POV. Lucia.

            Ele não pode estar falando serio.

            - O que...? – Nicolas murmurou enquanto eu encarava assustada para o rapaz de mascara prateada a minha frente.

            - Por que você fez isso? – perguntei calmamente. Embora a camada de prata escondesse a expressão de Andrew, eu podia ver o remorso e o arrependimento em seu olhar triste. Sabia que, se pudesse voltar no tempo, ele faria tudo diferente.

            - Por que sou um idiota. – respondeu ele – Um traidor da pior espécie. Não sei nem porque ainda estou vivo. Já era para Aslam ter me lançado no País de Tash há muito tempo. – suspirou ainda sem nos encarar.

            - Dá para explicar direito? – perguntou Nicolas, gentilmente.

            - Bom... Rillian era um dos meus melhores amigos. Ele, Julia e eu crescemos juntos, éramos inseparáveis... Até os últimos anos... Até eu conhecer aquela cobra de saia... Ela me usou para chegar a Rillian e o pior é que eu permiti. – ele riu sem humor, um riso dolorido, mas logo voltou a ficar sério. – Ela já havia me encantado, eu estava completamente louco por aquela desgraçada, então Rillian a conheceu. Logo ela começou a usar seus feitiços nele também. Eu fiquei cego de ciúmes... Cego o suficiente para não perceber que o que ela queria era nos pôr um contra o outro.

            “Assim que descobri que Rillian estava se encontrando com ela, fui tirar satisfações com ele... Brigamos feio naquele dia e Julia ficou no meio do fogo cruzado, Rillian achava que ela estava me defendendo e eu achava que ela estava do lado dele. No fim das contas, depois de muitos socos e golpes de espadas, ele me exilou do palácio... E de Telmar.”

            “Fui para o bosque esbravejando. A maldita foi ao meu encontro alimentar ainda mais a raiva que eu já estava sentindo de Rillian – falou com desdém, ao se referir a Dama. – Ela usou mais uma vez suas palavras cheias de veneno, disse que não n poderíamos ficar juntos com Rillian em nosso caminho, tínhamos que nos livrar dele. – Andrew parou de falar tentando controlar a voz que começava a sair chorosa. Com ela controlada, voltou a falar. – E eu, enfeitiçado, concordei. Planejamos tudo, quando e como seria... Eu mesmo fui falar com as ninfas para nos ajudarem, algumas, ambiciosas, aceitaram ficar do nosso lado, iludidas pelas falsas promessas que lhes foram feitas, mas outras não concordaram. – contou. – À medida que eu ia convivendo com ela, no fundo de minha mente dominada por seus feitiços, eu via a maldade por trás daquele rosto delicado, no fundo... Eu sabia que aquilo era errado, mas o encanto ainda era mais forte do que eu.”

            Nicolas e eu trocamos um olhar. Aquela história tinha mais mistérios do que esperávamos. Ele segurou minha mão e continuamos a ouvir a narração de Andrew que permanecia a não nos olhar.

            - No dia escolhido fomos ao encontro de Rillian às margens de uma das nascentes do Rio Veloz. O que eu não esperava era que Julia estaria com ele. Meu coração, se é que tenho um, doeu quando tive que fazê-la desmaiar. Nós a deixamos ali e levamos Rillian. As ninfas que estavam do nosso lado usaram seus poderes para andarmos por Narnia sem sermos percebidos. Levamos Rillian para a morada dela, lá, o feitiço que ela exercia sobre ele foi se intensificando. Ele esqueceu de mim, de Julia, dos pais, do seu povo... Esqueceu que é Rei. Narnia agora é, para ele, o reino que a Dama prometera lhe dar se ele lutar ao lado dela... Contudo, há um só hora no dia onde o feitiço não age.

            - Como assim? – perguntou Nick.

            - É como se Rillian tivesse adquirido uma dupla personalidade. – explicou Andrew. – Durante todo o dia ele é o cavaleiro negro que vai lutar ao lado da Dama para conquistar Narnia, mas, em apenas uma hora, ele é o Rei Rillian que sabe que a Dama é uma bruxa, que ela o aprisionara, e pede desesperadamente para que o tirem daquele lugar. Depois que essa hora acaba ele volta a ser o cavaleiro enfeitiçado e isso se repete todos os dias.

            - Isso é horrível! – botei para fora o nó em minha garganta.

            - Mas o Rillian nessa hora em ele é ele mesmo, não pode fugir daquele lugar? – perguntou Nicolas.

            - Poderia, porém a Dama contou ao cavaleiro negro que, durante uma hora no dia, ele se transforma em uma criatura horrenda que precisava ser acorrentada para não machucar ninguém, então o cavaleiro, inocente, permite que, durante essa hora, ele seja acorrentado em uma Cadeira de Prata para, supostamente, não machucar ninguém e o feitiço só pode ser quebrado se Rillian for liberto das correntes que o prendem a cadeira enquanto estiver em si, mas a Dama deu ordens para que ninguém obedeça aos pedidos de ajuda que a “criatura” desse. – ele fez uma pausa, mais uma vez tentando controlar a voz, ele conseguiu, mas não impediu que uma rolasse pela mascara prateada. – Eu o ouvi um dia, gritando por ajuda, trancado no quarto onde a cadeira ficava trancada. Naquele dia, a fraternidade que havia entre Rillian e eu foi mais forte e quebrou o feitiço que havia em mim. Eu assumi novamente o controle total de minha mente e de meus atos.

            “Entrei no quarto para libertá-lo a qualquer custo. Ele parou de se debater quando me viu, com o desespero fazendo lagrimas molharem seu rosto, ele suplicou para que eu o ajudasse. Quando o vi, daquele jeito, tive vontade de morrer, tamanho era o remorso e a culpa, e ainda são, mas naquela hora eles me atingiram em cheio.”

 “Corri para soltá-lo. Rillian me disse para que fosse rápido, pois faltavam poucos minutos para que a hora acabasse. Apressei-me. Primeiro soltei as duas pernas... Minhas mãos já estavam sujas pelo sangue de Rillian. As correntes o machucaram fazendo sangue escorrer pela cadeira... – ele fitava o vazio e eu senti uma lagrima escorrer de meus olhos fixos em Andrew. – Eu estava conseguindo! Já tinha soltado as duas pernas e um dos braços, foi quando a Dama chegou e no mesmo instante a hora de Rillian acabou... Antes que eu conseguisse soltar por completo a ultima corrente. Ele voltou a ser o cavaleiro.

“A Dama estava furiosa e disse a ele que eu tentara libertá-lo antes do tempo para que a “criatura” a matasse. Ele, por sua vez, acreditou. Rillian, com alguns soldados, expulsou-me de lá. Ela “sugeriu” que, para a segurança de todos, uma ameaça como eu deveria ser eliminada. Logico que ele acatou as suas ordens e quase conseguiu. Largou-me muito ferido no bosque narniano. Eu teria morrido, mas algumas das ninfas que não ficaram do lado da Dama me encontraram e usaram seus poderes para cuidar de meus ferimentos... Elas forjaram essa mascara por causa das cicatrizes... Quando me recuperei, fui ao encontro de Aslam em busca de ajuda para Rillian, mas ele disse que a ajuda já estava a caminho, só nos restava esperar. Não tive coragem de voltar ao castelo, não queria encarar Julia, então vim para Portiel. – contou.”

- Ainda não disse por que ela quer nos matar. – lembrou Nicolas, educadamente.

- Ora, por que vocês e os outros Reis e Amigos de Narnia são a ajuda de quem Aslam falava. Vocês foram trazidos do passado para salvar Rillian e garantir o futuro de Narnia. – falou como se fosse obvio. – E é logico que a Dama não vai permitir tão facilmente seus planos irem por água abaixo. Estando separados será mais fácil para as ninfas-do-lado-de-lá acabarem com suas vidas. Por isso temos que partir logo. – disse pondo-se de pé.

            - Para onde? – questionei, levantando. Nicolas me imitou.

            - Ao encontro dos outros. Temos que acabar logo com isso, salvar Rillian de uma vez por todas. – Andrew se dirigiu para a porta.

            - Você sabe onde Rillian está? – perguntei enquanto o seguíamos. Andrew parou antes de abrir a porta e falou por cima do ombro.

            - No Submundo...