Eu disse especificamente que NÃO queria nenhum tipo de comemoração ou manifestação naquela manhã. Nada. Nada mesmo. Mas é a minha palavra contra a teimosia daqueles três.

Fui acordada com um sol castigante entrando pela cortina aberta sutilmente e dois pesos saltando na cama.

- Ela está morta, papai... – uma das vozes, fina e entediada disse.

- Claro que não está, Mitchigan! – a outra voz brigou – Ela só está dormindo sua idiota!

- Hey! Hey! Não chame sua irmã de idiota Jimmy! – a voz de Slash ralhou com o menino.

Jimmy bufou. Abri os olhos lentamente, tentando me acostumar com a luz e o barulho.

- O que vocês estão fazendo? – gemi com a voz grossa e sonolenta. Esfreguei meus olhos e me sentei na cama.

Eles me encaravam risonhos e com uma cara esquisita.

- Parabéns, mamãe! – Mitchigan saltou em cima de mim delicada como sempre.

- Ah, obrigada querida... – recebi um abraço quebra – costelas. Jamie a empurrou.

- Dá licença, Mitch! Minha vez!

Filhos, melhor não te-los.

- Hey mãe, parabéns! Sei que não queria nada, mas fiz esse cartão para você.

Olhei para Slash que murmurou um ‘pegue’.

Recebi o cartão das mãozinhas de James.

- Espero que goste.

- Mas é claro que eu vou gostar, Jimmy e...

- Não mãe. Quero que seja sincera. Leia e forme sua opinião sobre o cartão.

O olhei assustada. Ele sorria docemente. Aquele garoto só tinha cinco anos de idade...

- Certo... – murmurei abrindo o cartão, onde ele aparentemente me desenhara.

‘Para minha mãe, que é a melhor do mundo. Parabéns pelos vinte e três anos!’

Ah, eu vou chorar.

- Oh Jamie! Mas que lindo! – o abracei e o enchi de beijos – Que menino lindo é o meu filho e...

- Mãe! Não é para tanto! Já sou crescido! – ele reclamou. Ri.

- Está bem homenzinho! Vou me lembrar disso quando pedir o ultimo brownie da bandeja.

Ele pareceu que ia ceder. Mas teimou.

- Eu vou comer todos antes!

E de repente foi lançado com violência para o piso.

Mitchigan.

- Se manda, mané! – ela esbravejou se pondo em cima da cama com as mãos na cintura – Agora é a minha vez!

Pegou um pacote e me deu.

- Papai me ajudou a escolher – anunciou sorrindo de orelha a orelha. Encarei o pacote preocupada. Slash havia ajudado ela. Eu não me surpreenderia se tirasse uma lingerie de dentro do pacote.

- Abra, mamãe! – ela pediu ansiosa. Parecia que o presente era para ela, e não para mim.

Rasguei o papel e abri a caixinha. Óculos escuros próprios para andar de moto caíram no meu colo.

Os pus.

- Fico bem com eles? – perguntei. Mitch fez sinal positivo e riu.

Olhei para meu marido, com uma cara de quem faz arte.

- Slash? Por que eu ganhei óculos para andar de moto? – perguntei arqueando as sobrancelhas.

Ele sorriu misterioso.

- Ainda não te dei meu presente.

Jamie me pegou pelo braço.

- Está lá fora mãe! Você precisa ver! É demais!

Ele parecia a beira de um colapso nervoso.

Me levantei ainda de camisola e desci as escadas atrás das crianças. Apesar de ser a mãe de duas crianças, uma de cinco e outra de quatro, as vezes eu me comportava pior que eles.

- Onde está? – abri a porta da cozinha, que levava a garagem e me deparei com algo enorme coberto por um lençol branco.

- O que você comprou para mim? – perguntei desconfiada para Slash que se limitou a dar os ombros.

- Descubra você mesma.

Mordi o lábio e corri até o embrulho. James e Mitchigan atrás de mim, como fiéis discípulos.

Puxei o lençol sem cerimônias, e fui saudada por uma Harley Davidson vermelha lustrosa, banco de couro branco, perfeitamente polida e brilhante.

Eu ia enfartar. Pus as mãos trêmulas na boca e encarei Slash. Depois a moto. Depois Slash. E a moto de novo.

- E aí, gostou? – ele perguntou o óbvio.

- PORRA! É A MELHOR COISA QUE EU JÁ GANHEI! – Gritei pulando nele e o beijando.

- Hey! Mãe! E meu cartão? – James cruzou os braços.

- Seu cartão é muito importante, Jimmy. Mais que a moto – sorri para ele. Ele ficou cheio. Voltei a beijar Slash.

- Eu... – beijei – Te... – beijei – Odeio! Por que você me ama tanto?

Ele me beijou.

- Ainda estou tentando descobrir... – desceu o mão para minha bunda e a apertou.

- As crianças – avisei. Eles continuavam ali, sem prestar atenção em nós, e sim na minha mais nova moto.

- Elas estão ocupadas com a moto. Podíamos subir um pouco e...

Sorri maliciosa.

- Fica para depois. Preciso ver aquela moto novamente!

Eu dava pulinhos de alegria. Batia palmas. Me comportava com a maturidade de uma garota de dois anos ou menos.

- Me leva para dar uma volta, mamãe? – Mitchigan pediu com aqueles olhinhos grandes e brilhantes. Impossível negar.

- Levo sim, querida.

- E eu também, certo mãe? – James perguntou.

- Os dois.

- E a Cherrie? – ele continuou empolgado.

- A Cherrie? – perguntei.

- Claro que a Cherrie, né mãe? – ele disse impaciente – Aposto que ela ia adorar andar na moto!

- Não é muita criança? Não tenho cara de motorista do ônibus escolar.

- Mas isso não é um ônibus. É uma moto, mamãe... – Mitchigan revirou os olhos – Posso telefonar para a Cherrie e convida-la para vir ver a moto?

- Telefonar? – Slash se surpreendeu – Desde quando a senhorita sabe telefonar?

- Desde sempre – ela retrucou – Tia Glister me ensinou esses dias.

Glister continua desvirtuando crianças, como sempre.

- Você só tem quatro anos... – me horrorizei – E Glister já te ensinou a telefonar?

- Mãe, não sei escrever ainda. Preciso me comunicar com as pessoas a distância de alguma forma.

Essas crianças ficam piores a cada dia que passa.

- Pode ir telefonar – deixei.

- Legal – ela comemorou correndo para a cozinha.

- Me espera! – James pediu – Quero falar com a Cherrie também!

E saíram.

Slash me olhou divertido.

- Glister é uma perdida! – falei por fim rindo.

Ele chegou perto de mim e me enlaçou perigosamente perto dele.

- Eles saíram, sabe...

- Ah é? – me fiz de desentendida.

- Aham... – ele confirmou dando leves beijos no meu pescoço. Gemi.

- Você vai me deixar louca assim...

- É a intenção.

Podem falar o que quiserem de casamentos. Eles são ótimos e horríveis ao mesmo tempo. Mas se você realmente gosta do cara que você é casada, uma hora ou outra vocês vão brigar, mas depois se entenderão da melhor maneira possível.

- ECA! O que vocês estão fazendo?! – Mitchigan apareceu na porta.

Nos separamos rapidamente.

Ela continuava encarando aterrorizada.

- Ah... Oi Mitch... – Slash saudou ela sem – graça.

Ela piscou algumas vezes e por fim disse.

- Cherrie está perguntando se pode vir brincar hoje aqui...

- Pode – deixei.

- Tudo bem... – ela disse ainda nos olhando estranhamente.

Dei um tapa no braço de Slash.

- Ai! O que?

- Ela quase nos pegou!

- Não é nada demais. É algo natural.

Ri.

- Você continua o mesmo depois desses anos.

- Claro. Continuo lindo.

- E modesto – sorri irônica.

- Que bom que percebe.

Rimos.

- Hoje foi o dia que eu nasci – falei.

- É o seu aniversário. Claro que é o dia que você nasceu.

- Não nesse sentido. Eu realmente nasci hoje. Quero dizer. Era para mim ter nascido hoje.

Ele me olhou.

- Não teremos nada de anormal acontecendo, certo?

- Eu espero que não. Por que?

- Por nada – ele disfarçou. Sorri discretamente. Ele podia tentar me enganar, mas eu sabia que ele planejara uma festa para mim com Glister. Ter duas linhas telefônicas em uma casa é definitivamente um problema.