Hoje é uma terça-feira. O tempo está fechado e sopra uma brisa gelada... Gosto deste clima. Não ‘tá insuportavelmente frio, mas também não ‘tá calor... Se me pedirem pra escolher entre um extremo ou outro escolho o calor, é fácil se livrar do calor: é só ligar um ventilador ou um ar condicionado ou improvisar um leque... Quando se sente frio e você vai vestir uma roupa mais pesada e ela ‘tá fria também, quero ver quem combate frio com frio, até o tempo passar você ficará desconfortável!

Até o tempo passar... *Ri um riso sem-graça. “Esperar o tempo passar” é tão frase-feita! É uma das coisas que você diz quando quer consolar alguém que perdeu um ente ou terminou um relacionamento – por mais merda que o relacionamento tenha sido as pessoas comuns não gostam de terminar, não me incluo nesse rol porque nunca cultivei um relacionamento –. As frases-feitas não aliviam a dor de quem as escuta, mas aliviam a consciência de quem as pronuncia... Eu as adoro! *Agora o meu riso ‘tá um tanto debochado...

Sinto um frio estranho na minha espinha, como se tivesse alguém me observando ou querendo ler o que tanto escrevo. É o meu amigo imaginário tardio... Eu sei. Eu simplesmente sei. Se ele existisse mesmo gostaria de ver a cara de cu dele quando lesse o que penso... *Meu riso se torna mais amplo e completamente debochado.

Preciso de uma pausa...

Largo o diário na minha cama. Gosto de manter minha bagunça perto de mim. Ligo a TV, como é semana útil e ainda é tarde vejo umas novelas velhas. O “meu” frio ainda me acompanha, me cubro com um cobertor. Meus olhos pesam dormir é inevitável.

Abro meus olhos de novo e não estou mais na casa dos meus pais. Tem um braço em cima de mim! Atrevo-me a olhar pra minha esquerda... “Um homem! Um gostoso! Morri e tem um céu!”. Tento me levantar daquela cama, eu me mexo um pouco a fim de me levantar discretamente, sinto o braço me apertar um pouco... “Acho que deveria saber quem é esse cara...”. Aproveitando que não sei o que fazer e estou acompanhada por um homem lindo, fico admirando meu ilustre desconhecido. Ele tinha os cabelos ondulados escuros, acho que pretos... As sobrancelhas eram grossas, tinha também uma barba por fazer... “Ele parece tão relaxado, tão em paz, tão diferente de mim!”.

 - Não estou dormindo, Inês.

- Você é fruto da minha imaginação! – Minha voz saiu firme, mas eu sentia minha gastrite querer atacar, aquela babaquice tinha que acabar! E o babaca ainda ri na minha cara!

- Ou você é um fruto da minha imaginação...

- Impossível! Você sabe o meu nome, eu não sei o seu ou ainda não tive tempo pra criar o seu. – Estava ficando histérica com o meu sonho! Muito bom, Inês! - E como sua criadora eu determino que você suma ou vá acompanhar outra! – Percebo seu sorriso sumir aos poucos... Sou uma artista, criei um ator fantástico! Nem eu sabia que era tão criativa assim!

- Se é o que você realmente quiser é o que terá. Você nunca conhecerá Heitor, nunca será mãe dos seus filhos, nunca será a mulher e mãe que quer ser. – Acho que vi decepção e tristeza naqueles olhos de um verde que eu nunca tinha visto antes. Ele estalou os dedos e eu simplesmente voltei pro meu quarto.

De volta a mim. Sinto um amargor, sinto um aperto... Lamento ter magoado o meu amigo imaginário. Minha mãe abre a porta do meu quarto me oferecendo um lanche, simplesmente me levanto e a abraço com força... Minhas lágrimas escorrem livremente. Eu só quero a minha mãe, só quero me esconder.