1997 escrita por N_blackie


Capítulo 83
Sirius




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Os pulmões caninos de Sirius expandiram quando ele finalmente se deixou cair na costa, cravando as patas exaustas na areia cinzenta e arfando o pesado ar frio que vinha em rajadas de vento. Olhou para o lado e, aliviado, viu James fazer o mesmo, tossindo com a língua de fora.

Concentrou-se em voltar à sua forma original, e quando finalmente pode sentir os pés descalços na mesma superfície, respirou aliviado. O ar raspava suas bochechas magras, e mesmo os lábios secos conseguiam se curvar para cima ao perceber o gosto salgado do mar que vinha pelo ar. James se transformou também, e caiu na risada.

Riram juntos por alguns minutos, sem saber exatamente como conseguiam. Sirius se levantou, e analisou a praia a seu redor. “Não acredito que deu certo.”

“Também não.” James esfregou os braços de frio, “precisamos arranjar logo um abrigo.”

Ele tinha razão. Começaram a andar em direção à calçada, onde alguns poucos velhinhos os encaravam, em choque completo. James sorriu amigável para eles, e até acenou, mesmo que sob o olhar de censura de Sirius. Era impressionante como Prongs conseguia sair da prisão, ser injustiçado, e ainda querer manter a imagem de bom samaritano.

Sirius bufou. Naquele momento, o que queria era bem simples. Um banho, comida decente, e achar os filhos. Voltar para casa seria uma boa, mas aí já era querer demais.

“Podíamos tentar voltar para a Mansão, não?” James sugeriu enquanto caminhavam pela rua em direção a lugar nenhum. Sirius desejou ter algum dinheiro no bolso para poder comprar pelo menos um par de sapatos. Negou com a cabeça.

“Se eu conheço Druella, a casa está tomada de comensais. Ela ama aquela propriedade. Quero saber que dia é hoje.”

“É um bom começo... Nossa, estou me sentindo tão... Acordado.”

“Os dementadores te deixam burro.” Disse simplesmente, se sentindo um pouco melhor por ter a companhia de alguém naquele momento. Era estranho que fosse em circunstâncias tão trágicas que Prongs e ele fossem voltar a formar uma dupla.

Mal podia esperar para encontrar Adhara e contar a ela tudo o que sabia sobre Voldemort. De certa forma até se arrependia, devia ter dito mais, preparado, tanto ela quanto Jack e Leonard, para o que poderia vir. Mas como poderia saber que a situação chegaria aquele ponto? Como poderia prever que alguém conseguiria trazer Voldemort de volta à vida?

Se aproximou de uma lixeira, e discretamente pegou o jornal trouxa de dentro dela. “Aqui, podemos ver o dia. Cara, como esses trouxas conseguem achar graça num jornal sem nenhuma foto se mexendo vai ser sempre um mistério pra mim...”

“Lily tem uma teoria profunda sobre isso... Queria que ela estivesse aqui pra contar, não lembro de tudo.” James suspirou, e Sirius temeu que fosse regredir ao estado deprimente em que estivera nos últimos meses. Puxou o jornal e chamou a atenção dele.

“Ei, olha aqui... Fim de maio. Cacete, ficamos tanto tempo assim fora de circulação?”

“Pelo visto ficamos... Os garotos devem estar se preparando para os N.I.E.M’s.”

“Realmente confia no sistema, James. “Sirius riu, e jogou o jornal fora novamente. “Acha que Hogwarts está normal? Nesse clima?”

James deu de ombros. “Não sei... Gostaria que estivesse. Já está ruim o suficiente conosco na prisão para os meninos... “

Sirius sorriu, pensando em como estariam as crianças depois de tanto tempo. Quando conjecturava com Marlene, no tempo livre de sobra que tinham naquela cela, ela lhe disse que era bem provável que Jack e Leonard estivessem mais altos, talvez quase da sua altura, quando os vissem de novo. E que Adhara estaria menos ranzinza. “É uma fase dela.” Dissera, sorrindo.

Céus, como sentia falta deles. Até do jeito metido a inteligente de Leo, e do exagero melodramático de Jack. Até dos momentos menos legais de Adie, sentia falta. Como quando ela estava de mau humor com ele. Cada um deles tinha algo que os fazia único, e naquele momento, a saudade o fazia lembrar de tudo, até mesmo os maus momentos, com carinho.

“O que vai dizer a eles quando os vir de novo?” perguntou a James, interrompendo alguma coisa que ele dizia.

“Não sei exatamente. Quero dizer, claro que vou dizer que os amo... Que senti saudades.”

“Quero pedir desculpas a Leonard.” Confessou, surpreendendo até a si mesmo. “Acho que o subestimei muito recentemente. Ele é muito inteligente, sabe? Inteligente pra caramba.”

“Violet diz o tempo todo isso, obrigado.”

“Porque é verdade,” riu em resposta, “cara, ele é inteligente demais, esse menino! Eu nunca vou saber como ele é meu filho, mas é. Acho que nunca disse isso a ele, mas até que sinto orgulho quando ele dava umas queimadas na moral dos Malfoy, ou quando ele dava uma de esperto pra cima de alguns adultos que queriam enganá-lo, quando eram pequenos, sabe? Eu sempre ficava maluco, quero dizer, como ele conseguia? Nunca disse nada, não sabia o que falar, entende?”

“Que tal: filho, você é inteligente pra caramba, estou impressionado?”

“Sabe que não consigo ser direto assim, Prongs.”

“Pergunte a Violet, ela diz o tempo inteiro. Fico com ciúmes as vezes. Ela cresceu tão rápido...”

Sirius assentiu, e continuou olhando ao redor. “Talvez se fossemos a Godric’s Hollow.”

“Como?”

“Podíamos ir a Godric’s Hollow. Sua casa deve estar vazia, não tem motivo para eles ficarem ali depois da prisão. Só por alguns dias, para arranjar roupas limpas e água quente. E comida, de preferência.”

James ficou em silêncio. “Não temos outra boa opção.” Respondeu, finalmente. “Mas vamos aparatar no quintal, só por via das dúvidas.”

“Qualquer coisa por um banho, Prongs.” Concordou, e começou a procurar um bom beco escurecido. Aparatar não dependia de estar ou não com a varinha, o que era um alívio imenso para ele, e foi com facilidade que conseguiu desaparecer daquela vila trouxa e reaparecer no gramado amarelado dos Potter, de frente para as flores de Lily.

James surgiu com um estalo logo em seguida, e sorriu fraco para sua própria casa. “Espero sinceramente que nenhum comensal tenha pisado nas orquídeas dela. “

“Nenhum deles ousaria, aposto que se soubesse, Lily destruiria Azkaban inteira e viria pessoalmente atrás de quem estragasse seu jardim.”

Prongs riu, e Sirius se sentiu um pouco melhor por ele. As luzes estavam apagadas e as portas e janelas fechadas. Não tinha sinal de que ninguém estava ali, ou estivera antes. Ainda alerta, contudo, andou até a porta dos fundos.

“Eles mexeram na casa, Sirius.” James acendeu a luz na cozinha, e Sirius pode ver os armários de comida abertos, alguns sacos espalhados pelos cantos, e as gavetas semiabertas. Num canto havia um balde estranhamente mal colocado, imaculado de limpo exceto por uma fina camada de poeira que se acumulara.

“Alguém limpou isso aqui com magia.” Passou o dedo pelo metal, e James franziu o cenho.

“Quem viria aqui pra roubar comida e limpar um balde?”

Sirius deu de ombros. Se sentindo completamente desarmado, pegou uma faca da gaveta de louças e a empunhou, andando pé ante pé até o corredor. James foi atrás, ligando as luzes como um trouxa e fazendo comentários aleatórios sobre Lily ser genial por querer uma casa trouxa para viverem. Subiram as escadas, e percebeu que quem quer que tivesse passado pela casa, não o fizera apenas para mexer na cozinha. Porta-retratos estavam no chão, roupas espalhadas, armários abertos, e papeis jogados por todo canto.

“Não parece ter ninguém aqui,” fechou a porta do quarto de Samantha, “pelo menos não agora.”

“Me roubaram.” James voltou ainda intrigado. “Minha Ordem de Merlin.”

“As varinhas estão aqui?”

“Aham.” Ele ergueu as mãos, segurando as duas armas, a dele e a de Lily. “Jogamos longe antes de eles entrarem, tinha até esquecido onde estavam. Ainda bem que ela tem tantos vasos de planta.”

“Me dá aqui.” Pegou a varinha de Lily e analisou. “É, vai ter que dar pro gasto.”

“Onde está a sua?”

“Em casa, numa caixa bem escondida, junto da de Lene. Vai demorar pra conseguir pôr as mãos na minha varinha...”

“Vamos descer, então. Eles devem ter deixado alguma comida aqui...”

Se sentindo um pouco mais seguro, Sirius desceu as escadas. A porta estava torta nas dobradiças, e se aproximou dela para consertá-la. Uma pilha de jornais se acumulava em frente ao batente.

“O Profeta pode estar defendendo o que quiser,” disse para James enquanto pegava o monte e fechava a porta na entrada, “mas não para de entregar os jornais!”

James riu, e saiu da cozinha com um saco de batatas fritas aberto. “Vamos precisar dar um pulo na mercearia. Não tem nada aqui! Parece que Peter fez a limpa nos armários, só ele seria tão criterioso com isso. Devo ter algumas libras guardadas em algum lugar...

“Pode procurar, não fico sem comida mais um minuto.” Jogou os jornais em cima da mesa, e a pilha se espalhou. Tenso, viu Barty Jr em várias, ao lado de figurões do Ministério que costumava conhecer, de secretários, Dawlish, Bellatrix. Via ela e Rodolphus sorrindo em fotos, acenando ao lado de Crouch...

Passou os olhos com desprezo pelas manchetes, até que viu, bem ao fundo, um par de olhos que conhecia muito bem.

“James,” chamou, vagamente, enquanto puxava aquela edição das outras. O rosto de Adhara lhe sorria, e o de Jack.

E o de Harry. E o de Romulus.

“James,” chamou de novo, e deu um passo fraco para trás, sem conseguir respirar. Não. Não. Não. Não. Não. “JAMES!”

“Sirius, o que- Sirius?”

Largou o jornal no chão, e só conseguiu perceber que estava chorando quando James pegou o objeto do chão e ficou pálido.

“Sirius... Não. Harry?”

Era como se alguém tivesse drenado todo o seu sangue. As palavras que lera pulavam em sua cabeça, e cada uma delas parecia cravar uma estaca em seu peito. Rebeldes dissidentes. Organização conhecida como “Ordem da Fênix.”

Adhara M. Black.

Jacques O. M. Black

Dezessete anos.

Quinze anos.

James tirou os óculos e se sentou, enterrando o rosto nas mãos. Sirius deu outro passo para trás, como se pudesse se afastar daquele jornal, e bateu as costas na parede. Sem forças para ficar em pé, escorregou até o chão da cozinha.

“Eu odeio você! Odeio, odeio, odeio!” Marlene gritava apoiada nele e em James, o barrigão subindo e descendo com a respiração ritmada dela. “Merlin de cueca, que dor! Eu odeio você, Sirius!”

O saguão do St. Mungus estava lotado, e não era para pouco. Apesar de quase quatro anos terem se passado da guerra, pequenos grupos ainda causavam terror e ferimentos em alguns lugares, e as salas de emergência cheias de feridos e enfeitiçados em geral se enchiam um pouco mais de bruxos e bruxas amaldiçoados, sem memória, ou pior. Geralmente Sirius ajudava essas pessoas a chegarem ali, como todo auror novato, mas naquele dia em especial não queria ajudar ninguém além de sua mulher.

Claro que se não ajudasse ela o mataria.

“Olá, Sirius, no que posso ajudar?” A curandeira na secretaria, sua conhecida, sorriu, mas Marlene a interrompeu.

“EU. ESTOU. PARINDO!”

“Ah, entendi.” A senhora, sorrindo nervosamente, passou por Sirius e colocou Marlene numa cadeira de rodas, levando-a para cima por aparatação conjunta. Junto de James e Lily, que também ostentava uma barriga considerável de sua primeira gravidez, começou a subir até o andar da maternidade, sentindo o suor frio acumular nas palmas das mãos.

Nunca se imaginara como pai, e não sabia se seria ao menos qualificado para aquilo. Dissera isso a Marlene quando ela lhe contara que estava grávida, e se lembrava claramente de que ela mesma concordava que os dois eram completamente ao contrário do que um pai e uma mãe poderiam ser. Mas o bebê já estava ali, então não tinha outra opção.

Nove meses depois, e lá estava ele, ainda sem saber o que faria com uma criança.

Ficara na sala de espera, ouvira os gritos irados de Marlene de dentro da sala, e os olhares de relance assustados que James dava para Lily, que iria passar por aquilo em pouquíssimo tempo.

E então, depois do que parecera ser uma eternidade, ouvira o choro.

A curandeira surgira sorrindo. “Parabéns, papai!”

E seu corpo inteiro congelara no lugar. Inclusive o sorriso amarelo. A mulher de meia idade o puxara pelo pulso até o quarto, e o empurrara para dentro. “Vai melhorar quando a vir.”

A? Uma menina?

“Não te odeio realmente, “Marlene estava exausta e brilhante de suor, e ao seu lado, o menor bebê do universo. “é uma menina, acredita? Olhe pra ela, Sirius.”

Hesitante, se aproximara do berço. Em comparação com a estrutura em que estava, ela parecia tão pequena. Aproximou o dedo indicador da bochecha, e ela se mexeu, envolvendo-o com as mãozinhas. Seu coração perdeu uma batida. Ela era tão bonitinha.

“Quer dar o nome?”

“Eu?”

“É, você. Sua família tem aquela tradição esquisita de dar nomes de estrelas pros nenéns, não tem?”

“Tem.” Não conseguia ser mais articulado que aquilo, nem para dizer que não ligava pras tradições. Os cabelinhos pretos da menina o encantaram à primeira vista. Não queria dar o nome de nenhuma tia asquerosa para ela, nem o de nenhuma prima. Queria algo original, que nunca fosse usado.

“Então? Conhece algum?”

“Adhara.” Disse, sorrindo para ela, “é da mesma constelação que o meu. E ninguém nunca usou.”

“É bonito. Adhara Mckinnon Black. Hum, forte, não?”

“É.”

Estava bobo demais. Ela era tão pequena.

“Sirius.” A voz de James estava distante. Porque estavam ali mesmo?

“Ela era tão pequena.” Disse, a mente ainda perdida nas memórias.

“Sirius, o que eles foram fazer?” James estava pálido, e se sentou ao lado dele. Não queria saber o que ela e Jack estavam fazendo ali. Não queria saber de nada. Queria os dois de volta.

“Pai, olha o que eu fiz!” O garotinho saltitava para trás enquanto ele tentava andar, estendendo um desenho feito em giz de cera. “Olha, olha aqui!”

“Me dá um segundo pra conseguir respirar, calma,” riu, mas logo cedeu e pegou a figura, que mostrava claramente a família, incluindo o filhote de Cérbero que trouxera de um encontro com Hagrid havia poucos dias. Jacques o olhava com expectativa, e assentiu. “Desenha bem, que beleza.”

“Fiz enquanto Leonard escrevia!”

Atrás dele, Marlene apareceu dando risada. “Acho que estou tentando alfabetizá-lo um pouco cedo demais.”

“Não! Eu consigo escrever!” Jack insistira. “Mas papai não gosta muito de ler, então quis fazer um desenho!”

Sirius passara a mão na cabeça dele.

“James, Adhara e Jack estão mortos.” Disse. Não conseguia acreditar. Não podia acreditar, e falar em voz alta tinha feito o efeito oposto ao que imaginava. Nunca mais teria a filha nos braços.


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