Suspirei e afundei no sofá. Joguei minha cabeça levemente para trás encarando o teto. Bufei e me levantei indo para a cozinha, onde tomei um copo de água. Fui para o meu quarto e liguei o ar condicionado. Coloquei o meu pijama e me joguei na cama enterrando a minha cabeça no travesseiro. Fechei os olhos e tentei dormir, mas nada do sono vir.

Bufei impaciente e chutei a coberta me deitando de barriga para cima encarando novamente o teto. Me sentei na cama colocando as minhas pernas para fora da mesma. Pisei no chão frio e fui em direção das portas de vidro cobertas por longas cortinas. Abri as mesmas e destranquei a porta da sacada. A empurrei sentindo o vento gélido da noite bater contra o meu corpo me arrepiando. Passei os meus braços em volta de mim mesma me “abraçando” tentando, inutilmente, diminuir o frio.

Sentei-me em uma poltrona que ali tinha e dobrei as minhas pernas passando os meus braços em volta delas. Deitei minha cabeça de lado nos meus joelhos e olhei para o céu completamente escuro desta noite gélida de quinta-feira. Tinha algumas estrelas que brilhavam fracamente em volta da enorme lua cheia que preenchia o vazio do céu, o iluminando. Novamente o vento bateu contra o meu corpo me deixando com mais frio ainda. Suspirei e fechei os olhos sentindo a brisa bater levemente sobre o meu rosto.

Me lembrei da minha avó que sempre ficava horas e horas na varanda da nossa antiga casa olhando as estrelas. Senti os meus olhos marejarem só de lembrar dela. Engoli em seco sentindo um nó se formar na minha garganta. Espremi os meus olhos fungando. Logo uma lágrima caiu dos meus olhos descendo lentamente pelo contorno do meu rosto até parar no meu queixo e cair sobre a minha perna descoberta pelo short que eu usava. Abri novamente os meus olhos e funguei percebendo que mais lágrimas viriam, e assim outra lágrima caiu seguida de outra e mais outra. Elas já caiam livremente dos meus olhos carregando toda aquela dor que eu já guardava a muito tempo no meu peito. Parei de lutar contra elas e deixei-as caírem sobre o meu rosto fazendo ele ficar úmido. Dobrei novamente as minhas pernas e as enlacei com os meus braços. Afundei a minha cabeça nas mesmas deixando as lágrimas molharem livremente as minhas pernas. Solucei e passei as pontas dos meus dedos frios sobre o meu rosto quente e úmido tentando secar as lágrimas que ainda caiam descontroladamente dos meus olhos que já deveriam estar vermelhos. Passei as costas das minhas mãos tentando novamente secar o meu rosto o que foi inútil. Desisti e fechei os meus olhos jogando a minha cabeça para trás e me relembrando de tudo que me assombrava. Chorei de saudade, de raiva, de dor, liberei todos os sentimentos que me atormentavam. Deixei as lágrimas caírem soltas e livres levando com elas todo o meu sofrimento, toda a minha dor, todas as minhas mágoas, todas as minhas lembranças, todas as palavras que me machucam e machucaram. Todos os abraços, todos os momentos... Deixei-as levarem tudo me fazendo sentir-se um pouco mais leve. Como se estivesse retirando um enorme peso das minhas costas...

[...]

Acordei antes mesmo do despertador tocar. Hoje estava decidida a acabar com todos os meus planos. Aqueles planos de tentar ser algo que eu no fundo sei que não sou, não mais. É a partir de hoje vou voltar a ser a verdadeira Mellanie, aquela que sou desde os meus 15 anos. A Mellanie que chegou aqui em Stratford decidida a mudar morreu. Eu juro que tentei ser uma pessoa melhor, tentei fazer amigos, tentei me adaptar a essa nova vida, mas não deu certo. Agora é hora de voltar para a realidade. A brincadeirinha acabou... Mellanie.

Me levantei e fui para o banheiro tomar banho. Tirei a minha blusa e deixei o meu short deslizar lentamente pelo meu corpo caindo no chão. Levantei minhas pernas, uma de cada vez, deixando o short jogado no chão. Empurrei a porta do box entrando no mesmo. Liguei o chuveiro e logo a água gelada caiu sobre o meu corpo me arrepiando e ao mesmo tempo me relaxando.

Depois que terminei de tomar banho deixei a água cair por algum tempo sobre mim, enquanto eu apenas desejava que aquela água levasse todas as coisas ruins embora apagando tudo por completo de mim, mas, infelizmente, isso é algo impossível. Suspirei e finalmente fechei a torneira desligando o chuveiro. Empurrei a porta do box e puxei a toalha a enrolando no meu corpo. Coloquei as minhas roupas no cesto de roupa suja, me sequei e sai do banheiro ainda enrolada na toalha branca.

Fui para o closet, onde coloquei uma calça preta com alguns rasgados, uma blusa branca com uns desenhos pretos e por fim uma jaqueta de couro também preta com algumas tachinhas. Calcei as minhas botas pretas de couro e peguei a minha mochila junto do meu celular em cima da escrivaninha. Deixei tudo no sofá da sala e entrei na cozinha pegando a jarra de suco na geladeira. Enchi o meu copo e o bebi colocando-o na pia.

Voltei para o banheiro do meu quarto e escovei os dentes. Penteei o meu cabelo e o deixei solto com seu ondulado natural. Passei apenas o meu lápis de olho, o rímel e o batom e sai do banheiro voltando para a sala. Peguei a minha mochila, coloquei o meu celular no bolso da minha calça e sai do apartamento o trancando em seguida.

Entrei no elevador e dei de cara com um Justin de boné e casaco largo encostado na parede olhando para baixo. Ignorei a sua presença e cruzei os braços me encostando na parede oposta a dele. Apertei o botão e a porta se fechou. Logo a porta se abriu novamente e o Justin se apressou em sair. Balancei a cabeça negativamente e sai em passos lentos do elevador sentindo a porta se fechar atrás de mim.

[...]

Abri o meu armário tirando os meus óculos escuros. Peguei tudo o que precisava e coloquei na mochila. Bati a portinha com força dando de cara com o Logan escorado no armário ao lado.

– Olá, Mellanie. – Falou.

– Oi. – Respondi ajeitando a mochila no meu ombro.

– Depois daquele dia a gente nunca mais se falou. – Comentou.

– É... – Murmurei.

– Está tudo bem? – Perguntou franzindo o cenho.

– Ah sim! Está tudo ótimo. – Respondi dando um sorriso falso, porém acho que ele não percebeu, pois sorriu de volta e saiu andando ao meu lado até a sala de História.

– Hey, Melly! – Ouvi a Caitlin gritar. Virei a minha cabeça em sua direção vendo que ela estava com os meninos. Apenas acenei para eles e voltei a prestar atenção no que o Logan falava.

– Então Mellanie, a gente se vê depois. – Falou assim que chegamos em frente a sala de história.

– Ok, tchau. - Disse após ele me dar um beijo no rosto.

Entrei na sala de aula vendo que já tinha alguns alunos lá. Andei pela sala até chegar ao fundo, onde me sentei em uma cadeira ao lado da janela. Fiquei olhando através da mesma vendo pelo canto do olho as pessoas entrarem e se sentarem em suas cadeiras até o professor chegar cheio de pastas nas mãos chamando a atenção da turma que conversava entre si.

[...]

Me sentei em uma mesa vazia no canto do refeitório. Peguei o meu iPod e coloquei os fones me desligando por completo de tudo a minha volta. Dei uma mordida na minha maçã vendo a Caitlin e os meninos sentados em uma mesa próxima da minha. Dei de ombros e voltei a prestar atenção na maçã que eu segurava em minhas mãos. Olhei para o lado rapidamente após sentir mãos geladas tirarem um dos meus fones.

– E aí? – Falou ele se sentando de frente para mim.

– E aí o quê? – Perguntei confusa.

– Por que não se sentou com eles? – Perguntou o Logan apontando com a cabeça para a mesa onde estava a Cait e os meninos.

– Porque eu não quis. – Respondi dando de ombros.

– Vou fingir que acredito. – Disse dando um gole em sua latinha de coca-cola.

Ignorei o seu comentário e coloquei novamente os fones olhando para a mesa dos meninos percebendo que o Justin me olhava. Ficamos nos encarando por alguns minutos até o Chaz chamar a sua atenção e o Justin desviar o olhar para o mesmo. Percebi que ele falou alguma coisa para eles, pois olharam para mim e para o Logan que agora falava algo que eu não estava prestando a mínima atenção por estar com os fones.

Olhei para o outro lado ignorando o olhar deles sobre mim. Suspirei e me levantei ignorando também o que o Logan falou o deixando lá parado com cara de idiota.

[...]

– Por que aquela hora saiu do refeitório de uma hora pra outra? – Ouvi a voz do Logan.

Fechei a porta do armário dando de ombros.

– Tudo bem, hoje você está estranha. – Falou me seguindo.

– Eu não estou estranha, eu sou estranha. Essa sou eu. – Falei parando de andar.

– Ok, mas o que aconteceu? – Perguntou.

– Nada. – Disse simplesmente voltando a andar deixando-o lá parado novamente, mas logo ele se apressou em me acompanhar novamente.

– Ta... Se você não quer falar não precisa. – Falou assim que me alcançou.

– Olha... - Quase dei de cara com uma porta sendo aberta, e de dentro dela sair o Justin junto da Caitlin e dos meninos.

– Hey Melly! – Falou o Chaz.

–Oi. – Disse simplesmente.

– Não vai ver o treino hoje não? – Perguntou o Ryan.

– Ah... Eu já estava indo pra casa. – Tentei inventar uma desculpa qualquer.

– Você vai pra casa depois! – Disse a Caitlin me puxando para perto dela. – Você vai ver o treino sim. – Afirmou.

– Eu tenho escolha? – Perguntei já me despedindo do Logan que apenas acenou com a mão.

– Deixa eu ver... Não. - Fui puxada pelo corredor pela Caitlin que só parou quando chegamos na quadra. – O treino já vai começar, te vejo daqui a pouco.

– Ok... – Murmurei indo me sentar na arquibancada.

Peguei o meu iPod e coloquei os fones ligando em uma música qualquer. Deixei tocando e passei a prestar atenção no treino deles. A Caitlin estava ensaiando algumas coreografias com as outras líderes de torcida e os meninos estavam novamente simulando um jogo. Dessa vez o Justin ficou em um time junto do Chris e o Ryan e o Chaz ficaram no outro. Voltei a prestar atenção nas meninas que agora estavam segurando pompons e imitavam uma menina que estava na frente das outras e parecia ser a “líder”. Desviei minha atenção delas ao ouvir o Ryan comemorando após fazer uma cesta. Procurei o Justin no meio dos meninos. Quando achei ele estava de cara fechada e jogou a bola com força para o Ryan que só riu da atitude dele, logo já estavam jogando normalmente.

– O que aconteceu? – Ouvi a Caitlin perguntar. Pelo canto do olho vi ela se sentar ao meu lado. Acho que as meninas tinham feito uma pausa no treino.

– Por que todo mundo está me perguntando isso hoje? – Perguntei irritada.

– Não sei... Talvez seja porque você nos ignorou o dia todo e está vestindo roupas diferentes das que você costuma usar. – Respondeu me encarando, ainda esperando uma resposta para sua pergunta.

– Eu não os ignorei o dia todo. – Discordei.

Ela suspirou olhando agora para os meninos.

– O Justin também está estranho. Não sei se você já percebeu, mas os olhos deles sempre o entregam. Quando ele sorri verdadeiramente seus olhos sempre brilham... Hoje ele sorria e a gente olhava para ele e via um olhar vazio, sem vida. – Fez uma pausa. – Não sei o que aconteceu com vocês dois, mas não parece ter sido algo muito... Agradável. – Disse agora me olhando. – Se você quiser me contar o que aconteceu, desabafar, não sei... Mas saiba que eu estou aqui, ok? – Falou mostrando sinceridade.

– Obrigado, mas não é nada demais... – Falei sorrindo fracamente para ela que também retribuiu dando um sorriso fraco. Olhei para o Justin que agora tinha acabado de fazer uma cesta e a primeira coisa que ele fez foi olhar para mim, e o sorriso que antes brincava em seus lábios desaparecer. – Nada que você possa me ajudar... – Sussurrei, mas para mim mesma do que para a Caitlin que pareceu não ouvir.