Então, após desligar o telefone, corri para meu quarto, pegando minha carteira com algumas notas de dinheiro e saí voando porta afora.  O dia estava com muito vento e vi meu cabelo ser jogado com força em meu rosto enquanto corria. Tirei o cabelo desajeitadamente do rosto, parando perto da rua que sempre passava táxis. Consegui um rápido, o que era um milagre. Dei o endereço e fiquei me balançando ansiosa no assento do carro. Vendo as ruas passarem como um borrão sob meus olhos. Paguei e desci, parando em frente a calçada. Olhando a placa do hospital. Respirei fundo. Eu odiava hospitais, odiava o cheiro, a roupa, os olhares, as dores. A última vez que estivera em um hospital foi quando fui internada. Mas isso é outra história...

Mais calma externamente, mas praticamente fervendo por dentro entrei no hospital. Encontrei Pablo, com o rosto com algumas escoriações e um gesso no braço. Ele estava com a cabeça jogada para trás, aparentando estar absolutamente perdido.

– Pablo? – Ele levantou a cabeça rapidamente e veio até mim. Me abraçando com um braço só. Me apertei junto a seu tronco desajeitadamente. Controlando a histeria. – Você está bem?

– Estou. – A voz dele era monótona; nos sentamos e ele começou a explicar o que o médico já tinha lhe dito. Igor tinha batido o lado da cabeça bem onde estava localizada a memória pessoal. Sortudo, ele não tinha esquecido tudo exatamente. Nas primeiras horas se lembrou do seu nome e flashes de suas lembranças passadas. Mas o resto... Como amigos, faculdade, namoradas... Tinha realmente esquecido. A memória ia voltar, era um fato, mas não se tinha um determinado tempo. Poderia durar dias, semanas, meses... Anos.

Quando Pablo terminou de contar fiquei parada no mesmo lugar. Repassando tudo na minha mente. Era difícil de acreditar. Meus pensamentos e meu coração se rebelavam. Ele tinha esquecido realmente tudo? Isso incluía a mim? Ele não podia me esquecer. Ele me amava! Eu quis gritar. Mas eu sabia que não fariam uma brincadeira tão sem graça assim. Embora eu desejasse com todas as formas que tivessem feito.

– Já avisou os pais dele?

– Ele não te contou?

– O que?

– Ele não fala com os pais desde os 15 anos. Ele é sozinho, pais rígidos... Aquela velha história. O pai queria que ele trabalhasse na siderúrgica da família, mas ele preferia estrelas. Quando ele começou a querer ser astronauta, mas se contentou como astrônomo, os pais dele não gostaram nem um pouco da ideia. Disseram que nunca iriam pagar a faculdade. Ele começou a trabalhar pra se sustentar e saiu de casa. Ele não fala com os pais há anos e nem eles o procuram.

– É, ele não me falou isso. – desabei ainda mais na cadeira. O cheiro ocre do éter fazia meu nariz coçar. E a história sobre os pais de Igor fazia minha cabeça girar. Isso nunca... veio ao assunto. Eu não sabia muito de Igor além de suas manias. Não sabia toda a sua história. Sabia que devia ter problemas com os pais, mas ficar anos sem falar com eles? Eu nem fazia ideia! Lembrei-me subitamente de alguém, em que ele falava com admiração.

– E a tia?

– Mora a quilômetros de distância. E ele não tem muito amigos íntimos, além de nós dois. – engoli em seco, vendo as coisas se tornarem pior. Não que eu quisesse me livrar de Igor. Eu só... Era muita responsabilidade. E eu, com certeza, queria cuidar dele, mas não fazia muita ideia de como. Tentava achar uma solução, mas estava difícil. – Ele tem alta daqui a alguns dias. Vou tentar convencer o Planetário a dar férias adiantadas pra ele. E vou levá-lo para o apartamento dele.

– Ele mora sozinho?

– Somos quase vizinhos. Mas sim, ele mora sozinho.

– Eu ajudo no que precisar.

– Eu conversei com ele. – Ele sussurrou. – Ele lembrou meu nome... Mas só isso.

– Isso é bom.

– Você vai ir vê-lo?

– Amanhã. – suspirei, passando a mão pela testa. – Não vou assustá-lo hoje.

– Você gosta dele ainda, Malu? – A pergunta de Pablo me sobressaltou, fazendo o bolo em minha garganta se intensificar. Engoli em seco, disse apenas uma palavrinha, para não me entregar.

– Ahan.

– Porque não ficaram juntos? – repensei o assunto, novamente. Os motivos ainda martelavam em minha cabeça.

– Ele te contou o que aconteceu?

– Tudo... Me contou tudo.

– Entende meus motivos?

– De certa forma... Sim. Mas ele estava enlouquecendo sem você. Saindo pra beber, sem nunca ficar com ninguém, desatento na faculdade. Parecia de novo aquelas férias. Uma garota o confundindo assim e...

– Está querendo que eu me sinta culpada? – passei a mão pelos cabelos, os bagunçando. – Porque você realmente está conseguindo.

– Eu sinto muito, eu não queria...

– Está tudo bem. – O cortei, cansada. – Mas eu tenho meus motivos pra não querer ficar com ele agora.

– Agora? Quer dizer que ainda tem chances de querer ficar com ele?

– Ele nem lembra meu nome. – choraminguei, tapando o rosto. Aquilo parecia um pesadelo. Tinha que ser um pesadelo. Abri e fechei os olhos, mas eu ainda estava no hospital e podia sentir o olhar de Pablo no meu rosto.

– Não vai ver ele agora?

– Melhor ir com calma. Sem pânico. Não queremos deixar ele mais assustado certo? – Eu estava assustada. Era o que eu queria dizer. Ainda parecia irreal demais e eu não sabia como ainda estava tão fria assim. Não sabia se conseguiria encará-lo agora. – Converse com ele, depois eu venho. Deixe ele se acostumar com você, de novo.

Ele acenou positivamente e deitou a cabeça em meu ombro por alguns instantes. Acariciei seus cabelos, controlando minhas lágrimas. Ainda não parecia verdade. Eu lutava contra ela. Ele sempre esperaria por mim, ele tinha dito. Mas agora ele não sabia quem eu sou? Onde está a justiça? Pior... Onde eu estou? Além de um pesadelo terrível? Queria certos braços me abraçando e sussurrando meu nome. Eu nunca havia desejado isso com tanta força.