Ressurreição escrita por Jaque de Marco


Capítulo 9
Capítulo 8 - A culpa




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Capítulo 8 – A culpa

 

 

 

A água do quente escorria pelos meus cabelos. Era como se ela não estivesse lavando somente as minhas madeixas, mas toda a neblina que embasava minha mente. Todos os últimos acontecimentos estavam envoltos numa névoa, desfocando rostos, lugares. Minha mente estava lutando para apagar cada detalhe de tudo o que acontecera recentemente. Mas essa batalha estava longe de ser ganha. Aos poucos tudo retornava a margem. Podia sentir o cheiro de mofo do porão do casarão, sentia na minha pele o gélido do ar, o frio de pavor na boca do estômago.

 

Algo, que um dia já fora um ser humano, hoje não era mais que um bicho selvagem com sangue seco nos lábios, carniça emaranhada na barba imunda. Questionava o que poderia ter acontecido com ele para deixá-lo naquele estado tão deplorável.

 

Agora a cena voltava à minha mente como num filme. Eu estava com medo, apavorada como poucas vezes já estivera antes. Não haveria escapatória, bastava um salto e aquele animal me destroçaria. Devagar tentei voltar meus passos, mas o mínimo movimento o deixou em sobrealerta. Ele notara a minha presença. Não tinha muito que fazer, precisava correr. A idéia de correr no escuro, por um porão que eu não conhecia, me dava poucas esperanças de sair viva daquele lugar. Mas precisava tentar. Eu me virei e comecei a correr, mas um segundo depois fui lançada ao chão com um enorme peso nas costas.

 

Como uma caça tentando se desvencilhar de seu caçador, eu me revirei, chutando e batendo no que quer que estivesse sobre mim. Assim me consegui me virar eu pude ver. Aquele ser humano, aquele animal, era um senhor muito idoso com cabelos e barba grisalha. Um senhor com uma força descomunal. Um senhor que tinha dentes tão fortes quanto os dos Cullens.

 

Numa última tentativa de viver, um breve momento de coragem eu usei toda a força que ainda me restava e consegui afrouxar menos de um centímetro da distancia que havia entre nós. Arrastei-me no chão imundo o suficiente para ficar fora de seu alcance. A milímetros de distancia eu ainda podia sentir o hálito fétido do animal que quase me matara, se não fosse pela corrente que o prendia àquele porão. Era um bicho acorrentado àquela semivida.

 

“Valverde”, fora assim que o chamaram assim que os demais vampiros me encontraram. Com certeza, com o barulho que fizemos, eles esperavam encontrar somente pedaços de carnes humanas ou partes do meu corpo espalhadas por todo o porão. Eu estava em choque para sequer associar naquele momento o que estava acontecendo. Agora, com a neblina do pânico sendo dissipada de minha mente, em segurança num hotel em Pisac, as lembranças começavam a formar questões na minha cabeça. Valverde? Seria coincidência?

 

- Bella, está tudo bem? – a voz de Edward do lado de fora do banheiro me fez voltar à realidade.

 

Gritei que logo sairia do banho e fechei o chuveiro. Somente Edward, em um momento como esse, para lembrar de comprar algo para eu vestir. Não fazia nem um pouco meu estilo, tinha cor demais, mas era macio e estava limpo e isso no momento era mais que suficiente. Terminei de ajeitar tudo e entrei novamente no quarto para encontrar Edward sentado na cama com o olhar perdido. Se eu não tivesse certeza que ele sentiria meu cheiro há quilômetros eu arriscaria dizer que Edward não tinha nem se quer percebido a minha presença. Eu caminhei até a cama e me sentei ao lado de Edward, deitando minha cabeça naquele ombro de mármore.

 

- Mais uma vez as minhas decisões quase foram a causa da sua morte – ele falou sem se mover um centímetro.

 

- Pense nisso antes de fugir novamente – não tinha forças para acalmá-lo da dor e do arrependimento que ele devia estar sentindo. A dor da lembrança daquela manhã em que li a carta de despedida de Edward ainda latejava no meu coração.

 

- Eu não fugi de você, nunca fugi do nosso amor – antes que eu pudesse perceber Edward saiu do seu lugar e já estava agachado na minha frente quando voltou a falar – Eu já te expus tudo o que você perderia caso se tornasse uma imortal. Todas as sensações, todas as dores, sentimentos. Você perderia a chance da sabedoria a cada ruga nova da sua pele, o dom de adoecer e o dom de se curar. Mas de tudo isso, o mais importante, você perderia a chance de um dia gerar um filho. Quando eu digo não é à toa. Eu sinto isso na pele todos os dias, principalmente depois que te conheci, Bella. Você me faz querer ter um coração pulsando sangue, vida, todos os dias.

 

Os olhos dele estavam escuros não de um modo atemorizante, mas sim suplicante.

 

- Se você tivesse me dito seu plano eu te apoiaria, viria com você.

 

Tentei chorar, mas não consegui. Sentia que havia lágrimas demais, mas por algum motivo não conseguia derramá-las.

 

- Eu sei, meu amor – Edward se ergueu para beijar carinhosamente minha testa – Eu achei que poderia te proteger dessa maneira. Nem se eu passasse o resto da minha eternidade me desculpando seria o suficiente.

 

Eu encostei meu rosto no peito dele. Mesmo com tecido grosso da blusa de Edward, eu conseguia sentir o gelo de sua pele, mas eu sabia que ali era meu lugar. Aquilo me acalmava, estar com Edward me acalmava. Era meu porto seguro. Não podia nunca me separar dele, independentemente da situação, bastava estar com ele para estar bem.

 

- Não importa a decisão que você tomar, não importa se você quer acreditar que possa voltar a ser humano, se continuar para sempre como vampiro... Eu vou estar com você. Vamos passar por tudo, juntos. Juntos!

 

Delicadamente Edward se afastou de mim, segurando meu queijo entre seus dedos. Eu olhei para cima a tempo de encontrar os olhos dele. Naquele instante eu sabia que nada no mundo seria capaz de me afastar dele. Nem que tentássemos. Estamos predestinados. Não seríamos Edward e Bella, mas um único ser para sempre.

 

Os nossos lábios se encontraram num beijo urgente que selava toda a necessidade que tínhamos de nos unirmos. Naquele momento éramos somente dois apaixonados, somente dois loucos alheios a todos os empecilhos, a todos os problemas.

 

A mão dele passava com os dedos abertos pelos meus cabelos úmidos enquanto o beijo ficava mais lento. Ele afastou seus lábios somente alguns milímetros do meu, encostando sua testa na minha e ficamos naquela posição pelo que me pareceu uma eternidade. Eu sentia o subir e descer do peito de Edward conforme ele respirava. Eu sabia que era um mero costume, mas não podia deixar de pensar em como seria se fosse real, como seria se ele estivesse respirando de verdade, se ele pudesse estar comigo sem culpa, sem medo de me quebrar, me machucar. Não podia deixar de pensar em como seria se a lenda fosse verdadeira.

 

- Edward, eu acho que vi Vicente de Valverde ontem enquanto tentava fugir do casarão - falei num fio de voz.

 

Ele se afastou cuidadosamente de mim e então voltou a se sentar ao meu lado na cama.

 

- Bella, me sinto um tolo por ter acreditado nessa história, e pior, ter feito você acreditar nela também. Isso é só uma lenda.

 

Toda a cena da noite anterior voltou a passar como um filme na minha mente.

 

- Quando eu estava fugindo acabei parando num porão. Estava escuro, mas eu o vi nitidamente, muito de perto. Inicialmente achei que era um animal selvagem. Mas quando o bando de Viquez veio me resgatar eles conversavam numa língua desconhecida. Apesar disso eu entendi claramente como eles o chamavam. Valverde. – sentia-me como uma criança que tentava com muito esforço convencer os pais de que estava certa. Mas neste caso, estava certa de a pessoa que eu mais tentava convencer era a mim mesma.

 

- Você acredita nisso só por que o chamaram de Valverde? – como não obteve resposta, Edward voltou a falar – Bella, ele nasceu no século XV, como poderia estar vivo até hoje?

 

Ainda não tinha chegado neste ponto durante a elaboração da minha teoria. Ele não era humano. Ele ansiava pelo meu sangue como se dependesse daquilo. Só então tive um estalo e tudo ficou mais claro em minha mente.

 

- Ele é um vampiro – agora a cena no porão fazia todo sentido – Ele foi transformado pouco antes de sua morte. E provavelmente pelo grupo de Viquez.

 

Edward se levantou da cama e caminhou em um semicírculo na minha frente. Sua face não mostrava mudança alguma de expressão, mas seus olhos denunciavam que seus pensamentos estavam a mil.

 

- Não seja absurda, Bella. Por que Viquez transformaria Valverde em vampiro?

 

- Talvez por Valverde ter sido o padre que batizou Atahualpa na noite anterior a sua morte.

 

- Você está sendo muito influenciada por essa lenda, Bella – Edward deve ter reparado no meu olhar magoado, pois parou em frente de onde eu estava sentada e ficou me olhando de cima, tentando mostrar mais interesse – Você falou que ele estava acorrentado, certo?

 

- É. A corrente que o segurava foi a minha salvação – Edward parou de respirar alguns segundos antes de eu continuar – Eles o alimentavam. Havia carcaças, animais mortos no chão, sangue seco espalhado pelo lugar. Era como se ele fosse quase um animal de estimação.

 

Edward ainda tinha os olhos perdidos em pensamentos, mas sua voz foi firme.

 

- Não me interessa mais, Bella. Hoje partimos novamente para os Estados Unidos. É o melhor a se fazer.

 

Ele estava completamente firme na sua decisão. Eu tinha certeza que a preocupação dele estava voltada toda para mim. Era como se eu é quem tivesse o dom de ler pensamentos e agora estava ouvindo Edward dizer que não se importava em ter falsas esperanças, mas, claro, a história era outra quando a iludida era eu. Mesmo achando tudo aquilo absurdo, eu não podia parar de pensar no assunto. Em como tudo aquilo era suspeito demais. Não podia ser somente coincidência.

 

A porta do quarto se abriu de forma repentina, me pegando completamente de surpresa. Como já era de se esperar, Edward estava na minha frente, em posição de defesa, antes mesmo que eu pudesse piscar ou dar um passo para trás. Eu me inclinei levemente para o lado a tempo de ver um homem com cabelo loiro palha, vestido com um jeans surrado, entrando no cômodo. Pela sua beleza rústica e seus olhos extremamente vermelhos eu soube logo que se tratava de um vampiro.

 

- Então essa é a sua noiva – e antes que Edward pudesse falar qualquer coisa ele completou – Fique tranqüilo, acabei de comer.

 

Senti os músculos das costas de Edward relaxar levemente, mas ele continuou na minha frente.

 

- Bella, esse é Garrett, amigo de Carlisle. Ele tem me ajudado muito aqui no Peru.

 

- Prazer – respondi sem encontrar palavras melhores para dizer a um vampiro com hábitos alimentares convencionais.

 

- Garrett, como pode ver eu já estou com Bella. Tenho que leva-la de volta para casa. Temo que nossa viagem precise ser encurtada.

 

- Ia pedir para esperar alguns dias. Senti hoje a presença de alguns de nós na região – Senti Edward mover alguns músculos a minha frente – Alguns vampiros estrangeiros chegaram a Pisac.

 

- Quantos?

 

- Pelo menos uns cinco. Tentei seguir o rastro, Edward, mas o perdi a caminho daqui.

 

Mesmo estando as suas costas, eu sabia que Edward estava inquieto com o assunto.

 

- Garrett, sinto muito, mas não posso ajudar. Preciso deixar Bella em segurança – ele falou como se a sua existência fosse resumida a isso.

 

- Uma pena. Ainda tinham muitos lugares aqui que você ia gostar de conhecer junto a ela.

 

Garrett era o primeiro vampiro não “vegetariano” que não me aterrorizava tanto. Apesar disso, eu tinha certeza que o cheiro forte do meu sangue estava transformando o quarto num ambiente insuportável para vampiros.

 

- Edward, eu estou morrendo de fome – falei inicialmente como uma desculpa para sair daquele lugar, mas então percebi que não comia nada há mais de 24 horas.

 

- Perdão, Bella. Às vezes fico com outras coisas em mente e esqueço da sua alimentação.

 

- Não precisa se preocupar. Quando estávamos vindo para cá eu vi um bar na esquina. Eles devem ter alguma que eu possa comer – e então Edward pegou minha mão para me acompanhar.

 

- Na verdade, Edward, eu gostaria de conversar com você a sós sobre um outro assunto. Se não se incomodar, Bella – Garrett falou educadamente. Eu tinha quase certeza que ele estava segurando a respiração para poder agüentar estar perto de mim.

 

- Claro que não. Eu me lembro do caminho para o bar – antes que Edward pudesse contestar eu soltei sua mão e caminhei em direção a saída – Eu vou ficar bem.

 

Garrett agradeceu com um leve aceno de cabeça quando saí daquele quarto. Estávamos hospedados em um hotel que apesar de ser muito simples era o que havia de mais moderno nos arredores. Não fazia exatamente frio, mas o vento gelado penetrava pelo meu casaco de malha. Estávamos num vilarejo muito simples, mas com uma beleza única. Tudo era muito colorido, desde as vestes dos moradores locais que passavam por mim até as fachadas dos sobrados sem quintais, com portas voltadas para a rua de pedra.

 

Aparentemente, o bar era o único comércio na via, identificado por uma placa suja. As portas duplas de madeira da entrada estavam semi-abertas quando eu entrei. Havia diversas mesinhas espalhadas pela área de paredes marrons, mas todas vazias. Não tinha clientes no bar aquela hora. A minha frente havia um grande balcão feito com tábuas grossas ladeado por bancos. Apesar de rústico, o lugar era muito arrumado e caloroso.

 

Tirei meu casaco e o pendurei nas costas do banco. Assim que me sentei um senhor se aproximou com um leve sorriso no rosto.

 

- Buenas tardes.

 

- Ah, desculpa. Não falo espanhol - respondi sem graça.

 

- Devia ter imaginado – o senhor deu um sorriso antes de continuar a falar – Eu entendo sua língua, não tem problemas. O que vai querer, cariño.

 

Eu olhei o cardápio que ele tinha colocado sobre a mesa. Tudo estava escrito em espanhol e numa outra língua, ambas desconhecidas para mim. Provavelmente por notar minha confusão, o senhor sorriu novamente.

 

- Posso sugerir algo?

 

- Por favor.

 

- Nosso prato típico se chama Pachamanca. É um cozido de carne, milho, batata, fava e algumas ervas. Tem muita saída.

 

- Vou querer então.

 

Enquanto ele se afastava com meu pedido eu ouvi a porta de madeira ranger enquanto era aberta. Olhei instintivamente para trás e pensei por um segundo que poderia ser Edward vindo ao meu encontro, mas assim que a pessoa entrou no meu campo de visão eu o reconheci da noite anterior. Era um dos vampiros do bando de Viquez. Ele parou na entrada e ficou durante alguns segundos me encarando. Seus olhos eram muito vermelhos e ele trazia aquele tom de pele amarronzado tão marcante em todos os comparsas de Viquez.

 

Antes que pudesse perceber, o senhor que há pouco tinha anotado meu pedido estava agora em frente ao balcão, exatamente ao meu lado. A posição que ele tomou me lembrou a mesma que Edward havia tomado quando tentava me proteger de Garrett.

 

- Se quer confusão é melhor sair, mas se veio em paz escolha logo uma mesa e se sente.

 

Não consegui conter a admiração que tive por aquele nativo. Ele estava sendo extremamente corajoso, ou completamente ignorante do real perigo que estava correndo.

 

O vampiro se moveu com relutância caminhando novamente em direção a porta. Senti um frio na barriga ao notar que os seus olhos não se moveram; continuavam vidrados em mim.

 

Voltei-me a me ajeitar no banco de madeira, ficando novamente de frente para o balcão. Enquanto pensava a melhor maneira de sair discretamente daquele lugar e chegar em segurança até Edward, eu ouvi o garçon peruano falar:

 

- Peço desculpas, mas aqui temos que tomar certos cuidados com turistas. Ainda mais moças desacompanhadas como você.

 

Ele falava de um jeito carinhoso, realmente preocupado.

 

- Não gosto de dar trabalho – falei da forma mais sutil que consegui – Aquele homem quem era?.

 

- Huca. Podemos chamá-lo de dedo duro de uma pessoa muito poderosa por aqui.

 

- De Javier Viquez, certo? – resolvi arriscar. Não sabia até que ponto ele seria ignorante ao que estava acontecendo na própria cidade.

 

- Como ustedes saben?

 

No primeiro momento me arrependi de ter lançado a pergunta, mas então a expressão de sincera preocupação voltou ao rosto do garçom antes dele voltar a falar.

 

- Eu se fosse você, menina, não me meteria com essas coisas.

 

- Tarde demais – falei sem pensar – Mas o senhor sabe quem eles são?

 

Ele encostou-se ao balcão, deixando o cotovelo e o antebraço próximos a mim. Era como se as suas próximas palavras fosse um grande segredo.

 

- Não quem, mas o que são.

 

Ele voltou-se a se afastar e seguiu em direção a uma pequena porta às suas costas. Fiquei pensando em mil alternativas para que o que aquele homem estivesse falando não fosse realmente a verdade, mas algo me dizia que ele sabia de muita coisa. Provavelmente mais do que eu mesma.

 

Depois de alguns minutos o senhor voltou carregando uma grande bandeja com uma cumbuca de barro que soltava fumaça.

 

- Espero que goste, cariño – disse enquanto colocava a comida colorida sobre o balcão.

 

- Será que o senhor poderia me fazer companhia enquanto como?

 

Por um segundo era como se eu pudesse ler os seus pensamentos. Ele se perguntava se eu era completamente insana e se era uma boa idéia estar me dando ouvidos. Apesar disso, provavelmente para ser educado, ele sentou-se do outro lado do balcão, ficando a alguns centímetros de mim.

 

- A propósito sou Bella.

 

- Armando.

 

- Você é o dono desse bar? – perguntei antes de colocar uma colher cheia na boca. A comida era realmente muito saborosa.

 

- Sou. Há muitos anos – ele parecia estar mais descontraído.

 

- Nasceu aqui?

 

- Sim. Vivi aqui minha vida inteira – ele ficou pensativo por alguns instantes antes de voltar a falar – Apesar de tudo, é um excelente lugar para viver.

 

- Imagino que deva conhecer muito sobre a história desse lugar. Histórias sobre os Incas... – tentei falar de uma forma casual enquanto comia o tal Pachamanca vagarosamente.

 

- Uma coisa aqui, outra ali.

 

- O que sabe sobre Atahualpa?

 

- O Inca? – após um aceno afirmativo meu ele continuou – Não muito. Ele disputou o trono com o meio irmão numa guerra sangrenta que durou vários anos. Depois de matar o irmão, ele estava voltando para Cuzco para assumir o trono quando caiu numa armadilha dos espanhóis. Foi preso e morto.

 

- Como foi a prisão dele?

 

- Atahualpa aceitou um convite do explorador espanhol, Francisco Pizarro, para jantar e conversar e foi até a praça principal da cidade de Cajamarca. Dizem que quando ele chegou com sua guarda de honra o lugar parecia deserto e ele foi recebido pelo padre Vicente Valverde que exigiu que ele se convertesse ao cristianismo. Atahualpa se recusou e atirou a bíblia no chão. Isso foi uma ofensa e foi declarada oficialmente guerra aos incas.

 

- Mas ele foi batizado pela igreja antes de morrer, não foi? – falei lembrando-me do que Carlisle havia dito sobre a lenda.

 

- Por algum motivo padre Valverde o convenceu que deveria se converter antes de morrer.

 

- E o que aconteceu com o tal padre?

 

- Ele voltou para a Espanha por algum tempo e quando voltou se tornou o primeiro bispo de Cuzco. Com a morte de Pizarro, ele deixou novamente a região. Há rumores que ele foi morto no caminho, ainda no Panamá. O que se conta é que os índios derramaram ouro pela sua garganta como castigo por sua suposta ganância.

 

Armando parou de falar, como se a história realmente tivesse chegado ao fim. Por alguns instantes fiquei tentando ver nexo em toda a história, em como tudo poderia se encaixar no que estaria acontecendo no casarão de Viquez.

 

- Você está acompanhada por aqueles dois vampiros forasteiros, não? – a pergunta dele me pegou de surpresa pela naturalidade com que ele falava. Havia preocupação sim, mas era natural, como se fosse comum conversar sobre vampiros com uma estranha – Primeiro os dois aparecem aqui perguntando sobre Viquez e seu bando, agora você com essa história.

 

Pensei em negar, em chamá-lo de maluco, mas não podia, nem queria mentir para ele. Ele parecia conhecer o lugar e suas histórias mais do que ninguém.

 

- Sim, estou. – só então notei que a expressão do rosto dele mudara, havia uma nítida dúvida. Era como se ele se perguntasse como uma humana poderia conviver com um vampiro sem se transformar no prato principal.

 

- Será que posso saber o real motivo de todas as suas perguntas?

 

- Eu acho que vi alguém que não deveria estar sequer vivo no casarão de Viquez. O que me diz?

 

- Praticamente todos naquele casarão não deveriam estar vivos. Viquez fazia parte da guarda de Atahualpa, deve ter uns 510 anos. Definitivamente era para estar morto.

 

Senti um tom de rancor nas palavras dele, mais rancor que o comum. Ele parou para pensar por alguns momentos antes de voltar a falar.

 

- Por que as perguntas sobre Atahualpa e Padre Valverde? – quando ele viu que eu não ia responder, ele voltou a perguntar – Quem você viu no casarão, cariño?

 

- Se eu dissesse que acho que vi o padre que batizou Atahualpa, o que diria?

 

- Diria que não duvido de nada nesta vida. – ele sorriu carinhosamente e voltou a falar quase num sussurro – Existe muito mistério na vida e morte do padre. Já ouvi boatos que ele não fora morto por indígenas panamenhos, mas sim pelo bando de Viquez como vingança pela morte de seu líder.

 

Pensei na hipótese de Armando, mas isso não faz sentido. Por que matar o padre e não o explorador espanhol que comandou a prisão e execução do líder deles?

 

- Como Atahualpa pode ter morrido sendo um vampiro? Pelo menos, como foi destruído sem ter sido queimado e decapitado.

 

Pela primeira vez desde o início de nossa conversa eu vi um olhar de desconfiança no rosto do comerciante. Era como se agora ele realmente duvidasse da minha sanidade. Só agora.

 

- Do que você está falando? Atahualpa não era um vampiro. Como ele poderia ter...

 

A frase dele parou na metade. Ele tinha seus olhos quase vidrados às minhas costas. Para olhar o que ele encarava, eu me virei rapidamente a tempo de ver o rosto cor de oliva que se mostrava parcialmente na porta. O mesmo vampiro que anteriormente havia tentado entrar no bar havia voltado. E então algo terrível me veio à mente “e se ele não havia partido em momento algum?”. Ele provavelmente havia ouvido toda nossa conversa e agora diria a Viquez tudo o que sei.

 

Armando contornou com pressa o balcão e logo estava em pé entre mim e o vampiro. Ele falou algumas frases de forma energética numa língua que não conhecia antes de se virar para mim e me mandar entrar numa porta que havia atrás do balcão.

 

- Não vá a lugar algum. Preciso levá-la. – o vampiro falou de forma casual.

 

Senti um frio dentro do estomago. Receava por minha vida, mas principalmente pelo senhor grisalho a minha frente.

 

- Ela não sairá daqui com você. Ela é minha convidada, não é forasteira!

 

- Não provoque, viejo!

 

- Saia daqui, nina. – Armando me ordenou mantendo o tom de voz firme.

 

Percebi que o vampiro estava perdendo a paciência. Resolvi me intrometer. Levantei do banco, ainda às costas do senhor.

 

- Por que precisa me levar?

 

- Você fala demais, mujer!

 

Ele deu um passo em minha direção, mas Armando se colocou em seu caminho.

 

- Saia da minha frente, viejo!

 

O dono do bar não se moveu um centímetro. E então pela primeira vez o vampiro desviou seus olhos de mim. O olhar que lançou para Armando era frio, quase homicida. Senti meu sangue gelar um segundo antes de ver o dono do bar ser lançado a cerca de quatro metros. Ele caiu sobre uma mesa de madeira que se quebrou no impacto, transformando-se em dezenas de pedaços de ripas.

 

Por instinto me virei na direção dele para tentar ajuda-lo, mas fui impedida pelo vampiro a minha frente. Ele segurou meu pescoço com uma única mão e me ergueu.

 

Estava quase perdendo meus sentidos, quando senti o afrouxo das mãos dele e fui aterrizada novamente no chão. Minha visão estava ligeiramente turva pela falta de oxigênio, mas senti meu coração começar a se acalmar quando vi Edward puxando pelo ombro o capanga de Viquez. Ambos se colocaram em posição de ataque, como dois grandes felinos. Caminhei com dificuldade até onde Armando havia sido arremessado e só então percebi que ele não estava mais sozinho. Carlisle estava com ele.

 

Na verdade não era somente Edward quem acabara de entrar no bar, mas toda a família Cullen estava presente. Por um breve instante lembrei de Garrett ter comentado sobre a presença de vampiros novos na região, mas nem por um instante pensei que poderiam ser Alice e companhia.

 

Sentei-me no chão, ao lado de Carlisle. Armando estava com uma estaca de madeira atravessada em seu abdômen, a alguns centímetros do umbigo. Ele gemia muito e falava várias palavras numa língua que não conhecia.

 

- Ele vai ficar bem?

 

- Preciso levá-lo ao hospital mais perto. A madeira deve ter perfurado algum órgão – Carlisle pressionada a ferida com a estaca para tentar estancar o sangue.

 

Antes que pudéssemos mexê-lo, Armando segurou meu pulso e focou seus olhos em mim. Uma gota de sangue escorreu de sua boca.

 

- Não... não desista dela... minha mãe.

 

O aperto no meu pulso parou. Os olhos de Armando não mais se mexiam e seu peito não mais se movimentava. Carlisle lentamente soltou os dedos que enlaçavam meu pulso e com a ponta dos dedos fechou os olhos de Armando.

 

A cena era chocante. Nunca vira alguém morrer. Não assim, na minha frente, tentando me defender. Senti meus olhos marejados e voltei-me para a entrada do bar a tempo de ver Jasper e Emmett empurrando o vampiro assassino, que tinha os braços presos nas costas, para fora.

 

Eu pisquei para derramar uma lágrima teimosa e quando abri meus olhos, Edward já estava sentado ao meu lado. Ele passou delicadamente seus braços sobre meu ombro e me abraçou. Foi então que não consegui mais conter as lágrimas.

 

A culpa que eu sentia era algo quase físico. Agora entendia a dor que Edward devia sentir quando achava que estava me colocando em perigo.

 

Com a cabeça no peito de Edward o ouvi dizer com uma voz calmante:

 

- Não é sua culpa, Bella. Tudo vai ficar bem, prometo.

 

 

 




 

 

 

N.A.: Oie!!! Gente, mil desculpas pela demora do capítulo. Infelizmente minha vida real é chata e corrida... hehe. Mas e aí, o que acharam do capítulo? O próximo será a passagem para a segunda parte da história.

 

Quero muuuuiiittooooo agradecer aos cmentários que tenho recebido. ‘Brigada: Marinaito, Mariom, Patynhakp, Francielli, Pkgarcia0 e Breeeh Cullen.

 

Comentem, okay!?

 

Beijinhos! Fiquem com Deus!

 

Jaque


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