As Blue As Love Can Be escrita por Menta


Capítulo 10
Destino


Notas iniciais do capítulo

Tcharam! Nesse capítulo não vai "acontecer" de fato, muita coisa, mas é MUITO importante pro desenvolvimento do personagem! É agora que ele reverá o amor de sua vida, e conhecerá alguém que nunca julgara ser possível de caminhar sobre este mundo, nossa querida Sansa!
Boa leitura, queridos!



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Petyr acabara de chegar ao bordel. Era uma manhã cinzenta, e aqueles lados de Porto Real acordavam, ao cheiro de frutas, temperos, suor e cerveja choca do dia anterior. Caminhando pelas ruas de pedras amareladas, de maneira furtiva e suave, Petyr lembrava-se, ainda um tanto entontecido e mesmerizado, da tarde do dia que havia passado.


O tyroshi havia avisado-o da data em que os dois chegariam via galé na cidade. Petyr há muito sabia sobre a viagem de Lady Catelyn Stark e de seu cavaleiro Sor Rodrik, um gordo velho que já deveria há muito ter sido destituído de seu cargo, segundo Petyr. Mais um exemplo da tola lealdade bruta e impensada dos nortenhos. Ficava lívido de fúria ao pensar que apenas aquele gordo estúpido havia acompanhado Cat, nessa travessia tão perigosa, na qual inocentemente tentavam passar desapercebidos. O convívio com Eddard Stark de fato subira a cabeça inteligente de Cat, enevoando sua mente e tornando-a mais ingênua do que costumava ser.


Mas, antes de mais nada, estava confuso. Petyr achava que seus sentimentos de garoto há muito haviam sido sobrepostos pelos seus novos objetivos de vida, e pelo rancor que acabou por nutrir por tudo e todos das terras do Tridente. Ainda arquitetava planos de vingança, mas, mais importante do que isso, eram seus objetivos de escalada social. Desejava o poder ardentemente, e, além de tudo, sabia-se merecedor. Poderia governar muito melhor do que a maioria dos senhores que conhecia, e, quem sabe, até mais do que "simplesmente" isso...


Porém, mesmo ciente de suas manobras e objetivos futuros, e o que deveria fazer para que funcionassem, não estava preparado para o choque que fora reencontrar Catelyn. Em teoria, estava pronto havia muito; afinal, fora ele mesmo que tramara e antecipara a ida de Cat à Porto Real, não só para vê-la mais uma vez, como também para preocupar a Mão do Rei e facilitar o semeio da tensão e discórdia entre o sul e o norte, facilitando sua influência sobre Eddard Stark. Mas, de fato, não fazia ideia do que o esperava.


Quando aguardava que Cat fosse levada pelos seus espiões ao seu escritório de Mestre da Moeda, Petyr lembrava de como a jovem mulher fora. Linda, maravilhosa, intocável. Sua rainha do amor e da beleza. Mas, como seus sonhos adolescentes, isso fora há muito tempo atrás. Ter Cat sempre seria seu desejo frustrado, e ela sempre seria a mulher que mais amara na vida, mas não imaginava a força que tais sentimentos ainda poderiam ter dentro de si.


Ao vê-la, amadurecida, já com 30 anos de idade, uma mulher feita, casada, mãe de vários filhos, Petyr sentiu algo que não lembrava há muito tempo. Quando ela depositou seus olhos nos dele, aqueles olhos, as lagoas do mais belo azul cerúleo que Westeros já fora abençoado de ter, Lorde Baelish sentiu seu coração comprimir-se tanto que ameaçava parar. A mera presença de Catelyn despertava nele muito mais do que seria capaz de tentar explicar. Era hipnotizante, entontecedora, como o brilho de seus olhos tão entorpecente que lhe atingia a alma.

Não teve outra escolha além de baixar a pena que usava para escrever e sussurrar “Cat”, ao que a mulher lhe respondera com rispidez, palavras que agora eram turvas em sua memória, totalmente tomada pelo azul e sua beleza além do imaginável. Tal tratamento fechado e desconfiado fora como um golpe em sua alma, e Petyr voltou a sentir aquele torpor, aquele verdadeiro estupor perante aquela que era e sempre seria a mulher da sua vida.


Mesmo que jamais pudesse vir a tê-la.


Tentando desviar-se de tais pensamentos que ruminava sem parar em sua mente, mesmo contra a sua própria vontade, Petyr acelerou o passo e subiu as escadas. Bateu levemente na porta mais afastada do corredor, sussurrando bem baixo: - Sou eu.


Catelyn abriu-lhe a porta, os olhos azuis ligeiramente estreitados e caídos, brilhando sonolentos. Petyr sentiu seu coração aquecer. O que está acontecendo? Sou um pirralho de novo?


Catelyn fez-lhe uma ligeira reverência, tão típica da polida e bela menina adolescente que em outra época fora. Petyr não pôde evitar sorrir, e respondeu-lhe com a mesma cordialidade. Entraram ambos no quarto, e Petyr fechou a porta lentamente, evitando fazer ruídos. Sentia quase como se fossem crianças de novo, planejando alguma travessura em Correrrio.


Hospedara Cat em seu próprio quarto do bordel, onde passava algumas noites em que não desejava ser atrapalhado por membros da Corte, e raramente era visitado por prostitutas. No máximo, por Lysa Arryn. Preferiria que fossem putas.


– Bom dia, Petyr. A que horas crê que poderei me encontrar com Ned?


Viera a menção ao nome de mais outro maldito nortenho, este o pior de todos: o que roubara Cat dele sem ter mérito algum, e ainda por cima ousara com ela construir uma família. Isso fez o homem estremecer. Rapidamente, porém, recompôs-se, para que Catelyn não percebesse.


– Teremos hoje reunião do Pequeno Conselho, cara senhora. Infelizmente não poderei trazer-lhe seu marido tão rapidamente quanto desejaria. – Falou a frase com desprezo, embora Cat não parecesse perceber.


– Trazer-me? Petyr, não crê que está exagerando? Certamente há maneiras, ou meios, de me encontrar com ele sem que para isso precise ficar trancada aqui.


– Fere-me, senhora. Está dormindo no melhor quarto do meu melhor bordel. – Deu um sorrisinho. – O meu, diga-se de passagem.


Catelyn fechou a cara para ele. Imobilizado e sem defesas por conta de seu profundo olhar de censura, Petyr sentiu-se contrito. Havia esquecido de que Cat não era muito fã de brincadeiras desse gênero, e prontamente desculpou-se. – Estava apenas brincando, senhora. Tentando deixá-la despreocupada. O importante é que aqui está protegida, e nem mesmo Varys e seus passarinhos poderão vir importuná-la.


– Não confio nesse homem, Petyr. Como ele poderia saber de Aron Santagar, se não falei de meus planos para mais ninguém além de Sor Rodrik? – Cat parecia desconfiada e temerosa, e Petyr sentiu vontade de abraçá-la. Havia esquecido o tamanho da afeição que aquela mulher lhe despertava, tão atípica de ser sentida por uma pessoa como ele. Cat sempre lhe importunava e perturbava os pensamentos, e não era capaz de raciocinar muito bem próximo dela.


– Faz bem, senhora. Recomendo que não confie em ninguém desta cidade, e que alertasse seu marido a fazer o mesmo. Ninguém, além de mim, é claro. – Sorriu, tomou-lhe a mão e deu-lhe um beijo educado.


Catelyn estremeceu levemente, e Petyr lembrou-se de como costumava sentir-se apunhalado por dentro de seu espírito, quando Cat lhe fazia essas pequenas rejeições. Franziu o cenho, e afastou-se um pouco dela.


– Cat. – Petyr desviou os olhos dela e fixou-os na janela ao fundo do quarto. – Essas bandagens estão velhas. Permita-me cuidar dos seus ferimentos. Como sempre fiz antes. – Fez questão de falar essa última frase evitando ao máximo mostrar segundas intenções, tentando assim despertar na mulher as memórias ternas de infância de ambos, e deixá-la mais convidativa à sua presença.


Funcionou. Cat aproximou-se dele lentamente, baixou as mãos ao colo, a segurar uma na outra. – Petyr. Muito obrigada, mas não será preciso. Agradeço de coração por estar sendo tão bom para mim. Confesso que não imaginava ser tão bem recebida. – Quando o disse, corou levemente, e pareceu mais uma vez aos olhos de Petyr como a moça que conhecera e amara em tempos de outrora.


– Mesmo se quisesse, não conseguiria fazer diferente. – Petyr sorriu, mesmo sem saber se Cat acreditaria em suas palavras. Se não estivesse sentindo o que sentia, nem ele mesmo acreditaria.


Catelyn sorriu para ele com meiguice. Mesmo após tantos anos, continuava linda. Teve ao todo cinco filhos, crianças brutas nortenhas, imaginava Petyr, com provavelmente o rosto estúpido e selvagem do pai, o qual ele também ainda não conhecia. E, mesmo assim, não perdera o encanto da sua juventude. Seus olhos agora eram lagoas ainda mais profundas, e quando falava de sua família, mostrava tanta felicidade... Por um estranho motivo, Petyr sentiu uma sensação de choro prender-lhe a garganta.


– Suas filhas devem estar chegando à cidade muito em breve, senhora. São duas no total, certo?


– Sim. São minhas queridas... Preocupo-me muito com elas, sozinhas, aqui. Arya é impossível, mas amo-a tanto. Tem um espírito tão alegre, sempre curiosa, e é tão inteligente. Também, graças aos deuses, nasceu com um coração maravilhoso. Assim como todas as minhas crianças. A mais velha é Sansa, e, Petyr, ela é TÃO linda! – Cat sorria deslumbrada, quase suspirando, pensando nas filhas. Nem parecia a senhora polida e formal que agora mostrava-se sendo. Petyr estava divertido e atordoado ao mesmo tempo, com um turbilhão de emoções que julgava há muito mortas dentro de si. Não lembrava-se de mulher alguma ter esse tipo de poder sobre si, e ele já havia conhecido e se deitado com várias ao longo dos anos.


–...Ela herdou os cabelos da minha família, e os nossos olhos também. São tão azuis, Petyr. E ela é tão meiga... Só me preocupo muito com a sua personalidade inocente. Só quer saber de canções, livros românticos e coisas do gênero. Já está próxima da idade de se tornar mais madura...


Depois de tantos anos. Depois de tudo... Catelyn Tully, agora Stark, estava lá, na sua frente, em um dos seus quartos de um dos seus estabelecimentos, contente e orgulhosa, falando pelos cotovelos. Era surreal. E, ao mesmo tempo, tão distante. A moça que amara já se fora, e Catelyn agora tinha outra vida, outros interesses, e outros motivos para sorrir... A distância que havia entre os dois só havia aumentado, e agora o brilho dos seus olhos não pertencia a mais nada que tivesse relação com ele.


Petyr sentia-se entontecer, e teve de segurar na borda de um móvel para não cair no chão.


– Cat... Sua família lhe faz realmente muito feliz, não? – Sentia que se vacilasse em seu fingimento, o mínimo que fosse, as lágrimas escorreriam dele como quando era um garotinho. Fazendo seu máximo de esforço, Petyr tentou esconder suas emoções, e manter-se frio e distante o melhor que pudesse. Estava muito ferido, e não suportaria deixar isso assim.


– Você não faz ideia, Petyr. Nunca imaginei que pudesse ser tão feliz antes. Até mesmo em Winterfell, onde confesso me sentir uma estranha algumas vezes, agora consigo encontrar um lar, como antes em Correrrio. Meus filhos são meu maior tesouro... E Ned, claro, mas... – Cat tentou engolir a última frase, mas deixara escapar.


Petyr não aguentaria fingir não ter ouvido aquilo.

– Curioso. Não mencionou o menino a quem chamaram, como era mesmo o nome, Jon Snow? Não faz parte de sua família, também? – Cuspiu a última frase com fúria, entretanto, mantendo a voz no mesmo tom monocórdio em cada palavra, como se nada do que estivesse sendo dito tivesse maior importância do que uma conversa sobre o tempo. Nunca mais se submeteria a um Stark, e nada mudaria isso. Poderia estar agindo como uma criança infantil, mas era mais forte do que ele.


A expressão de Catelyn mudou da água para o vinho. Levantou o braço, quase como se fosse estapear o homem, mas ele se afastou mais rapidamente. Subitamente, o clima entre os dois esfriara bastante, e, com uma voz seca e fria como gelo, Catelyn respondeu-lhe, olhando em outra direção.


– Creio que acabamos por aqui, Lorde Baelish.


– Concordo, senhora. Tenha um bom dia. – Não fez a menor menção de sorrir, tampouco de reverenciá-la. Só não conseguiu segurar um olhar furtivo aos seus olhos. Não conseguia. Era sempre hipnotizado para eles, não importando o quanto lutasse contra.


Nas lagoas de cerúleo, antes fonte de calor e afeição para seu amor infindável de menino, o gelo havia congelado seu azul. Ned Stark não apenas levara o amor da sua vida, como congelara em seus olhos aquilo que uma vez fora seu motivo de viver.


Petyr virou as costas para a mulher, e, com passos brandos, saiu. Friamente fechou porta de seus aposentos, sem mais dizer palavra.





***

Mais tarde, Petyr reunia-se com os lordes do Conselho, e teve o desprazer de conhecer Ned Stark. Se não tivesse certeza de quão útil e necessário o homem seria para seus desígnios futuros, talvez tivesse vomitado em sua presença.


Eddard Stark era a manifestação física e psicológica de tudo o que imaginava e desprezava. Bancava o altivo nobre senhor, quando, na verdade, era mais tolo que um mercador de VilaVelha. Não conhecia nada sobre o funcionamento do mundo além do que se limitava à batalhas e espadas. Um soldado burro e limitado.


Petyr via o olhar quase faminto de Varys por sobre o homem. Realmente. Manipular esse homem será como tirar doce de um bebê. Quase entediado, deixou a reunião passar. Findadas todas as discussões, sabia o que deveria ser feito.


Seguiu-o até o homem aparentar estar se dirigindo à Torre da Mão, provavelmente em busca de seus aposentos. Com destreza, convenceu o tolo homem a acompanhá-lo, contando-lhe de que Cat estava na cidade, e sentiu seu estômago embrulhar ao ver um lampejo de afeição cruzar o olhar de Ned, antes frio e distante como a neve do Norte, mas, por esse breve instante em que mencionara sua esposa, caloroso e quase alegre. Não a merece, nem nunca vai merecer. Nenhum de vocês que a roubaram de mim.


Controlou-se o máximo que pôde para não provocá-lo a respeito do bastardo, pois sabia que só estragaria seus planos, e levou-o ao bordel. Qual não foi sua surpresa quando Ned Stark empurrou-o contra o muro do edifício, sacando um punhal, acreditando tratar-se de uma piada de sua parte. IDIOTA! Teria gritado, se o homem não estivesse sufocando-o. Ironicamente, teve de ser salvo por outro tolo bufante, que vinha correndo em seu auxílio. O gordo Sor Rodrik aproximava-se, explicando-lhe que Petyr não mentia, e que se tratava mesmo de Catelyn escondida em um bordel.


Ao menos está terminando... De uma coisa Petyr tinha muita certeza. Ao menos por enquanto, não tinha capacidade de ficar próximo de Catelyn. As feridas eram profundas demais para sarar, e, quando se aproximava dela, faziam questão de se abrir e sangrar novamente.


E, assim, Petyr tomava consciência finalmente... Nunca a esqueceria.


Subiu as escadas e levou o homem de encontro a Catelyn. Não acredito que estou mesmo fazendo isso. Desviou o olhar quando ambos se cumprimentaram. Não conseguiria vê-la beijando e abraçando qualquer homem que fosse. Ela era dele, sempre deveria ter sido, mesmo que nunca pudesse tocá-la.


Debochou de Ned Stark quando este sussurrou o nome de Catelyn por seu apelido carinhoso. Sentiu as estranhas retorcerem. Ele não tem direito de chamá-la de Cat. Disse-lhe, com a voz repleta de sarcasmo: – Ah, ótimo. Vi que conseguiu reconhecê-la.


Observava enquanto o casal Stark levava uma conversa rápida e emocionada sobre os últimos acontecimentos, e aproveitava para plantar aqui e ali a semente de discórdia a respeito dos Lannister, dessa vez na mente de Eddard Stark. Cat engolira fácil a isca a respeito do Duende, o que deixava Petyr curioso. Julgava-a mais astuta, mas... Quando ambos terminaram a conversa, Petyr continuou presente para atrapalhá-los, e fez questão de constrangê-los:


– Será que devo arrumar-lhes um quarto? Sabe, Stark, aqui costumamos cobrar por esse tipo de coisa. – Falou, enciumado e com desprezo.


Catelyn se aproximou dele, tomou-lhe suas mãos, tudo tão subitamente que sentiu-se desarmado. – Petyr. Estou muito feliz. Vim para Porto Real, e não sabia o que aqui encontraria. Encontrei muito mais do que imaginava. Encontrei o irmão que julgava ter perdido. – Seus olhos azuis, tão profundos com o passar dos anos, porém ainda tão frescos e belos como quando donzela a desabrochar, mergulhavam-se cheios de afeição nos olhos de Petyr. O homem engoliu em seco e recompôs-se rapidamente, com uma resposta falsa e instantânea.


– Ora, senhora, é importante que isso seja mantido em segredo. Passei muito tempo fingindo para a corte que era malvado e cruel. Espero que não coloque todo esse trabalho em risco. – Olhou para Cat, e, vendo o sorriso que sua ajuda havia despertado nela, aquele sorriso que era para ele e somente para ele, Petyr conseguiu.


Ignorando Eddard Stark, os cinco filhos nortenhos e tudo mais que havia acontecido, deu-lhe o primeiro e único sorriso sincero desde quando se encontraram novamente, e sentiu o menino dentro de si acordar. Sentia vontade de tomar a mão de Cat, beijá-la, e levá-la para passear por Porto Real, para que pudessem conversar e passar tempo juntos, observar o mar que se estendia por toda a cidade e contemplar a alegria no rosto mais lindo que já tivera a sorte de ver. Sonhos de menino, do menino apaixonado que vivia dentro dele, e, descobria agora Petyr, que nunca o havia abandonado. Poderia nesse momento lançar um desafio para Ned Stark pela mão de Cat, repetindo tudo o que fizera no passado, apenas pela mera chance de tê-la consigo mais uma vez.



Mas o sonho acabou tão rápido como surgiu. Afastando-se de Petyr, Cat tomou a mão que Ned Stark lhe estendia, e foi para junto do marido. Olhou para trás uma vez, acenando-lhe suavemente um adeus com as mãos, junto com um sorriso saudoso, e, ao mesmo tempo, tão triste que poderia cortar o coração...


E assim fechou a porta, deixando o homem e o menino que a amaram tanto, mais do que tudo e a todos, sozinhos novamente... Sem mais haver a luz dos seus olhos brilhando azulada para guiar os seus caminhos.






***

O tempo passou, e, desde que Catelyn havia ido embora, Petyr sonhava os mesmos sonhos que costumava ter na adolescência. As memórias de Pedravelha reavivam-se em suas fantasias noturnas, e a imagem da Cat moça com a coroa de flores, sorridente e brincalhona, misturava-se com a Cat madura e mãe de agora, dona de uma família.


O garoto Petyr chorava, nos sonhos, porque a menina sempre acabava tornando-se a Cat adulta, que não o reconhecia, e se afastava a sombra de um lobo gigante e frio à distância.


Acordava sempre com uma profunda angústia, uma sensação de torção no peito, e um frio congelante dentro da alma.


Quando enfim chegara a data do torneio da Mão, no qual fora obrigado a desembolsar uma fortuna absurda para os hedonismos estúpidos do Rei Robert, Petyr ainda por cima tentara, mas não conseguira se esquivar da ocasião, e fora obrigado a comparecer e participar, junto a alguns outros membros da Corte.


Teve de assistir a todos os tolos cavaleiros em justas perderem seu dinheiro e anos úteis quebrando ossos e prejudicando a própria saúde a troco de absolutamente nada, e todas aquelas festividades e futilidades. Tantas baboseiras levavam Petyr a sentir-se muito entediado. Mas não era só isso. Depois que Cat partira e lhe despertara coisas que julgava há muito mortas dentro de si, Petyr costumeiramente sentia-se sozinho. Era algo estranho para ele, que sempre vivera bem em solidão, exceto, claro, nos anos em que passara junto a sua amada.


Irritadiço, enojado com os torneios e atordoado com os últimos acontecimentos, Petyr caminhava entre as arquibancadas feitas de madeira improvisada para os espectadores das justas, tentando distrair-se de si mesmo.


Foi então que a viu, parada ao longo de um grande carvalho, onde ironicamente vinham pousar vários tejos, os pássaros das cem línguas, curiosos e ágeis em suas idas e vindas.


O choque foi tão grande e absurdo como quando pôs os olhos em Cat depois de tantos anos separados.


Em uma tenda próxima, um cantor dedilhava em seu instrumento de cordas a canção típica folclórica chamada "Estações do Meu Amor". Com sua voz aguda e tão harmônica como o canto dos pássaros que revoavam em volta, empolgava-se na estrofe que agora cantava, que, coincidentemente, era bastante familiar a Petyr. Sua voz, um tanto abafada pelos tecidos da tenda, vinha de longe, assim como as lembranças que agora tornavam-se vivas, em carne e osso, materializadas na sua frente.


Eu amei uma donzela linda como o outono, com o pôr-do-sol nos seus cabelos.”


Uma garota ruiva, de cabelos longos, ondulados e arrumados em um penteado meio preso-meio solto, impecável e admirável, cheirava com toda a delicadeza e meiguice do mundo uma rosa vermelha. Seu semblante transparecia a vermelhidão da rosa e de seus cabelos nas suas maçãs do rosto, e sua expressão era mais pura do que a própria Donzela. Seus olhos estavam fechados, e tudo ao seu lado parecia sem graça em comparação a sua beleza, e o seu singelo sorriso de pureza jovial. Era de fato belíssima, linda, realmente linda de se ver, e Petyr nem percebeu que andava diretamente para ela, aproximando-se a passos largos e resolutos. Esse mundo foi agraciado por beleza igual apenas uma vez antes...


Ao parar na sua frente, a menina tirou os olhos da rosa e levantou-os ao seu rosto. Petyr sentiu o coração parar, dessa vez, e nunca soube explicar que força misteriosa foi capaz de mantê-lo em pé naquele momento.


Catelyn, a Catelyn da sua infância, contemplava-o, com o esplendor de toda a sua beleza pueril, desabrochando em flor, perfeita por si só. O rosto da menina estava repleto por uma expressão indagativa.


– A senhora deve ser uma de suas filhas – o homem lhe disse. Fora a única frase que Petyr conseguiu pensar em balbuciar naquele momento, e teve a sorte de ter-se saído muito bem ao dizê-la, com um tom estático e polido. Mais recomposto, continuou. – Tem o jeito dos Tully. É a memória viva da criança Cat na minha frente.


– Sou Sansa Stark – ela disse, e Petyr percebeu que estava um pouco desconcertada. Devo ter sido muito brusco. A menina continuou. – Não tive a honra, senhor.


Uma velha sentada a seu lado, com vestimentas de Septã, prontamente respondeu:


– Querida menina, este é o Senhor Petyr Baelish, do pequeno conselho do rei.


Petyr não sabia o que estava fazendo, mas não pôde se controlar. Era surreal demais. Não podia existir uma menina assim em Westeros. – Sua mãe foi em tempos passados a minha rainha da beleza – disse o homem calmamente. – Tem os cabelos dela. – Petyr não aguentou, e teve de passar a mão nos lindos fios ruivos da menina. Lembrando-se de Cat em Pedravelha, ajeitou uma madeixa solta do cabelo dela atrás de sua orelha, e afagou-a suavemente no rosto.


A menina sentiu-se embaraçada, virou-se e afastou-se. Petyr sorria ao vê-la caminhando, ao longe. Tinha razão Cat. E agora, sabia ele, uma nova peça entrava no jogo. Agora, tão importante quanto sua amada.


Tirou do bolso do peito, próximo ao coração, o lenço que Cat há muito havia lhe dado, e secou levemente o suor de sua testa. E, assim, apertando com força o tecido, sem saber se ria ou se continuava assim, paralisado, pasmo e estático, Petyr pensou com firmeza. Entendo agora o que quis dizer. É de fato seu maior tesouro...


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Notas finais do capítulo

Reviiiieeeeews? =DDDD