Dormir foi a pior parte, eu não conseguia achar uma posição. Toda vez que eu fechava os olhos na cama eu sentia como se estivesse flutuando no mar, era uma sensação nada gostosa pra quem só queria fechar os olhos e dormir direito. Passei a noite com os olhos abertos enquanto taluca dormia no chão sem nenhum problema, fiquei observando ela e pensando como deve ter sido horrível passar todo aquele tempo naquela aldeia com índios carnívoros, talvez eles já estivessem preparando um futuro cruel pra ela.

Não sei em qual parte eu dormi, se foi pensando em taluca ou se foi pensando no Justin e no seu noivado com a Pathy, mas dormi e acabei tendo um pesadelo muito angustiante:

"Eu estava na ilha, eu fui capturada pelos índios e eles me preparavam pra comer exatamente como aconteceu. Depois eles me puseram em um vestido branco e me colocaram na fogueira, tudo idêntico, eu procurei o Justin pelos índios que dançavam em comemoração a sua nova carne. Ele estava no meio deles, mas não me salvou, eu via em seus olhos a chama da fogueira abaixo de mim e ele não se movia, ele estava sério como se estivesse deixando acontecer aquilo comigo. Eu sentia o fogo queimar minha pele eu gritava angustiada para que Justin me ajudasse mais ele não se movia, eu não sei se Taluca estava no sonho, mas ela também não apareceu, meu vestido queimava em chamas e eu sabia que Justin não me ajudaria...
...Depois o sonho mudou, eu estava com Oscaliz no barco. Eu esfregava o chão do navio cantarolando uma música qualquer até que Elize se aproximou de mim, eu abri um sorriso pra ela mas seu olhar não era meigo e triste. Era triste sim, mas era um olhar cheio de raiva. Ela estava vestida com seus trajes de sempre, um avental e sua bandana escura na cabeça, ela puxou a espada da lateral do seu corpo e colocou a ponta sobre minha garganta:

– Oscaliz é meu, e você não tinha o direito de fazer ele se apaixonar por ti.

– Eu não fiz.. - eu disse engolindo a seco - Ei, Elize o que está acontecendo?

– Você vai pagar por fazer com que o MEU pirata se apaixonasse por ti - ela falava com raiva na voz.

– Não mandamos no coração - eu disse de imediato. Ela levantou a espada, Oscaliz acompanhava a cena mas Justin surgiu do nada e se tacou na minha frente quando ela decidiu descer a espada, a espada atravessou o peito de Justin que prendeu o grito, mas eu gritei por ele. Justin caiu ensangüentado aos meus pés, eu fiquei ao lado dele, segurando seu corpo.

– Justin! - eu gritava - Resiste essa.

– Eu.. eu - ele tentava dizer e eu estava atenta, mas ele não conseguiu dizer nada, eu lembro de ter acordado berrando pelo nome dele.

– Are you ok girl?! - perguntou taluca passando a mão no meu rosto suado querendo saber se eu estava bem, eu a puxei e a abracei forte chorando.

Minha mãe e meu pai entraram no quarto logo depois e assustados, se agaicharam perguntando meu sonho, eu os contei e depois daquilo não consegui mais dormir.

Taluca disse que iria ver a noite, passear um pouco. Disse que minha angustia fazia ela se sentir um pouco mal. Ela pulou da janela e se perdeu na escuridão. Ela não usava mais a roupa de índio dela, ela usava um short jeans e uma blusa que aparecia um pouco do seu umbigo.

Eu vi o sol raiar da minha janela enquanto minha mãe dormia no meu quarto caso eu tivesse mais um sonho ruim, eu não conseguia nem fechar os olhos mesmo sabendo que meu corpo estava pesado e pedia por descanso.
Dei um longo suspiro e peguei minhas moletas, eu precisava sair de casa um pouco. Respirar a brisa lá fora, na verdade eu até queria entender meu sonho. De primeira Justin me deixou morrer e da segunda ele deu a vida por mim, era muito estranho e isso me deixava ainda mais confusa.

Fiquei andando pelo cáz perto da minha casa, eu não podia me afastar demais, eu estava sem condições de garantir que eu conseguiria me manter de pé por muito tempo. Fui andando meia desajeitada com as moletas e parei sobre um balcão que dava vista pro sol , ele estava nascendo ainda, o céu estava colorido e mesmo que eu já tivesse visto várias vezes o nascer do sol aquela semana, eu ainda achava lindo.

– Lindo não é? - Perguntou uma voz atrás de mim - Ainda não perdeu a beleza mesmo depois de tantas vezes que acompanhamos.. juntos.. esse nascer.

Eu virei devagar e não resisti em dar um sorriso pro Justin, eu amei o jeito que ele falou "juntos". Justin vestia uma blusa branca colada, talvez uma regata - na verdade eu nunca soube falar bem de blusas - e uma bermuda jeans, ele usava chinelos brancos também, e seu sorriso estava mais alegre e ao mesmo tempo confuso, e seu olhar estava brilhoso.. ou talvez fosse só impressão minha.

– Você? - eu dei um sorriso trêmulo lembrando do meu sonho, veio como um flash na minha cabeça e a parte em que Justin tomou uma facada de Elize me fez estremecer e Justin correu pra me ajudar, eu desabei em seus braços e depois me recompus sem graça.

– Fiquei sabendo que sonhou comigo.. um sonho terrível talvez - ele me soltou quando viu que eu já me sentia bem - Taluca foi em minha casa me contar.

– Não acredito que ela fez isso.. - eu balancei a cabeça - Um sonho muito ruim mesmo, mas apenas um sonho.

– Você está com olheiras - ele reparou - Parece não ter dormido bem.

– Até quando estou em uma situação precária você repara nos mínimos detalhes. - eu resmunguei, eu queria que pelo menos uma vez Justin me fizesse um elogio.

– Desculpa - ele mexeu os ombros - Eu.. eu não queria que você se sentisse ofendida.

– Não me sinto ofendida com seus comentários, Justin - eu disse olhando o céu agora que já estava mais azul.

– Acho lindo o seu jeito de.. bom, nunca mudar por causa de mim. Tantas meninas que eu dizia a elas seus defeitos e no dia seguinte elas tentavam disfarçar o máximo possível.. mas você é diferente - ele sorriu olhando o céu comigo - É como se você não se importasse.

– Eu não me importo mesmo - eu disse seca.

Ficamos um tempo em silêncio, meu coração estava apertado e eu não sabia dizer o motivo. Justin estava ao meu lado e me fazia estremecer, fazia meu coração disparar. Eu não conseguia gostar disso nem um pouco, o silêncio também estava me incomodando, e eu não podia ficar muito tempo quieta, ele ouviria meu coração disparado.

– E seu noivado... - eu disse com nó na garganta - Vão mesmo oficializar na festa de comemoração?

– Eu não sei de onde ela tirou isso - ele não disse naturalmente, Justin disse como se fosse mais uma explicação pra isso - Diz ela que eu falei antes da gente se perder.

– Talvez você tenha dito, mas não levou a sério.. falou só pra transar com ela. - eu disse olhando o sol.

– E por acaso eu precisei falar isso pra você quando.. - eu não deixei que ele terminasse.

– Não, você não precisou. Mas eu não tenho dinheiro, não sou bonita e não tenho cabelos loiros.

– Isso não tem nada a ver, Sophia - ele disse sério desta vez - Eu.. eu não queria ter um compromisso mais sério com ela.

– Se acha muito novo? - desta vez eu olhei pra ele.

– Não é ela quem eu amo - ele disse olhando o mar.

– E você ama? - perguntei levantando uma sobrancelha.

– Eu também achava que não, é surpreendente.

– Eu também acho - balancei os ombros e voltei a olhar o mar. - Sabe Justin, acho que essa festa não é pra mim, eu queria pedir se.. se você não podia convencer a sua mãe de que eu não preciso ir.

– Você vai sim! - ele me olhou e nossos olhares se encontraram - A festa é em comemoração a nossa chegada, minha e sua.

– Taluca - eu balancei os ombros - Ela pode ir em meu lugar.

– Por favor, não por minha mãe e por meu pai , mas por mim. - sua voz foi tão carinhosa que foi difícil sair um não da minha boca, fiquei olhando Justin por um tempo e ele pegou minha mão devagar, meu coração parecia querer sair pela boca. - Eu preciso te falar uma coisa.. - sua voz saiu fraca, parecia que ele estava reunindo forças pra dizer - Sophia eu..

– Amorzinho!! - disse uma voz escandalosa de longe, eu puxei minha mão da mão de Justin, ele se endireitou e logo veio a cadela de rosa. - Awn bebê, você saiu tão cedo de casa - ela deu costas para mim e beijou o Justin, que pareceu beijá-la sem paciência.

– Pathy, a Sophia está aqui - ele a orientou, ela olhou pra mim e fez uma cara de surpresa.

– Não tinha reparado - ela balançou os ombros - Bom dia.

– Queria não ter reparado você também - eu voltei a me apoiar sobre o balcão - Meu dia seria melhor.