O Coração de um Caçador escrita por Joanna


Capítulo 28
Deep in the meadow, under the willow...




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- Rue! – Katniss a pega em seu colo antes de seu corpo desabar no chão. – Eu vou cuidar de você, Rue, ele tem que ter alguma coisa aqui!

A menina segura a mão de Katniss, fazendo com que ela pare.

- Você explodiu a comida?

- Até o último grão –A minha menina tenta sorrir, mas sabe que tudo é em vão. Qualquer tentativa de consolar, de proteger é impossível de dar certo. Os momentos finais estão chegando perto e as duas sabem disso, pelo olhar e expressão.

- Você precisa vencer – Diz a menina, quebrando o silêncio.

- Eu vou. Por nós duas.

O som do canhão de Marvel. Katniss levanta os olhos e Rue se apavora.

- Não vá. Por favor. – Rue pede chorosa, com lágrimas correndo por seus olhos e lágrimas também nos meus, que luto para não deixar cair. Olho para o lado e Posy esconde a cabeça no colo da minha mãe e abraço-a, pensando na menina que morre ao vivo agora, para toda Panem assistir. Ao vivo. Agora mesmo Katniss está com uma menina no colo, em seu leito de morte. Com diversos ferimentos. Fazendo uma promessa. A promessa de vencer.

- Cante.

Katniss se surpreende com o pedido. Cantar não é algo cotidiano seu, ás vezes um assobio para um tordo ou uma canção de ninar para Prim, quando a mesma está doente. Ela tosse um pouco, pigarreia e começa:

Bem no fundo da campina, embaixo do salgueiro

Um leito de grama, um macio e verde travesseiro

Deite a cabeça e feche esses olhos cansados

E quando se abrirem, o sol já estará alto nos prados.

Aqui é seguro, aqui é um abrigo

Aqui as margaridas te protegem do perigo

Aqui seus sonhos são doces, e amanhã serão lei

Aqui é o lugar onde eu sempre te amarei

Bem no fundo da campina, bem distante

Num maço de folhas brilha o luar aconchegante

Esqueça as tristezas e aquele problema estafante

Porque o amanhecer não será tão pujante

Sua voz está rouca e sua respiração não passa de soluços de partir o coração. As últimas palavras ouvidas por Rue foram as mais lindas, as últimas que um bebê sonolento escuta antes de dormir:

Aqui seus sonhos são doces, e amanhã serão lei

Aqui é o lugar onde eu sempre te amarei

- Ela já dormiu, mamãe? – Indaga a pequena Posy.

- Já, filha. Ela vai voltar pra casa. Ai a família dela vai colocar a menininha na cama. E você também.

Lentamente, como se não quisesse acordá-la, Katniss junta seu corpo e observa. Ela parece ser tão mais indefesa e pequena agora. Assim como o garoto do 1. Marvel, desse ângulo, não parece ameaçador.

O símbolo da Capital aparece. O rosto de Rue habita a minha mente e lembro do tordo preso na minha rede. A menina que parece um anjo se foi. As vozes de Claudius e Caesar comentam a habilidade da menina ao subir árvores, ao voar por entre elas sem nem mexer os galhos, como ela sabia quais frutas eram venenosas e quais eram comestíveis. Comentaram também a perícia de Marvel com a lança, os melhores momentos dos dois na arena: Marvel no banho de sangue e fazendo piadas com os tributos, Rue cuidando de Katniss.

Deitado na cama, a morte de Rue fica na minha mente. Seu leito de morte. A canção de ninar. As flores decorando o seu cabelo escuro e espesso. Como será que os Idealizadores estão se sentindo, ao carregar a morte de Rue consigo?

Hoje não haverá floresta. As entrevistas serão feitas e eu, como amigo de Katniss, não posso sumir do distrito e esfregar na cara de toda a Capital que caçamos na floresta, embora ela tenha deixado isso claro. Levanto em um sobressalto e tenho que me apressar pois a equipe de gravação está chegando, no horário de aulas foi o que disse Darius. Pego as roupas que costumo usar na colheita e deixo separadas. As minhas botas estão enlameadas e limpo o barro com uma escova, que geralmente retira a poeira que se acumula em tudo no distrito do carvão. Tomo um banho com a água gelada e sinto-me como na colheita. As roupas iguais, os sapatos impecáveis para impressionar aqueles que assistem.

Arrumo os cabelos molhados e sei que é hora porque todos os meus irmãos estão na escola e minha mãe foi levá-los. Estou sozinho e com a sala impecável, devo ter comentado com a minha mãe que a entrevista seria aqui. Ela sempre se preocupa em ajudar, e sabe que na Capital a aparência é tudo o que importa.

Um toque na porta e conversas animadas do lado de fora, o que significa que logo eu entrarei em contato com pessoas desagradáveis. Abro a porta e topo com um homem magro e de cabelos presos em um rabo de cavalo baixo e comprido.

- Bom dia, querido. Nós viemos te arrumar para a entrevista, o distrito 12 é o último que falta! Corram, meninos!

Uma equipe cheia de suportes, câmeras e papéis demais. Enquanto posicionam as câmeras, alguns se voltam para mim e começam a opinar:

“Coloque a cabeça dele virada para o lado, Julius.”

“Margareth, nós vamos filmar tudo, de corpo inteiro, eu quero captar todas as suas emoções.”

Olho em volta e aqueles que montam o equipamento andam de um lado para o outro, parecendo borrões coloridos por todo lugar. Não alteram nada na casa para fazer o “cenário” e após me darem algumas orientações, as câmeras são preparadas; Devo me preparar e formular o que vou fazer: Voar no pescoço de algum deles, já que tanto virarem e torcerem meu corpo para todos os lados, estou cansado antes da entrevista começar. Eu não sirvo para as câmeras. Ninguém vai gostar de mim apenas ao assistir minha imagem na televisão. Mas não vou me curvar á vontade da Capital e ser uma pessoa que não sou. Vou responder as perguntas como eu quero, e não como os cidadãos da Capital desejam ouvir.

- Gale Hawthorne, o que você sentiu quando Katniss se ofereceu como tributo?

- Não sei. Não quero falar sobre isso.

- E quais as qualidades que ela tem, que podem ajudá-la?

- Katniss é uma... sobrevivente.

- O que você tem a dizer sobre o seu romance com Peeta?

- Nada. Nem sabia que existia, e ainda não sei se existe.

- Você, como seu primo, tem algo a dizer a ela?

Primo? O que diabos essa pessoa tem na cabeça para me chamar de primo da Katniss? Eu sou o melhor amigo dela e, que eu saiba, não existe nenhum primo próximo para dar qualquer entrevista, e eu nunca disse que...

O dia da colheita. O dia de sol havia perdido a cor logo após Katniss se voluntariar e o desespero para acompanhar o veículo onde ela estava assustava mesmo a mim.

Perdendo o fôlego, não vejo ninguém da minha família, porém o carro está estacionado e eu preciso entrar. Alguns minutos que se resumem em uma eternidade se passam e eu cogito a possibilidade de arrombar cada porta até encontrar minha Catnip, mas dois pacificadores me barram, enquanto um terceiro abre um livro grosso.

- Nome?

- Gale Hawthorne.

- Idade?

- Dezoito.

- Veio visitar...?

- Katniss Everdeen.

- Você é o que dela?

- Amigo.

-Lamento. Existem pessoas demais na sala, existe um limite para as pessoas a visitarem. Dois amigos dela estão na sala, você não pode entrar. Agora é apenas a família.

- O quê? Não, eu sou o melhor amigo dela, eu preciso entrar!

- Eu sinto muito. Só a família. De acordo com os dados que tenho, o pai dela é falecido, e a srta. Everdeen possui apenas uma irmã. Sem mais parentes.

- Não! Quer dizer, eu... eu preciso entrar! Não pode me impedir de fazer isso! Por favor, por favor!

O pacificador gordo e de meia idade, com uma roupa branca e um colete prata – que significa que ele não é daqui, e sim um pacificador que está de visita – pensa um pouco.

- Melhores amigos?

- É! Eu e ela nos conhecemos há anos, eu puxei a irmã dela para que ela subisse ao palco, senhor... Eu preciso vê-la!

- Sim... É dali que eu reconheci você. Escute, não é da natureza da minha profissão ser piedoso, e eu não costumo ser piedoso. Por isso eu fui escalado para cuidar da colheita. As famílias chorando, namorados, amigos... Não são lembranças que gosto de carregar. Mas eu nunca permitiria que alguém fosse embora sem falar com o melhor amigo, embora ele tenha levantado a voz para mim – A última sentença sai como uma bronca – Crabbe e Lino acompanharão o senhor, com o tratamento de um membro da família.

Os meus pensamentos se misturaram e eu não sabia o que fazer. Aquele pacificador alterou meus dados e agora eu sou da família Everdeen. Talvez meu pai fosse registrado como o irmão do pai de Katniss. Eu sou, em termos legais, primo da mulher que é minha melhor amiga.

- E então? Que recado o senhor, como membro da família, tem a dar para a Garota em Chamas?

O sotaque da Capital, o sibilo de como eles pronunciam o S, me traz de volta á realidade. Com sorte eles pensam que estou formulando um recado para trazer os habitantes da Capital as lágrimas.

- Nenhum. E mesmo se tivesse, é um recado apenas para ela, não é?

Afinal, uma declaração já é o bastante.


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Notas finais do capítulo

Hey, que tal alguns reviews?