Clube Do Imaginário escrita por ShoutOut


Capítulo 12
12 – Nosso símbolo. Eric vs. Rudy, a revanche.


Notas iniciais do capítulo

Pessoal, esse capítulo tirou minhas energias, mas está MUITO bom, juro, tirou minhas emoções, mas espero que gostem =D



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12 – Nosso símbolo. Eric vs. Rudy, a revanche. E uma união a La gangue com AC/DC como hino.

2ª relato Tessa Harbor

Éramos sete malucos de pedra querendo viver em um estilo suicida. Não tinha outra explicação. E eu não disse que achava isso errado, pelo contrário, concordava com todas as minhas forças. Isso tudo daria uma ótima história.

Era isso que eu sempre quis: uma história que pudesse contar para alguém e despertasse algo diferente do que tudo que a pessoa tivesse vivido até então. Talvez esse seja o desejo de qualquer escritor em qualquer galáxia desse universo e de outros universos, não posso ter certeza.

Talvez fosse só uma busca conjunta de quem realmente nós éramos. Não sei o plano que o destino tinha para nós quando nos juntos, quando nos fez criar um mundo, quando nos fez encontrar a carinhosamente apelidada SSD. Talvez a graça esteja em não saber o que o destino planeja para nós, os roteiristas por eles contratados estão trabalhando num mistério que você só solucionará se continuar em frente, era isso que nós, o clube do imaginário, iríamos fazer.

Sete malucos suicidas contra a realidade.

Um dia depois da nossa reunião com os membros da SSD (sociedade secreta dos desordeiros), foi um sábado na verdade. Como sempre, desde a origem do nosso mundo, aos sábados nos reunimos na clareira, para imaginar, viver contra a realidade, pelo menos por alguns instantes.

Era sempre o mesmo esquema, iríamos para a escola e de lá Rudy nos pegaria no carro do seu vizinho (ele tinha nos contado a história do vizinho cego dele, o senhor Lewis) e iríamos à clareira.

Naquele dia, porém, marcava uma coisa meio simples, mas importante para nós. O fim da “reforma” na cabana. Hansel estava quase pulando de felicidade, afinal ele tinha dado uma de arquiteto de todo o projeto. Estava com seu violão sobre o colo e a gaita no bolso, sorrindo feliz da vida.

            Harley estava com a câmera aposta, nos filmando, como se fosse o último dia de sua vida. Era impressionante como ela sempre tinha a câmera perto dela, principalmente nos momentos entre os membros do clube.

            Rudy dirigia relaxadamente, com uma mão sobre a janela, fazendo ondinhas com o vento e outra sobre o volante, nos observando pelo retrovisor. Ele era o observador do grupo, é como se a alegria o contagiasse não por participar, mas só de observar tudo de uma maneira mais passiva.

             Max e Garrett brincavam conosco, mas eu sabia que Garrett guardava um talento, o de liderança. Depois de ver como ele se comportou na frente da SSD, eu sabia disso.

            Ramone tinha cara de aventureira, olhava para tudo esperando algo inesperado. Queria poder ser assim, acho que por isso que nos tornamos amigas com facilidade.

            Eu, bem, posso dizer só uma coisa sobre mim, ali. Eu sou uma ponte. Daria tudo no mundo para conseguir deixá-los ali, na felicidade, mesmo se custasse a minha.  

            Resumindo, acho que quanto mais tempo ficava no clube, mais tempo entrava em uma espécie de redoma escrota de pensamentos meio filosóficos, mas tudo que eu queria era viver, esses pensamentos me acompanhariam, se confirmariam – eu sabia disso –, mas eu queria viver contra a realidade.

            Era impressionante tudo que eu sentia enquanto estávamos na floresta, indo para a clareira.

            Meu corpo se tornava uma pena branca e até mesmo um pouco reluzente que flutua pelo céu embalada por uma música simples e melodiosa que não precisava de letras para significar tudo e nada.

            Em entrava por uma espécie de portal mágico formado por pequenas criaturinhas verdes que de longe seriam flores campestres, mas na verdade são uma nova espécie de fada, onde as pétalas coloridas são como sua roupa. Elas tem olhos brancos e cabecinhas que me lembram um Pokémon. Sorriu para elas, então o vento passa, as levando para longe numa dança aleatoriamente sincronizada para o infinito.

            Então eis que a clareira surge na nossa frente mostrando tudo que a imaginação pode, ou não criar.

            Queria dizer que um dia seremos capazes de descrever tudo ao nosso redor. Como a clareira mudou nossas vidas. Como era um ele perdido entre tanto mundos paralelos que ainda são uma incógnita para a sociedade. Como tudo aquilo, imaginado, era belo.

            Mas não, você nunca poderá ver o que nós vimos, poderá ver coisas ainda maiores, ou coisas menores, porque, me diz aí, o que é real? Você pode me descrever com palavras exatas o que é real como um professor de física deduzindo uma fórmula?

            Quer saber? Você pode tentar, os carteiros que enviam mensagens no seu cérebro trabalhariam como um bando de malucos, mas nunca, jamais, você vai poder explicar isso.

            Ninguém pode. Isso é algo escrotamente nomeado como irrealidade, imaginação, loucura até, se você quiser – mas que graça há nesse mundo se não formos um pouco loucos?. O que para mim é real, pra você pode ser uma viagem louca dada em cima de uma onda de chantilly onde sua avó vai está surfando usando biquíni.

Resumindo: é algo incontrolável, impossível de ser deduzido, mas que é tão simples quanto observar o pôr do sol.

Porque você acha, meu querido monstrinho, que existem escritores, que conseguem abrir portais para outros mundos em suas mentes, os fazendo viver aventuras sem sair de uma cadeira?

Elementar, meu caro. Escritores ,os bons que não escrevem livros de autoajuda ou coisa do tipo que só servem para deixar pessoas neuróticas mais neuróticas ainda, são pessoas que imaginam, e descrevem o que imaginam. E imaginação gera imaginação.

Por isso eu adoro escrever. Imaginação vicia, como uma droga. Eu já era uma viciada há anos, os outros membros do clube, se viciaram rapidamente. Era quase uma roda de fumo, nossas “reuniões” aos sábados.

Bem, saindo de toda essa filosofia, que eu adorei, foi bom. Vamos a inauguração da nova cabana.

A cabana parecia parte da natureza, como uma árvore mutante de madeira escura em forma de uma casa de um andar. No chão ao redor algumas flores pequenas e brancas cresciam, entrando em contraste com a cor da cabana.

Era algo simples, sim, quase sem graça, sim, mas para nós era um castelo.

- Está... – Harley começou logo atrás de nós, filmando tudo. – Perfeito.

Rudy deu alguns passos para trás com as mãos nos bolsos, observando tudo nos mínimos detalhes com seus olhos azuis.

- Barbie, o final.

Eu me virei meio devagar, quando vi Hansel tinha uma cara que dizia só uma coisa “Hetfield, seu filho da puta”, mas seguiu até o carro.

Esqueci de mencionar que viajamos com uma coisa bem grande que estava enrolada em papelão. Hansel apareceu com ela e mais duas coisas que eu demorei a perceber que eram trincas.

- O que...

- Esperem vocês. – Max falou. - Aprontamos uma.

- O que? –perguntamos, nós, as meninas, confusas.

Hansel riu alto então pegou a câmera de Harley e a apontou para a coisa enorme enrolada no papelão.

- Sabe a única coisa que essa cabana não tem? –ele abriu um sorriso enorme enquanto eu e as meninas olhávamos para ele confusas. – Uma porta.

Então ele rasgou o papelão com força, quase que a porta caia no chão.

A porta era branca como a pena de um pombo, entrava até em contraste com o resto da cabana.

- Sabem que a lei do mundo que maioria das coisas passam não é? –Garrett começou. – Nossa adolescência vai passar, Beatles vai passar, a beleza da Scarlet Johannson vai passar. –Os garotos fingiram lamentar. – Mas sabe o que demora mais a passar? Lembranças, por mais que elas acabem se modificando, porque isso aqui. – ele apontou para a cabeça. – Nosso cérebro é a coisa mais chapada que existe, principalmente o cérebro do Hansel...

- Você me ama né, Castello?

- Então, eu o garotos pensamos, porque não eternizar nossas lembranças no clube? Mas eternizar até que nossos “sucessores” cheguem, para que eles saibam quem fomos. –ele colocou a mão na porta. – Isso é para pormos o que tivermos na cabeça que achamos fazer parte da nossa alma, como um desenho ou algo escrito, mas que seja curto, será nosso símbolo, no final desse ano, provavelmente, eu não sei, olharemos para cá e veremos o que o tempo juntos, como o clube do imaginário, fez conosco.  Então daqui uns anos, quando outro grupo de adolescentes achar essa cabana verá tudo e verá como nos sentimos, mas devemos dizer a próxima geração que pinte a porta, para que assim eles mesmo criem suas histórias e as desenhem aqui, e assim será o ciclo até que essa porta aguente ou que a natureza deixe isso inacessível aos humanos. Será como um portal que atravessará anos e anos.

            - Só que tem uma regra. –falou Hansel. – Só desenharemos, ou escrevemos do lado de dentro, só vamos fazer isso do lado de fora quando tivermos certeza o que nossas almas são, ai deixaremos até mesmo nossos nomes, para o tempo.

            - Incertezas dentro, certezas fora. É como nós, seres humanos, somos. – falei sorridente. – Não sabia que vocês eram tão inteligentes meninos.

            Eles riram, e então ficamos esperando até Hansel por a porta no lugar. Eu devia perguntar como ele conseguia isso, mas era melhor não. Peguei meu caderno de anotações que sempre estava perto de mim e olhei para uma folha em branco, pensando no que escrever.

            “É fácil falar, como vou saber algo que é da minha alma?!”

            Alma é algo tão confuso que até mesmo não sabemos se realmente existe.

            Eu precisava de uma frase, curta, mas sabe aqueles momentos até mesmo alguém que é acostumado a escrever não consegue escrever porque não acha as palavras certas?

            Fechei meus olhos me lembrando de músicas que eu escutava quando queria escrever, geralmente ajudavam, mas naquele momento não.

            Era algo que eu não poderia criar, só, simplesmente, dizer.

            Queria ser uma super-heroína, pelo menos de vez em quando, com uma roupa maneira e superpoderes. Eu ainda seria uma ponte a felicidade dos outros, mas sempre conseguiria me reerguer, nada teria forçar contra mim.

            Mas sou humana. Tudo que posso fazer com super-heróis é ver filmes em 3D e imaginar está lá com eles.

            - Gostam de Avengers? –perguntei para todos sorrindo, já sabia o que fazer.

            É, depois de um tempo, ficar andando com a Ramone e pegar a mania dela de baixar as trilha sonorosas dos filmes era algo útil.

            Todos me olharam confusos, mas eu gostava disso, da confusão, de fazer coisas que as pessoas não esperavam que eu fizesse.

            Garrett estava com canetas permanentes na mão conversando algo com Rudy, roubei uma delas e me sentei no chão, logo a frente da porta.

            - Espero que eu não erre nada. –sussurrei para mim mesma.

            “I'm drifting far beyond the edge” –escrevi tentando deixar minha letra bonita, coisa que não era. (tradução: Eu estou à deriva muito além do limite)

            Não era só eu, todos nós estávamos à deriva no mar bem longe de nossos limites sem saber como voltar. 

            - Evanescence. – Ramone sorriu. – Ótima primeira frase.

            - Realmente. –Harley comentou. – Você sempre sabe o que escrever foguinho.

            “Nem sempre Harley” –pensei em responder, mas fiquei calada.

            Canetas foram distribuídas e todos começaram a escrever/desenhar.

            O mais esquisito foi o desenho de Rudy, que foi o último a terminar. Ele desenhou um disco de vinil com caneta permanente preta, o que era bem estranho porque não era algo na nossa época e lembrava discoteca. Só que ele não pintou o interior, ficou parecendo um disco de vinil branco.

            - Você é estranho sabia? –perguntou Ramone cruzando os braços.

            Rudy deu um olhar característico de que achou isso engraçado, mas continuou sério (parecia que ele não conseguia sorrir, era até estranho quando ele ria) e foi para o interior da cabana, pegando um pacote de biscoitos que os meninos deviam ter deixado ali anteriormente.

            A cabana por dentro era bem simples, não tinha mesa ou qualquer coisa, mas algumas tábuas de maneira atravessavam as paredes em diagonal e serviam como assentos. E ainda tinha três redes que os meninos tinham posto ali, acho que eram para as garotas, mas nós, as meninas, preferimos nos encostar na madeira fria, mais acolhedora.

            Hansel começou a tocar A new way to bleed do Evanescence, logo a música de onde eu tinha tirado a frase, mas no lugar de ser algo como era quando a Amy Lee [Eu sei que você ama ela, Harley, não precisa gritar] que fica uma coisa tocante, ele começou a fazer voz de mulher nos fazendo rir.

            Sim, estávamos à deriva, a milhas de distância além dos nossos limites, mas poderíamos aguentar, pelo menos se momentos como aquele se prolongassem.

            Depois dessa música, Hansel resolveu dar uma de romântico e tocou October com sua voz normal.

            A garota que conseguisse domá-lo seria uma sortuda nesse aspecto, o maluco realmente cantava bem. Era impressionante como nos sentíamos bem com ele no violão, cantávamos juntos como estivéssemos em um show e ele fosse a atração principal.

            - Para por um tempo. – Gar falou colocando uma mão sobre o violão. – Acho que agora eu posso falar.

            - O que foi? –perguntou Ramone com certa raiva. Dentre as meninas, ela quem gostava mais dos momentos musicais, pelo menos era o óbvio na época. (Como diria o Gar, “sinta o mistério”)

            - Tem um boato andando no meio do pessoal dos times, com o pouco dos jogadores que ainda falam comigo eu conseguir descobrir qual é. –Garrett começou.

            - Pelo amor de Deus, não enrola, e eu acho que nem precisa falar, sabe que não vale apena entrar na onda dos caras. – Max falou sério até demais, deu para ver que até Harley não reconheceu o irmão naquele instante. 

            - Mas ele tem direito de saber. – Garrett apontou para Rudy. Todos nós prendemos a respiração e podíamos sentir como se ninfas de gelo tivessem baixado o temperatura da cabana em 1000000%.  - Eric ficou bom do ombro, agora ele quer seu sangue Rudy. Já até desafiou, me usaram como porta-voz. –Garrett falou com um olhar meio estranho de chefão de video game. – Hoje à noite, ás 20:00, no terreno baldio atrás do teatro municipal.

            - Ele quer plateia. –Hansel se manifestou. – E grande.

            - Aquele garoto adora dar um showzinho. – Harley se pós em pé em um segundo, com a raiva estampada no seu rosto. – Você não pode ir.

            Rudy levantou o olhar. O olhar feroz. O olhar psicopata que só ele sabia dar.

            - Posso saber por quê? –indagou.

            - Você é idiota? Acha mesmo que o Eric do nada vai ter uma briga justa com você? Por acaso foi você quem quase partiu o ombro dele ao meio, não um androide  com sua aparência. Os outros vão se meter e te trucidar. – A pergunta de Rudy só a tinha deixado com mais raiva.

            - Desde quando eu sou de fugir de uma briga Harley? – Rudy indagou novamente arqueando uma sobrancelha. – E você mesma falou, ele tem um motivo pra querer me matar, pelo menos agora é briga de verdade, não é como a briga do começo do ano.

            Era certo que ele já tinha aceitado o desafio assim que ouviu dele.

            - Vamos com você. – Hansel garantiu. – Nós quatro podemos dar conta. E também, só podemos saber se os outros vão se meter vendo.

            - Eric é capitão do time basquete, pode conseguir muita gente pra briga, ele é influente. – sussurrei meio assustada só de imaginar no que essa briga poderia dar.

            - Eu vou junto. – Harley falou com cara que se alguém discutisse levava um murro no meio da fuça. – E se formos parar no hospital eu te castro.

            Rudy deu um sorriso de lado, acho que foi a primeira vez que o vi sorrindo e aquilo me deu medo. Foi um sorriso que me lembrou filmes de terror. Um sorriso que dizia “Beleza, vamos ver sangue hoje” e disse:

            - Vamos esquecer por um tempo, depois é só bater num mauricinho filho da puta.

            Então, acho melhor que dizer o que aconteceu depois disso. O clima ficou muito frio entre todos. Era como se a magia da finalização da reforma na cabana e da criação do nosso símbolo tivesse escoado para o subsolo.

            Mal percebemos o quando bateu o meio da tarde. Parecia que alguém tinha feito questão de apertar o botão avançar do tempo.

            - Nos encontramos em frente ao teatro antes das 20:00. – Harley olhou para mim e para a Ramone. – Querem ir?

            - Como você...

            - Eu vou. – saiu do nada. – Quero ver no que isso vai dar. – Eu realmente queria. – E se eu puder ajudar em alguma coisa...

            - Não se metam, não quero ter que me preocupar com três garotas no meio de uma briga, já basta uma. – Rudy falou enquanto se levantava. – Vamos logo, deixo vocês no colégio.

            Saímos andando perdidos em nossos pensamentos. Acho que nem naquela hora nosso mundo poderia nos relaxar.

            - “Não quero ter que me preocupar com três garotas no meio de uma briga, já basta uma.” –Harley sussurrou bufando. – O que ele acha que somos nós, meninas? Um bando de bonecas que não aguenta porrada?

            Segurei no seu ombro atraindo sua atenção.

            - Não. – eu sussurrei.

            Acho que só com um olhar ela entendeu o que eu queria dizer.

            Rudy sabia que se fosse preciso, nós, as garotas do clube do imaginário, entraríamos na briga sem pensar duas vezes. Talvez fosse esse sentimento maluco que todo adolescente tem de ser invencível.

            A verdade é, que isso não é pensamento, é uma verdade – Somos invencíveis, no momento que sentimos isso, nós somos. Sentimento igual à possibilidade, não é uma equação difícil.

            O que poderia nos fazer perder é que esse sentimento também estava na linha inimiga, e não podíamos relevar isso.

            Rudy sabia bem disso, e tinha medo. Medo no que isso poderia causar. Queria nos proteger.

            É, criar personagens ajuda a entender as pessoas. Até mesmo a mais esquisita, calada, observadora e meio sem sentido que eu conhecia.

            Meus pais me pegaram pouco tempo depois que chegamos a escola.

            Tentei escrever alguma coisa, ou até mesmo fazer alguma coisa, mas não consegui. Era meio estranho. Foram horas de vida gastas olhando para o teto.

            Meu celular tocou, era uma mensagem da Ramone:

            “Você vai ver a briga?”

            Pensei por alguns segundos, sim, eu iria, não só ver, se fosse para brigar, que fosse. Seres humanos são racionais, mas podemos agir de modo instintivo, iria está machucando meus amigos merda, isso iria me deixar irada.

            “Sim, e você?” –perguntei sabendo que deveria escrever mais, contar tudo que estava dentro de mim, mas era melhor não

            “Eu vou, chutar alguns traseiros de vez em quando é divertido” –santa ironia da Ramone, só isso para me fazer soltar uma risada tímida.

            A noite chegou rápido. Consegui enrolar meus pais dizendo que iria ao cinema com alguns amigos meus. Meus pais eram legais, muito mais legais do que qualquer outro casal de pais que eu já tinha conhecido, não gostava de mentir para eles, mas naquela hora foi necessário.

            Sai correndo. Morava a uma distância razoável da casa do Hansel, mas... Somos semivizinhos. Ele acabou me acompanhando. Era uma caminhada boa até o teatro municipal, mas que fosse. Encontramos uma Ramone séria no caminho olhando desconfiada para os lados.

            - Se minha mãe me ver fora de casa agora ela me mata, tinha que ficar cuidado dos pestinhas hoje pra ela ter um jantar romântico com o meu pai. – explicou quase se escondendo no corpo do Hansel.

            - Sempre a mesma coisa. – Hansel sorriu e lhe deu um beijo no cabelo.

            Os dois eram realmente amigos, você conseguia ver de longe, como parceiros de uma jornada infinita, era legal.

            Eu nunca tinha tido um amigo aos pés daquele tipo de relacionamento até o clube ser formado, só amigos passageiros, ou da internet, ou alguns de biblioteca (só um na verdade: a Valentina). Nunca tinha tido amigos que lutavam para ficar do meu lado, coisa que amigos de verdade, que andam com você, fazem. A Vale... a história era outra com ela, era como.... amigos da Internet.

            E sim, só tínhamos um mês e algumas semanas de amizade, mas vá par ao inferno, você sabe que, às vezes, isso é completamente incontrolável, como se apaixonar, mas de um jeito que não machuca tanto.

            Chegamos a rua do teatro ás 19:45.

            O teatro era um prédio antigo que de longe e com a iluminação que tinha a noite parecia ser feito de ouro envelhecido, sem brincadeira. Lembrar disso, naquela hora, só me fez imaginar uma massa enorme de sangue caindo sobre a sacada do prédio.

            Eu sei, sádico, e eu também estava exagerando, mas vai saber, mente humana é algo estranho.

            A rua (ou seria melhor avenida?) do teatro era a mais bela da cidade, cheia de lojas, era o único lugar onde realmente poderíamos achar turistas.

            Max, Harley e Garrett estavam na escadaria do teatro do outro lado da rua (ou avenida), mais alguns bons dez metros a nossa esquerda. Harley parecia trocar mensagens e observar a rua enquanto o seu irmão e Garrett conversavam sérios.

            - E ai? –escutei alguém nos chamar.

            Rudy apareceu a poucos metros a nossa esquerda, encostado na vitrine do que parecia ser um antiquário.

            - Desde quando você está ai? –perguntou Hansel meio que com cara de susto. – Parece um fantasma aparecendo do nada.

            - Respondeu sua pergunta. – Rudy começou. – Desde que deixei vocês. – Olhamos para ele confusos, ele coçou a cabeça e disse. – Venham comigo.

            Acho que Harley nos viu antes de entrarmos no beco, pude sentir meu celular vibrando na minha bolsa, provavelmente era alguma mensagem, mas acabei seguindo os outros para o que tinha logo após o antiquário.

            Beco diagonal, isso que eu posso dizer.

            Era literalmente um beco sem saída com exatamente cinco lojas e um mini cinema, que ficava logo na entrava, bem do lado do antiquário, como se os dois fossem os guardiões do lugar.

As lojas eram assim:

Um paraíso para roqueiros, onde faziam tatuagens, colocavam piercings e ainda vendias blusas de bandas de rock e acessórios de roqueiros. O paraíso dos CD’s, LP’s, e disco de vinil, parecia que ali era a casa de Apolo, ou era onde ele guardava a coleção dele de CD’s e adjacências. O paraíso do desenho, com tudo de desenhos, desde coisas para pintura até para fazer revistas em quadrinhos, e até mesmo revistas em quadrinho para vender. O paraíso dos músicos, uma loja de onde pareciam brotar instrumentos musicais. E no centro, imponente e sorrindo para mim estava uma livraria, com livros novos e velhos, edições originais... TUDO.

            - Ok, a briga já aconteceu, e todos nós morremos, certo?  Here’s the paradise! – Ramone falou com os olhos arregalados.

            Acho que todos nós estávamos com olhos arregalados sentindo a energia daquele lugar.

            - Dá vontade de nunca mais sair não é? – Rudy colocou mão na nuca e olhou para a livraria. – Já que querem minha morte por ai, pensei em passar por aqui.

            - Não se atreva a por coisas sádicas aqui, psicopata. – Falei. – Parece o Beco Diagonal, não estrague a magia do lugar.

            - Você devia parar de ler tanto, foguinho.

            - Você devia parar de ser tão irritante, porco. –respondi, e realmente, Hansel era meio porco.

            Rudy olhou para nós, virando a cabeça para trás, o que me lembrou muito um personagem de anime.

            - Ei Porco, se a gente sobreviver, quero jogar basquete.

            - Porque dessa agora? –perguntei confusa.

            - Deu vontade. – Rudy deu de ombros. – Última vontade de um possível morto. – Ele sorriu. O sorriso psicopata atacou novamente me deixando com um frio na barriga. – Ou um possível assassino.

            Hansel riu e colocou o braço sobre os ombros do Rudy e puxando para longe d beco.

            - É assim que se fala. – ele começou. – Terminamos a briga, saímos de lá com o sangue do Eric nas mãos e voltamos aqui porque eu quero uma palheta nova, beleza?

            Rudy assentiu com a cabeça e seguimos para o teatro.

            O terreno baldio, pelo o que já tinham me dito, era um antigo armazém que foi abandonado e não servia mais para nada. O lugar era tão grande que cabia uns sete ginásios dentro.

            Passamos pela cerca com facilidade e demos logo de cara com doze garotos, tirando o Eric.

            - Olha só quem apareceu. – Eric se pronunciou sorrindo psicopaticamente.

            “ESSE GAROTOS REALMENTE PARECEM PERSONAGENS DE ANIME!” – minha mente estava a mil.

            - Fiquem aqui. – Garrett falou. – Tentem não chegar perto da confusão.

            Então nossos cinco briguentos foram caminhando até o campo de batalha.

            - Isso vai ser um banho de sangue. – Ramone observou enquanto nos escondíamos nas sombras.

            Eric sorriu quando viu Harley andando no meio dos garotos, destemida.

            - Isso não é lugar para garotas, celebridade. –observou.

            - Jura? Achei que você queria um autógrafo meu, por isso que eu vim. – Harley estava afiada.

            Eles pareciam realmente acreditar que iriam vencer.

            - Ei, Eric. – Rudy chamou. – Pensava que seu problema era comigo, lembra? Ombro direito eu acho... To com vontade de acabar com o outro.

            - Sou eu que vou acabar com você, filho da puta! – Eric estava começando a ficar vermelho de raiva. – Pedaço por pedaço.

            Merda, merda, merda. Só de ouvir isso eu sabia que iria dar em merda.

            Eric tirou um canivete bem grande da calça e mostrou e lâmina que reluziu de modo mortífero com a luz da lua.

            M-E-R-D-A!

            Rudy olhou para ele mais sério do que nunca, parecia que estava prestes... A matar alguém.

            - Nenhum deles se mete no meio certo? – Eric movimentou a lâmina em resposta a pergunta de Rudy. – Então, se você quer sangue, você vai ter. – E foi a última provocação.

            - Qual é desse garoto com AC/DC?  -Ramone observou.

            Eric praticamente avançou contra Rudy com a faca em mão. Os reflexos do garoto eram bons, Rudy escapava por pouco de ser esfaqueado.

            Olhei para os lados, tinha que ter alguma coisa que ajudasse o psicopata ali.

            E pior que tinha.

            - Fica ai. –disse para a minha amiga.

            Fui me esgueirando entre as sombras até uma cerca a mais ou menos uns três metros de mim. E lá tinha... Uma corrente enferrujada soltinha.

            - Agora você só morre de tétano Rudy. – Sussurrei antes de voltar ao meu esconderijo.

            “Se eu pelo menos pudesse chamar a atenção da Harley.” – Pensei.

            Eu teria que ir lá. Não tinha jeito.

            - Eric acertou o Rudy. – Ramone falou assim que me viu chegando. – Logo a cima da sobrancelha, o corte tá feio.

            Eu tinha que ir lá, o mais rápido possível,

            Corri até eles, escondendo a corrente com o meu corpo. Até chegar perto da briga.

            Tinha uma quantidade razoável de sangue no chão, não dava para saber de quem era. Rudy tinha o corte, mas Eric estava com a cara começando a ficar seriamente inchada.

            - Aqui. – sussurrei jogando a corrente no chão. – Espero que ajude.

            Corri de volta ao meu esconderijo, desejando com todas as forças que tudo aquilo terminasse logo.

            Como eu era idiota, eu só tinha piorado as coisas.

            Rudy pegou a corrente. Não demorou muito para que ele conseguisse pender Eric numa gravata. Quando Eric estava para desmaiar, alguém pegou seu canivete e acertou Rudy bem perto do pulso esquerdo o fazendo soltar o garoto no impulso.

            - Estão mortos. – Ramone sussurrou se sentando no chão. – Vamos lá.

            - Vamos só atrapalhar. –falei nervosa. – Não podemos fazer nada.

            Passaram-se uns três minutos, e foram os piores da minha vida. Eu me senti como uma prisioneira numa ditadura sendo forçada a ver seus amigos sendo mortos. Até mesmo em Harley ele estava batendo.

            - Oi garotas. – Alguém sussurrou perto de nós. Dei um grito de susto. – Não gritem. – Era Otto segurando o meu ombro e de Ramone. – Mas que merda, eu sabia que isso iria dar em merda.

            Quando vi, Marcos, Ryuu, Samara, Fantine, Frank, Luna, Baco e Teddy apareceram correndo em direção à briga. Ainda bem, tínhamos ajuda.

            - Desculpem a demora, tive que ir pegar os outros, olha só se quiserem. – Otto soltou nossos ombros. – Vingar seus amigos podem ir, agora as probabilidades estão a favor de vocês.

            Corremos como duas malucas. A raiva era tanta que não nos importávamos se não éramos boas de briga, eu só queria um pouco de sangue em minhas mãos.

            Raiva é isso, um desejo instintivo por sangue, nada mais. Se causa coisas diversas a culpa não é minha.

            Só notei quando a briga acabou quando estávamos segurando os diversos jogadores dos times para dar espaço para Rudy e Eric.

            Rudy segurou Eric pela gola da camisa e disse com tanta raiva que eu achava melhor corremos, porque os leões seriam soltou.

            - Se tudo isso acontecer de novo, eu mato você. – então jogou o garoto para longe.

            Foi engraçado ver as zebras do time correndo que nem um bando de malucos com medo.

            Rudy se jogou no chão enquanto os outros avaliavam seus ferimentos. Eu fiquei só com um hematoma, Ramone também. O resto do pessoal só tinha alguns arranhões, mas Rudy era o pior de todos.

            Harley foi até Rudy, o puxou pelo braço e disse:

            - Kit de primeiro socorros, urgência...

            - Harley... – Rudy começou mordendo o lábio, pelo jeito os cortes eram feios.

            - Espero que fique com cicatrizes bem feias seu imbecil. – Harley bufou pegando um lenço do seu casaco e passando nos corte do Rudy e depois olhou para cima e maneira meio teatral. – Garotos...

            Aquilo me fez rir. Até eu estava querendo que Rudy ficasse com cicatrizes bem feias.

            Acabamos indo para o carro de Otto, [Beleza Harley, eu vou falar] Era um Cadillac Eldorado 1976 azul escuro que fez Harley parar por alguns segundos de xingar Rudy e admirar o carro.

            - Você não pode ser adulto. – Harley falou para Otto. – Parou na adolescência.

            - Eu parei mesmo. – foi o que ele respondeu.

            Quando fui ver estávamos no porão da oficina de Otto escutando música, bebendo alguma coisa e limpando os arranhões.

            Harley e Rudy estavam mais afastados de nós. Ele sentado na escada e ela logo na sua frente. Não faço a mínima ideia o que falaram um para o outro, mas eles conversaram sim. O jeito que ele olhava para ela, o jeito que ela tirava o cabelo dele da testa para conseguir limpar o ferimento, como ela colocava os curativos, como parecia dar broncas nele...

            Foi só um sorriso normal surgir no rosto de Rudy e como seu olhar parecia mudar que eu sabia que a cois amais escrota do mundo estava feita bem na minha frente.

            - Ei, alguém tem uma guitarra? – Hansel perguntou depois de beber uma cerveja. –  To afim de tocar uma coisa pro nosso amigo psicopata aqui.

            - Psicopata? – perguntou Luna ainda fumando.

            - Rudy é só nome artístico. – ele respondeu.

            Rudy olhou para nós e apontou para Otto, como se respondesse a pergunta de Hansel.

            - Tá, mas cuide bem dela, entendeu? Tenho ela há uns seis anos.

            - Guitarras velhas, adoro! – Hansel falou nos fazendo rir.

            Rudy se levantou normalmente, com dois curativos meio mal feitos no corpo e disse:

            - Pega o baixo Otto, ou será que o Barbum, perdeu a conexão mágica com a Beth?

            - Beth? – todos perguntaram.

            Bem, não demorou muito para uma guitarra e um baixo vermelhos estivesse entre nós. Os instrumentos foram plugados as caixas de som.

            - Bem, pelo jeito nosso amigo todo curativado ali gosta de AC/DC. – Hansel pareceu afinar a guitarra.

            - Posso saber o que está planejando fazer com a minha banda preferida, Porco? –perguntou Rudy cruzando os braços.

            - Alguma sugestão? – Hansel olhou para todos nós.

            Primeiro foi Teddy, depois Marcos, depois Luna, e ai contagiou a todos. E então lá começava um dos momentos mais malucos da minha vida. Não liguei se meus pais iriam brigar comigo por chegar tarde a casa e ainda toda cheia de arranhões e hematomas, só liguei para uma coisa. Que eu não queria que aquele momento mágico acabasse.

Era quase mágico fazer aquele som estranho com a garganta imitando um porco para acompanhar a música T.N.T do AC/DC . Dançar que nem uma barata tonta fazendo com que os outros rissem da minha cara, com If you want blood(You’ve got it), She likes rock and roll(gostei mais dessa música), Back in Black, You shook me all night long. Gritar feito uma maluca com Thundersturck, Highway to hell e Hells Bells.

            AC/DC parecia entrar em nossas almas com um hino nacional na época de uma ditadura. Eu sei, loucura, como tudo que fizemos naquele dia, mas não importava.

            Nada importava, só queríamos nos sentir invencíveis.

Últimas palavras deste relato:

            Já percebeu que todo ser humano do planeta sabe que é fraco, que o corpo é fraco.  Mas a alma, ou sei lá que coisa que move você a fazer o que você quer fazer é forte como uma muralha. E quando você tá entre amigos com música boa tocando ao fundo, principalmente, a sensação é que você é um super-herói, invencível, que o amanhã sempre será salvo por você.

            Invencibilidade não é algo físico, porque se não seria impossível, é algo de dentro, do fundo do coração, é uma sensação que é passageira, eu sei disso, a vida acaba com ela como um inseto, mas ela consegue voltar. Sempre, para dizer: “Olha aqui, filho da mãe, continue, você ainda tem muita história para fazer” 


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