"O primeiro olhar é coincidência
                                   O segundo olhar é tentador
                                   O terceiro olhar às vezes faz o homem pecar"

                                    Joemar Rios de Oliveira

- Bellie, francamente, você gostaria de ter sua porta arrancada? Conheço karatê, kung-fu, judô e quarenta e nove outros nomes de lutas que ainda posso aprender!

Eu acordo de repente. Foi Tensy, por acaso, quem batia na minha porta há alguns segundos, me ameaçando, dizendo que ia simplesmente descer as escadas e esquecer que tem uma melhor amiga?

- Não estou brincando, vou chutar essa porta. Se você estiver aí atrás, aconselho que saia da frente, se não quiser acabar com um salto agulha no pescoço.

Sim, era ela.

Me levanto descabelada e ainda trajando pijamas. Abro a porta e Tensy quase cai no chão.

- Onde raios você estava? Bem cedinho, eu disse bem cedinho!

- Eu sei, mas a culpa não é minha se eu esqueci que você gosta de visitar salões de beleza de madrugada.

Ela me olha como se eu tivesse ofendido a avozinha querida dela.

- Não é madrugada agora. São nove horas da manhã. Fiz questão de chegar bem cedo mesmo, sabia que você ia esquecer do horário.

Não respondo. Eu também sabia que ia esquecer do horário.

- Vamos rápido. Agora.

- Calma. Vou só trocar de roupa...

- Não, você não vai. Já estamos meio atrasadas, se você trocar de roupa, vamos chegar no salão depois do horário. É longe, eu te avisei.

- Ah, é? E o que você sugere? Que eu simplesmente saia por aí de pijama?

Tensy levanta as sobrancelhas como se dissesse "é-óbvio-que-sim". Eu rio, meio nervosa.

- Você só pode estar brincando comigo.

- Não estou. Eu disse que vinha cedo, não vinha? Você devia me esperar pronta. Só coloque um chinelinho e vamos assim mesmo.

- Ah, não. De jeito nenhum.

- Estamos atrasadas. Vem logo. - Tensy diz, enquanto puxa a minha mão em direção à porta.

Por sorte, pego um casaco pendurado na cadeira da escrivaninha e o coloco por cima do pijama. Nada que vai conseguir esconder o fato de que ainda estou com trajes de dormir.

Eu e Tensy sentamos no banco de trás da Hilux e o motorista bonitão dela dá a partida.

- Tome. - Ela diz, me passando uma sacola com roupas. - Vista e me agradeça por não deixar você ir de pijama.

Não respondo, só coloco as roupas por cima das que já estou vestindo, e passo todo o caminho de ida em silêncio.

O motorista para na frente do shopping e nós descemos, Tensy com uma expressão animada no rosto. Agora, o shopping está quase vazio, de modo que eu não me surpreenderia se o salão tivesse aberto mais cedo por nossa causa.

Parecendo completamente alheia ao horário em que chegamos, Tensy me guia para o salão lá dentro, e meu queixo quase cai ao ver que algumas meninas da escola já estão aqui, fazendo cabelo e maquiagem.

As funcionárias do salão cumprimentam Tensy entusiasmada. É claro que ela conhece todas. A mulher que parece gerente do salão me manda um sorriso e pede a nós duas que entremos em uma sala separada.

- Tensy - falo, depois que a mulher vai embora dizendo precisar pegar alguma coisa - O que é isso?

Ela dá uma olhada teatral em volta.

- O que isso parece? Uma sala de massagem.

Quase grito.

- Massagem?

- É. Sabe, quando você se deita e aí a outra pessoa...

- Eu sei o que é massagem! O que eu quero saber é...

Paro de gritar quando duas mulheres entram, carregando cada uma um pote de creme. Também paro de pensar em matar Tensy quando a massagem começa.

Meia hora depois, voltamos para a entrada do salão, e imediatamente outras duas mulheres começam a mexer em nossos cabelos. Finjo que não ouvi Tensy combinando com a minha cabeleleira o meu penteado, independente do que eu pedir, mas estou tão relaxada que não consigo me estressar com nada. Desconfio que tenha sido esse o propósito da massagem.

Fecho os olhos e tento não olhar para o espelho, porque provavelmente desistiria de tudo. Continuo com os olhos fechados durante a maquiagem e manicure. Sei que devo ter tirado alguns cochilos enquanto a maquiadora cuidava de minha pele.

- Bellie! - Ouço Tensy gritar, animada. - Bellie? Você estava dormindo? Acorda, então. Olha!

Eu abro os olhos e viro a cabeça na direção da voz dela. Meu Deus. Ela está linda, parecendo uma princesa, realmente. As pálpebras dos olhos já azuis receberam sombra da mesma cor do vestido dela, emoldurados pels cílios cheios e escuros, as bochechas finas marcadas por um blush pêssego. Os cabelos loiros estão perfeitos, também. Nos lábios, apenas um brilho.

- Está maravilhosa. - Falo.

- Não, não é isso. - Ela sorri. - Olhe para você.

Percebo que ainda não me olhei, e procuro o espelho com um pouco de receio. Eu me viro para me olhar, mas acontece uma coisa estranha. Eu não me vejo. A única coisa que o espelho mostra é uma linda Tensy sorridente, com a mão no ombro de uma outra linda menina. Os cabelos dela têm cachos bem feitos e brilhantes. Os olhos claros têm uma sombra marrom perolada, sobre cílios cheios, como os de Tensy.

Me procuro no reflexo, mas não me acho. Involuntariamente, coloco a mão sobre a bochecha. A menina de cachos ao lado de Tensy faz a mesma coisa. Meu Deus. Essa sou eu, mas não me reconheço. Poucas vezes me senti tão bonita.

- Certo, agora pare de se namorar um pouco e vamos embora. - Tensy fala, ainda sorrindo, pegando a bolsa de marca e dando palmadinhas nas minhas costas para me fazer andar depressa.

Olho para o relógio e levo um susto. Já são duas horas da tarde. Nem almoçamos ainda, e começo a perceber o quanto estou com fome. Tentando ao máximo não estragar as unhas e a maquiagem, comemos um sanduíche rápido e vamos para minha casa, apenas para pegar meu vestido, e seguimos para a casa de Tensy.

                                          ○                    ○                   ○

Eu e ela ficamos conversando sobre como o baile seria e, quando deu um horário mais ou menos razoável, começamos a colocar os vestidos e as joias que Tensy tão insistentemente empurrou para cima de mim.

- Estou doida para me encontrar com o David. - Ela fala, enquanto passa os cabelos arrumados cuidadosamente pelo vestido.

- E eu estou doida para me encontrar com o Griffin. - Falo, involuntariamente.

Tensy para na hora de tentar colocar o vestido, metade da cabeça ainda dentro dele.

- O quê?

- Estou doida para me encontrar com o Jason. - Corrijo - Foi isso que eu disse.

Ela me manda um olhar como quem diz "Arrãn, vai nessa" por cima da costura do vestido.

Eu coloco o meu em silêncio, e nós duas nos juntamos na frente do espelho de corpo inteiro, empurrando a outra de vez em quando para ver o resultado de três horas em um salão de beleza. Nunca vou falar isso em voz alta, mas valeu totalmente a pena; parecemos duas estrelas de cinema.

- Pronta? - Tensy me pergunta.

- Pronta. - Respondo.

                                             ○                      ○                    ○

Tensy me fala tudo o que pretende fazer no baile enquanto o motorista dela nos leva ao baile. Absolutamente tudo, com todos os detalhes. Eu apenas concordo com a cabeça nos momentos certos, já que estou tão nervosa que não consigo nem falar ou pensar direito.

É normal ficar nervosa; penso, mas não dá resultado, considerando que meu coração ainda parece querer pular para fora de mim. Preciso confessar que ficaria mais feliz se meu par fosse outro. Já deixei bem claro que gosto do Jason e tudo o mais, mas nada que possa se tornar mais do que amizade.

- Obrigada, Ruan. - Tensy diz ao motorista, e percebo que chegamos.

Meu Deus. Eles capricharam esse ano. A decoração está perfeita, em tons de branco, rosa e violeta. O Baile, graças a Deus, não é no colégio, e sim em um salão de festas muito prestigiado. Parece que, já que resolveram obrigar a gente a vir, também resolveram fazer alguma coisa um pouco mais decente.

Há duas tendas separadas: uma para o ensino fundamental e outra - a mais chique - para os alunos do ensino médio.

Eu e Tensy andamos em direção à nossa tenda, que é rodeada por um jardim maravilhoso, iluminado por holofotes azuis. Vemos algumas pessoas que conhecemos enquanto caminhamos. As meninas do vôlei nos jogam tchauzinhos sorridentes do lado de seus pares. Helaina me lança um olhar irritado ao passar ao meu lado com Ryan Sooky, um menino muito bonito do time de futebol.

Ver ela me lembra de Griffin. Inconscientemente, olho em volta o procurando, e o acho de braços dados com uma Megan muito alegre, que distribui sorrisos e acenos para todo mundo. Ela está usando um vestido curto e preto, e tenho que admitir que fica bem nela. É claro que paro de prestar atenção na garota quando analiso mais atentamente Griffin. Meu Deus. Nunca vi um menino tão bonito assim na minha vida. Ele está vestindo paletó preto, com uma camisa social branca por baixo, meio desabotoada. Os outros garotos também estão usando paletós, alguns com direito a gravata, mas nenhum está tão bonito.

O que estou dizendo? Griffin não presta, ele me odeia, aliás. É ele quem acabou com a minha vida, Steve Puttyn já confirmou isso para mim. A partir desse instante, prometo para mim mesma que vou para de pensar nele e seguir em frente.

Dou uma olhada rápida pelo jardim e vejo que Tensy estava certa, algumas pessoas andam por aí vestidas completamente de preto parando pessoas e perguntando-lhes o nome, para em seguida anotar na prancheta que carregam. Parece que era sério o negócio de vir aqui valer ponto.

- Ah! Ali está ele! - Grita Tensy, e me arrasta para o lado de David Fronteni, que a cumprimenta elegantemente, e me dirige um sorriso.

Decido que é melhor deixá-los sozinhos e me afasto um pouco deles, com meu celular na mão, a fim de ligar para Jason.

Mal coloco o celular na orelha e alguém cutuca meu ombro. Me viro decidida a achar Jason bonito, não interessa o jeito que ele está, mas quase dou um pulo de susto quando percebo que não é Jason, e sim Griffin.

Eu o olho por alguns segundos sem conseguir encontrar nada para falar. Depois do silêncio desconfortável, digo:

- O que foi?

- Você está linda. - Ele sorri para mim.

- Obrigada. - Respondo, em seguida virando-me de costas para ele, o celular ainda no ouvido.

Eu esperava que ele fosse embora, mas ele continua atrás de mim. Sem opção, torno a ficar de frente para ele.

- O que foi? - Pergunto de novo.

Ele olha para os lados, parecendo meio nervoso. Continua lindo. É, parece que minha promessa de não achá-lo tão bonito não conseguiu muito progresso até agora.

- Tenho que te contar uma coisa.

Inesperadamente, fico com raiva. Como assim, agora ele quer me contar alguma coisa? Nada, nada que ele fizer vai me fazer conversar com ele hoje. Olho dentro dos olhos dele, não importando que fiquem mais azuis com a luz dos holofotes e falo:

- Não.

Ele morde o lábio.

- É importante.

- Griffin! Urrul! - Megan chama, à nossa direita.

- Não. - Repito, ignorando Megan e vendo, mais à frente, Jason.

Quase suspirando de alívio, viro de costas para Griffin e vou em direção ao meu par.

Olho para trás por um segundo e vejo Griffin voltando para Megan, cabisbaixo. Volto a olhar Jason decidida a não encarar Griffin novamente, porque foi assim que tudo começou.