Sympathy for the Devil escrita por Lolis


Capítulo 2
Cuidado com o que se deseja...


Notas iniciais do capítulo

Enjoy!



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Ronco do motor da Davidson acordou toda a casa. Tão logo eu dei a partida, minha mãe desceu as escadas, descabelada, berrando coisas inaudíveis pelo barulho do Slash.

Meu tio bem que poderia me dar um presente menos barulhento.

Minha mãe era amparada pelo meu pai e pelo Jeffrey, nosso fiel mordomo.

- Misericórdia! – ela gritava horrorizada – Quem teria a ousadia de te dar isto?

- Hey! Não fale assim do Slash! – reclamei.

Meu pai me fuzilou com o olhar.

- Você não pensa em andar com... essa moto, pensa, Dafne?

- Penso pai – respondi – Ela é minha. Já tenho carteira e idade, não vejo motivo para me proibir.

- Eu vejo! – minha mãe exclamou – Andar nisto é suicídio! Amorzinho, só queremos o seu bem...

- Me obrigando a freqüentar coquetéis não é o caminho certo... – resmunguei.

- Quem foi que lhe deu essa Davidson, filha? – meu pai pressionou.

Olhei-o desafiadoramente. Eu não iria contar que fora meu tio quem me dera o Slash. Meu pai e meu tio não mantiam boas relações.

- Eu comprei.

- Você comprou?! – os três gritaram ao mesmo tempo.

- Comprei.

- Com que dinheiro?

- Junto dinheiro desde meus sete anos, pai... A essa altura já deveria ter me dado um bom lucro.

Minha mãe se abanava com seu leque de penas de pavão.

- Queridinha... Porque não comprou algo melhor? Motos são tão perigosas!

- O que você quer dizer com “algo melhor?”. O Slash foi a melhor coisa que eu já comprei até hoje.

- Perdão, mas a senhorita deu um nome a motocicleta? – Jeffrey perguntou. Havia uma pontada de curiosidade por trás de seu tom frio e cauteloso.

- Sim, eu dei. Ele é meu bebê agora.

- Ohhhhhhhh! – minha mãe fingiu um desmaio. Revirei os olhos.

- Agora, sem o consentimento de vocês, vou andar com o Slash por ai. Fiquem de olho no noticiário, afinal, se eu morrer, quero que alguém busque o meu corpo...

- Dafne... – meu pai ameaçou.

- Adeus paizinho, mamãe, Jeffrey... – fiz uma reverencia boba – Vocês já sabem o que fazer. Quero que obedeçam meu testamento e me mumifiquem... – finalizei dramaticamente enquanto acelerava a Harley.

Ganhei velocidade pelas ruas vazias do condomínio, fazendo o máximo de barulho para acordar toda a vizinhaça. Na realidade, eu queria que eles pusessem suas cabeças pelas janelas e me vissem pilotando aquela maquina, e enfim concluíssem que jamais viveram tão perigosamente assim, já que estavam mais ocupados fazendo implantes de bumbum.

Parei em frente ao portão da liberdade (é como eu chamo o portão que dá acesso ao mundo de fora) e buzinei para acordar o senhor Cuttelo, o velhinho que cuida de abrir e fechar o portão.

- Bom dia pequena Hunter! – ele saudou – Bela motocicleta...

- Eu sei... – sorri simpaticamente.

- É uma Davidson, estou certo?

- 883, cara...

Ele assoviou.

- Tive uma dessa na minha juventude. Me recordo de ter ido com ela ao festival de Woodstock... – ele suspirou como se lembrasse de algo bom – Vai sair?

- Sim. – respondi acelerando ainda mais o Slash.

- Oh, seja mais cuidadosa menina. As Davidsons pegam velocidade rápido demais...

- Eu serei – garanti. Ele abriu o portão, ainda me olhando desconfiado.

- Obrigado senhor Cuttelo – ele acenou e sorriu fracamente por debaixo do seu espesso bigode branco.

- Por nada, menina Hunter... Por nada...

Sai loucamente pelas ruas burlando qualquer tipo de sinalizaçãoe qualquer tipo de regra. Fiz manobras arriscadas e quase bati varias vezes. Mas eu ligava? Não.

Eu só me preocupava em mostrar velocidade, ser a melhor da minha pista imaginaria.

Parei numa lojinha de bebidas pronta para ficar piradona. Desci do Slash e me dirigi a porta, onde uma placa dizia: Aberto.

Empurrei o vidro e logo uma fumaça inebriante me atingiu, me fazendo ter um acesso de tosse.

- Mas que... – tossi mais um pouco, e logo bati minha cabeça em algo que deveria ser uma espécie de campainha hippie. O barulho parecia o sopro do vento.

- Aii... – massageei minha testa até o balcão, onde uma mulher parecida com a Janis Joplin me atendeu, falando numa voz etérea.

- Que deseja...?

- Vodka – fui franca. Ela me mediu dos pés a cabeça e sorriu.

- Não posso lhe vender vodka.

- Então quero rum. Caribenho, ta ok?

- Também não posso lhe vender rum. Você não tem mais de 21 anos.

- Ah, eu esperava por isso – falei pegando meus documentos falsos e pondo em cima do balcão. Ela os rasgou.

- O que você fez?!

- Você não tem vinte e seis anos, nem se chama Rose Pistols.

Corei.

- Porque não procura algo menos carnal, Dafne Hunter?

- Carnal? E espere... Como você sabe meu nome?

- Eu sei de muitas coisas, Dafne. Sei por exemplo que você carrega um amuleto com você agora.

- Você se refere a minha moto, não é? – ri apontando pela janela o Slash que descansava sob o sol.

- Não. Eu me referi ao seu colar. O de desejos.

- Ah, francamente. Não preciso ficar ouvindo essas baboseiras! Vou tentar comprar bebida em outro lugar, ta legal?

Mas ela segurava meu pulso firmemente.

- Faça um desejo.

- Não sua maluca. Me solta!

- Faça um desejo!

- Olha aqui. Eu vou começar a gritar!

- FAÇA O DESEJO! – ela se alterou de tal forma que me assustou.

- Ta bom! Eu faço a droga do desejo! Sabe o que eu quero? Sair da minha vida! Sumir, entendeu!

- Seja mais especifica – ela exigiu.

- Especifica? Tudo bem... – retruquei sarcástica – Eu, Dafne Hunter, quero ‘sumir’ para o show...hum... Que tal para o show dos Guns n´Roses, em 1987, hein?

Ela soltou meu pulso. Puxei-o contra meu corpo.

- Olha que legal. Eu ainda estou na sua loja idiota. Acho que vocês todas estavam erradas sobre o colar.

- Menina cética. – ela resmungou enquanto eu saia como um furacão da lojinha e montava da minha moto, decidida a sair de lá o mais rápido possível.

Dirigi como uma maníaca pelas ruas de Los Angeles, ainda ouvindo a voz da hippie ressoar no meu ouvido. Por que eu deveria ter cuidado com o que eu pedia?

Acelerei mais a moto enquanto passava pela Vicent Thomas*. Já anoitecia e eu estava andando a ermo havia horas. Eu não voltaria para casa hoje, disso eu tinha certeza. Eu planejava ir ao distrito de San Pedro e dormir no farol de lá, perto da estatua de anjo.

Fechei meus olhos, respirando profundamente. Minha mãe com certeza já tinha colocado a policia atrás de mim.

Barulhos de buzinas me tiraram dos pensamentos. Abri meus olhos e uma luz me cegou. Um caminhão, vinha buzinado loucamente na minha direção. Desviei o Slash com violência para o acostamento, onde infelizmente, as palavras do senhor Cuttelo se concretiraram: Harley Davidsons não tem controle quando em alta velocidade.

Meu grito ressou na noite enquanto eu caia para fora da ponte com o meu presente. A ultima coisa que me lembro, foi o choque contra a água fria.


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Notas finais do capítulo

So?