Já passara de meia noite, Yuu vestida em um casaco marrom cheio de plumas; a noite estava fria. Ela caminhou até a sua cama e tirou de dentro uma pequena mala que era cheia apenas de coisas extremamente úteis: um resto de bolo que sobrara do café da manhã caso ela sentisse fome, roupas, remédios e sem esquecer, obviamente, de seus preciosos cadernos de desenho.

Ao pegar sua mala logo ela se dirigiu até o corredor sem saber que alguém a esperava na porta. Quando Yuu abriu a porta o susto de ver Indifference – ou Ruan como ela conhecia – foi tão grande que deixou sua mala cair, o som foi tão grande que chegou a ser espantoso que alguém não houvesse acordado.

- Você me assustou, Ruan! – disse Yuu enquanto pegava a mala que caíra no chão

- Desculpe – ele abafou o som da risada com a mão – Eu só passei aqui para me despedir

- Ah, sim, obrigado – disse a garota loira segurando também as risadinhas – E... Obrigada.

- Tudo bem, somos amigos, temos que nos ajudar – disse ele arquejando os lábios em forma de um leve sorriso.

- Você está aqui há tão pouco tempo... E já me ajudou tanto – o sorriso se extinguia de sua face – Nós nem nos conhecemos direito... E... E eu nem sei se vou voltar viva para conseguirmos isso

- Por que esse desânimo agora? – perguntou ele tentando fazer com que sua preocupação fosse convincente, embora ele soubesse que a morte dela já seria um fato.

- Eu não sei... – ela foi interrompida por Indifference que no meio da frase sibilou para que ela parasse – Mas...

- Sem “mas” – retrucou interrompendo Yuu – Chega de conversa e vá!

- Está bem... – ela hesitou alguns segundos e parou para pensar em Rose e os outros – É... Ruan...

- O que foi? – ele perguntou

- Se alguém se preocupar comigo – ela sentia realmente medo de que se preocupassem o bastante a ponto de todos irem atrás dela; isso era obviamente iria acontecer, esse era o que “ele” queria – Diga a todos que eu ficarei bem, ok?

- Eu direi – ele disse tentando dar mais um sorriso falsamente caloroso, mas dessa vez a sua vontade de rir da inocência da pobre Yuu fora tão grande que Indifference ficou com medo de que sua risada parecesse de chacota ao invés de um sorriso animador – Agora você tem que ir antes que o Matt tenha mais um ataque de fome noturna.

- Isso é verdade – ela riu – Agora eu vou

Enquanto disse isso Yuu já caminhava para o primeiro andar, e enfim, o jardim. O jardim era a única coisa que não importa de onde você esteja na casa, você consegue enxergá-lo, os pequenos canteiros eram sempre organizados, as flores que eram da mesma cor ficavam sempre juntas deixando uma separação visível a qualquer um que passasse. Logo ao extremo sul da grande casa existia um lado onde todas as flores eram azuis, entre elas havia uma porta desgastada – bem diferente das outras portas que eram sempre brancas e extremamente bem cuidadas – Nessa porta havia mais uma das várias escadas que secretamente levavam ao subterrâneo do local.

A pequena jovem caminhava na direção porta passando por entre todas as plantas para alcançar a porta de metal enferrujado, ela abriu a maçaneta suja que não parecia ser tocada há meses e entrou.

Descendo a enorme escada circular ela se depara com um grande galpão escuro e aparentemente vazio, exceto pela vasta quantidade de penas brancas do tamanho de uma mão humana (algumas até maiores).

Yuu quase não enxergando nada larga a sua mala no chão e se abaixa e abre uma pequena brecha do zíper, e de dentro tira uma lanterna.

- O quê? Cadê ela? – perguntou ela ao ligar a lanterna

Yuu logo localizou um interruptor e ligou as luzes.

- Como ela pode ter sumido daqui se ninguém além de mim e Violet sabiam que ela estava aqui? – indignada ela se viu olhando para os lados, embora ela soubesse que fosse inútil.

- Yuu? É você? – uma voz doce e serena surgiu e ecoou no local

- Bydol! – Yuu alegrou-se e deu um pulo para trás ao mesmo tempo por causa do susto – Onde você está? – ela continuou olhando em volta, agora procurando de onde vinha a voz

- Mas enfim, o que você quer vindo aqui? Posso te ajudar? – na medida em que a voz falava uma enorme pomba branca aparecia na frente de Yuu, e por mais que ela falasse seu bico não se movia.

- Você fica invisível? – perguntou Yuu abismada com a aparição repentina do enorme pássaro branco

- Sim, sua professora nunca te falou isso? – perguntou o pássaro ainda imóvel

- Não, ela não fala muito de você – disse Yuu olhando fixamente nos olhos levemente azulados do pássaro – Ela só me ensinou como usar telepatia para que eu conseguisse falar com você.

- Isso não me impressiona muito, alguns de vocês nem sabem que eu existo – disse o pássaro – Mas você não respondeu a minha pergunta. Quer ajuda com algo?

- Sim Bydol, se você puder me ajudar – disse Yuu ainda com os olhos fixos no pássaro.

- Claro que eu posso, mas o que você quer?

- Preciso que me leve a um lugar

- Para onde? Numa hora dessas? –perguntou o pássaro em um tom meio desconfiado

- Fica à uns trezentos quilômetros daqui, eu tenho um mapa, e...

- Se Violet chegar aqui e eu não estiver, vou ter que falar o que aconteceu – a pomba interrompeu – Tudo bem por você?

- Sim, ela não irá voltar mesmo! – disse Yuu – Esqueceu que ela está nos Estados Unidos? Quando ela vai para lá só volta depois de um bom tempo, ela ama aquela família dela.

- Você tem razão, mas posso saber por que você não quer que ninguém saiba?

- Não! – ela gritou involuntariamente – Me desculpe, não queria gritar com você.

- Tudo bem... Você deve ter sérios motivos para isso – Bydol ficara sem graça – Temos outro problema... Como vou passar pela porta?

- Do mesmo jeito que entrou, oras – Yuu pela primeira vez parara de olhar fixamente nos olhos de Bydol, e finalmente a conversa ganhava algum movimento, então ela caminhou para se aproximar mais do pássaro. Bydol ainda tentou perguntar “como você fará isso?”, mas foi logo interrompida por Yuu que continuou falando – Violet me ensinou a controlar seu tamanho, por isso ao sair ela deixou você grande, para que ninguém te tirasse daqui, somente eu!

- Isso faz sentido – com o desafixar dos olhos a voz de Bydol ficou um pouco mais fraca e chiada na cabeça de Yuu.

A pequena garota loira tocou à cabeça de Bydol e com um leve raio branco e um estampido a pomba – e as penas que estavam espalhadas pelo galpão – voltaram ao tamanho normal.

- Violet te ensinou bem – o “sinal” da telepatia continuava ruim

- Obrigada – disse Yuu enquanto pegava

Assim a garota e a pomba iam em direção à porta, abriram cuidadosamente tomando cuidado até com o volume dos passos (somente Yuu, pois Bydol se movimentava voando). Antes de sair completamente da porta Yuu ainda conferiu em sua volta para ver se não tinha ninguém a observando.

- Tudo bem eu acho – disse ela ao voltar para o canteiro das flores azuis – Acho que já posso deixar você grande de novo.

- Tudo bem – a pomba que até o momento estava voando pousou em meio à um caminho de terra que tinha entre as flores

Yuu encostou o dedo indicador novamente na cabeça de Bydol; novamente a luz, novamente o estampido e ela voltou ao tamanho colossal.

- Para onde vamos? – Yuu se antecipou antes mesmo que ela terminasse de falar a frase e indicou o lugar no mapa com um alegre “aqui” saltando de sua boca – Está certo – dessa vez o sinal voltou a ficar ruim o “está certo” aos ouvidos de Yuu pareciam mais com um “muito perto”

- Não é tão perto assim – disse Yuu quando foi interrompida pelo som da risada de Bydol

- Eu disse “Está certo” – ela riu novamente, o som de sua risada era tão agudo quanto o piado de uma águia – Eu entendi agora vamos!

Yuu subiu nas costas da pomba gigante e as duas voaram em direção ao horizonte.

Continua...