- Nada. Vem pra cá, cara. Tá um saco, hoje.
- Só se você me der um daqueles doces coloridos.
- Tudo bem, tem um monte aqui. Minha mãe comprou. Você vem ou não?
- Já estou indo – disse-lhe.
- Beijos.
Desliguei o telefone e olhei o relógio. Já eram seis horas da tarde. Corri pro meu quarto e coloquei qualquer roupa, e vi, lá no fundo do armário, um moletom preto todo estampado que havia comprado com meu primeiro salário da lanchonete. Ele era caríssimo, mas era bonito: de um lado tinha a estampa de costelas humanas, e do outro algumas frases em latim. E tinha um gorro com estampa de crânio. Era um pouco assustador, vamos dizer assim, mas eu era tarado por ele, e por ser tarado até criei certa devoção, tanto que nunca o usei.
Fiquei encarando-o por um tempo, e logo me lembrei da morte gostosa dos velhinhos. Tirei a jaqueta que estava e o vesti, pois a qualquer momento pensei que poderia morrer, e se fosse esse o dia, pelo menos eu havia usado meu moletom caro e idolatrado.


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Notas finais do capítulo

[/desculpem - de novo - a demora , esse feriado atrasou minha vida -oiq ;**