Saga Sillentya: Espelho do Destino escrita por Sunshine girl


Capítulo 18
XVII - Um Último Adeus


Notas iniciais do capítulo

passando rapidinho para postar, se tiver qualquer erro, mais tarde corrijo...

Boa leitura!!!!



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Capítulo XVII – Um Último Adeus

“Dê para mim toda a sua perturbação,

Eu suportarei o teu sofrimento

Coloque sobre mim o seu fardo,

Eu beberei do teu veneno mortal”.

“Não temas a chama da vela do meu amor,

Deixe que ela seja o sol no teu mundo de escuridão”.

(Evanescence – Give Unto Me)

Elevei meus olhos, uma última vez, para que pudesse vê-lo.

E mesmo tomada pelas lágrimas e pela dor, senti a necessidade de envolvê-lo naquele momento, de abraçá-lo, de tomar todos os seus ferimentos para mim, de sofrer em seu lugar.

Mas isso não era possível, não naquele momento.

Os braços de Benjamin ainda me detinham, segurando-me ali, mantendo-me ali, fazendo-me testemunhar a queda de meu amado.

Trinquei os dentes com força, permitindo aos meus olhos, chorar, permitindo a mim mesma, desabar naquele salão gigantesco, diante de todas aquelas estranhas e hostis figuras.

 Seus olhos oblíquos e indiferentes tantos segredos escondiam, e eles apreciavam a punição do traidor, daquele que lhes ousou trair, daquele que cometeu a infâmia de amar e de viver um amor proibido, aquele que cometeu o sacrilégio de se apaixonar por mim...

E naquele momento, o seu sangue era derramado, o seu corpo era ferido, a sua alma atormentada.

Suas costas encontravam-se tão machucadas, tão feridas, que meus olhos mal suportavam olhá-las. O líquido carmim escorria dos rasgos abertos em filetes finos que manchavam o piso lustroso.

Mesmo assim, Aidan não permitia demonstrar sua dor, sua fraqueza diante deles. Mantinha-se calado, suportando cada chibatada, cada açoite com coragem e determinação.

E eu testemunhei cada uma delas. Ouvi o som das chibatadas. Todas as setenta. Encontrando sua pele, rasgando-a, dilacerando-a, retalhando-a.

E ali estava o resultado de tamanha monstruosidade.

Aidan estava tão fraco, tão debilitado, que mal suportava o peso do próprio corpo, e deixava que as correntes e as algemas em torno de seus pulsos, amarradas às duas grandes pilastras, fossem a única coisa a mantê-lo em pé.

Meus olhos embaçavam pelas lágrimas de dor, de tristeza, de agonia. Eu não desejava ter testemunhado seu sofrimento, sua queda.

Mas ali estava eu, sendo mantida ali como uma telespectadora, consciente e ciente de seu sofrimento, de seu fardo.

O Mediador que o castigava suspendeu seu braço uma última vez, levando as cordas com pontas de ferro consigo para trás, e então, açoitou-o novamente, uma última vez.

Foi demais para mim. Foi demais para Aidan, e ele cedeu, perdeu a consciência. O tormento havia terminado. Mas o alívio não vinha nunca.

Sentia-me como se fosse eu mesma a ser castigada em seu lugar, sofrendo junto dele, partilhando de toda a sua dor, sentindo-a na pele, na carne, na alma.

O som do açoite rasgando sua pele era como o som de minha condenação. Uma marcha fúnebre e enlouquecedora. Naquele momento eu teria ido ao chão, junto dele, padeceria ali como ele, se os braços de Benjamin ainda não me restringissem.

Minhas pernas estiveram bambas durante toda a sessão de tortura. Meu coração jamais sentira tanta agonia antes. Minha alma jamais estivera tão perturbada como agora.

A loucura e a sandice estiveram tentando-me todo o tempo em que permaneci ali, criando raízes em minha mente desconectada, fazendo-me acreditar que aquilo não podia ser real. Que aquilo não poderia estar acontecendo.

Tinha que ser um sonho. Um sonho muito, muito ruim.

Mas a verdade incontestável estava bem diante de mim e afugentara a incredulidade cada vez que ela ameaçava apossar-se de mim, doendo em meu corpo como se os rasgos estivessem sendo feitos em mim, e não nele.

Talvez de fato eu quisesse tomar suas dores. Talvez eu quisesse sofrer e minguar em seu lugar. Se pudesse, tomaria todas as dores dele para mim, e o livraria do tormento, o livraria do inferno, deixando que minha alma e meu coração perecessem em seu lugar.

Uma última lágrima foi vertida de meus olhos, uma última vez que meus olhos se permitiram chorar. Depois, não houve mais nada.

Absolutamente nada.

Eu poderia ter morrido naquele salão e não perceberia.

O silêncio prevaleceu, a aparente imobilidade daquelas figuras confundiu-me até o ponto d’eu achar que estava em alguma espécie de jardim habitado por estátuas marmóreas e inexpressivas.

Mas, então, alguém se moveu, alguém foi atrevido o bastante para romper o silêncio. E a fantasia mórbida cedeu espaço para a cruel realidade.

- O que acha de seu amado agora? – perguntou-me alguém, sussurrando com seu hálito frio em meu ouvido, o sarcasmo em sua voz era tangível, a raiva incontida transformavam suas palavras em setas envenenadas, prontas para tentar me ferir.

Meu semblante devia estar idêntico ao de uma boneca, tão lívido quanto cera, tão pasmado, incrédulo, horrorizado e assustado quanto o de uma presa cercada por um terrível e temível predador.

Tentei respirar, tentei puxar o ar para meus pulmões, mas pareceu que eu havia inalado fogo, meus pulmões arderam, suplicantes por oxigênio puro e não o ar contaminado ao qual eu agora respirava.

Pisquei, tentando despertar, tentando deixar aquele abismo negro e solitário. De certa forma era como emergir de um lago de águas tão frias quanto cortantes. Sentia-me dilacerando, despedaçando-me, pedaço por pedaço eu desabava ao chão, caía por terra, e nada podia fazer para evitar esse meu desmoronamento.

Como último ato daquela peça lúgubre e doentia, vi quando dois Mediadores soltaram meu amado, permitindo que seu corpo exausto e desprovido de forças despencasse no chão, imóvel, irreconhecível.

E então, para o meu desgosto, para o meu tormento, eles o carregaram para longe de mim. Eles o afastaram de mim. Naquele momento era como se minha alma fosse arrancada de meu corpo e arrastada para alguma terra árida e desértica.

A dor do golpe foi tamanha que eu oscilei, já não podia mais sustentar meu peso. E fui cedendo, meu rosto pendendo para baixo, ciente do rastro de sangue, ciente do cheiro da mutilação e da carnificina.

Ciente de toda aquela podridão.

As sete figuras assentadas sobre os tronos nada disseram, nada expressaram ou esboçaram. Nem mesmo piedade.

E tão logo se retiraram, a reunião dispersou-se, cada um sabia qual caminho devia tomar. Cada uma seguia seu próprio rumo.

Nem mesmo me importei com o fato de Benjamin arrastar-me de volta para o meu clausulo. Não fazia a mínima diferença. Estava condenada, havia testemunhado o sofrimento de Aidan. Nada naquele momento seria mais doloroso para mim. Nada superaria aquela dor.

Benjamin soltou-me no chão e eu caí como uma boneca, sentada sobre as próprias pernas, as palmas das mãos roçando a tapeçaria elegante, os cabelos caindo sobre o meu rosto, sobre os meus olhos.

O ar ainda me faltava, e o pouco que tinha pesava em meus pulmões como rochas. Ouvi o som da porta sendo fechada – não trancada – mas não me importei mais uma vez.

Benjamin aproximou-se sorrateiro de mim, medindo minha notável incapacidade de defesa. Ele me tinha nas mãos, e saberia tirar proveito disso.

Não esbocei absolutamente nada quando uma de suas mãos afastou uma mecha de meu cabelo, prendendo-a atrás de minha orelha. Seus lábios aproximavam-se perigosamente de minha face.

- Hoje será sua última noite com vida, princesinha. Você pode passá-la sozinha aqui, entre essas quatros paredes, de uma forma tão monótona, o que seria um desperdício, eu devo acrescentar.

Não o respondi, não encontrava palavras frias o suficiente para afastá-lo de uma vez por todas de mim. Para dar um basta em seu joguinho sujo.

- Mas para a sua sorte, eu estou muito disposto a te “entreter” em sua última noite com uma alma e um corpo. Só precisa dizer sim para mim.

- Prefiro a morte. – sussurrei, ainda com os olhos vagos demais e a mente desconectada demais para fitá-lo olho no olho.

- Tem certeza? – indagou, claramente duvidando de minhas pretensões, mas eu não cairia em sua armadilha, antes preferia ser esquartejada e queimada a tê-lo tocando em meu corpo – Já que seu querido Aidan parece um pouco incapacitado no momento. – complementou entre risos.

- Vá para o inferno. – sibilei, mas não saiu exatamente com a fúria e a repulsa que eu gostaria, o que só o fez rir ainda mais.

- Pobrezinha – cantarolou ele, alegre –, morrerá envolta em seu véu de castidade. Poderia até ser trágico se não fosse tão cômico.

Abruptamente, minha fúria era poderosa demais para ser contida e eu estapeei a mão de Benjamin que repousava em meu ombro para longe, aumentando seu desejo de se divertir com minha desgraça.

- Deixe-me em paz! – vociferei, muito tentada a esbofeteá-lo novamente, mas temia que se eu o fizesse, acabasse adentrando ainda mais em seu jogo.

Benjamin soltou um longo suspiro, e então se levantou, dando-me as costas e saindo do cômodo, deixando-me sozinha com minha amargura. Sozinha com o meu tormento.

Mal encontrei um pouco de paz e calmaria, Ellian apareceu à porta para me perguntar o que havia acontecido durante o julgamento de Aidan e sobre a minha decisão.

Fiquei feliz por ter alguém com quem conversar, e ele ouviu atentamente a história suja que havia por detrás de minha decisão – meu pacto e de Ducian para salvar a vida de Aidan.

Ele compreendeu, mas não aceitou minha decisão. De qualquer forma, eu mesma já havia me conformado com meu destino e o agradeci por tudo.

Como últimos favores, pedi a ele que me arranjasse uma folha de papel e uma caneta. Eu precisava começar uma carta de despedida, uma que seria entregue a Lucius assim que Ellian tivesse a chance, e então seria repassada para minha mãe e para Aidan.

Quando comecei as primeiras linhas, foi inevitável que o jorro incessante de lágrimas brotasse em meus olhos e despencasse como o símbolo de minha tristeza imensurável e de minha saudade sufocante.

Escrevi para minha mãe primeiro e disse a ela o quanto sentia sua falta, o quanto eu lhe era grata, o quanto ela me recriminaria provavelmente por estar tomando uma decisão como essa, também previ o quanto ela choraria ao ler essas frases que meu coração atormentado agora despejava sobre aquela mísera folha de papel.

Mas garanti a ela que estava feliz. Feliz por poder salvar alguém que amava. Não mencionei quem ele era, mas apenas ressaltei que estava agindo segundo os princípios e os conceitos nos quais acreditava, os quais meu pai me ensinou através de seu grande sacrifício no passado.

Irônico que agora eu me encontrasse em uma situação parecida. Lutando desesperadamente para salvar a razão de meu viver.

Finalizei dizendo a ela o quanto a amava, e que de alguma forma eu sabia, eu podia sentir, um pedaço meu sempre estaria com ela, sempre viveria dentro dela.

E a consolei com minhas lágrimas.

Depois veio a parte mais dolorosa, contar a Aidan meus motivos não seria fácil. Mas tentei ao máximo fazê-lo entender que não permitiria que nada de ruim acontecesse a ele. Que me sacrificaria um milhão de vezes se fosse necessário para mantê-lo vivo.

Tentei dizer a ele que estava feliz com o pouco que vivemos, mas a verdade é que não estava. Obra do destino impiedoso, nosso amor jamais seria consumado, nós jamais ficaríamos verdadeiramente juntos, jamais obteríamos uma vida plena ao lado do outro.

Disse a ele que o amava, que o passado já não me importava mais e que daria tudo para voltar atrás em minhas palavras. Jamais deveria tê-lo magoado daquela maneira, e sentia tanto que minha culpa me corroia cruelmente.

Também pedi a ele que me perdoasse, por discordar do que ele queria para mim tantas vezes, quando o que ele mais desejava era o meu bem-estar. Agora eu entendia. A guerra não era para mim. Talvez eu não devesse ter tentando entrar nela desde o principio.

Mas talvez também fosse verdade que não tive escolha. Que tinha que ser assim. Que o destino o determinou.

Fiz breves, porém tristes menções a Christian. Pedi perdão a ele por envolvê-lo em minhas inconseqüências, por tê-lo iludido por tanto tempo e o principal, o agradeci por tudo que fez por mim.

Também agradeci a Lucius, a Stella, a Giuseppe e Ramon pela hospitalidade, por me receberem e me acolherem como se fosse membro da família.

Também deixei um pequeno lembrete para Damien, um que pedia para que ele fosse forte e que perdoasse o pai por não lhe contar a verdade desde o principio.

Agora eu entendia que os motivos que motivavam Lucius eram os mesmos que motivavam Aidan. Ambos só desejavam proteger as pessoas amadas da dor da verdade.

E ao final, despedi-me de todos eles, dizendo o meu adeus solene, o meu adeus definitivo. E encerrei, dizendo a todos o quanto eles haviam sido importantes em minha vida. O quanto eles haviam feito a diferença para mim.

Durante anos eu trilhei uma estrada nebulosa e perigosa chamada solidão. Mas agora, percebi com alegria, já não estava mais tão só.

Porque percebi que o que me faltava não era uma família maior, o que faltava em mim era uma outra Agatha, uma que se encontrava perdida desde a sua concepção, e que apenas se encontrou quando cruzou com o caminho daquele que lhe salvou, quando ainda era um ser frágil e indefeso no ventre imaculado de sua mãe.

Quando encontrei Aidan, eu encontrei a mim mesma. Encontrei o meu verdadeiro eu, e tive o meu vazio suprido e preenchido. Eu era completa. E agora era um todo.

E agora, podia partir em paz. Podia deixar este mundo e enfrentar meu destino. Seja lá qual fosse ele.

Selei a carta com minha tristeza e a entreguei a Ellian, que me prometeu entregá-la a Lucius o mais depressa possível. Agradeci-lhe por tudo e então, fiz meu último e desesperado pedido, o único desejo que agora fervia e queimava com ardor em meu coração:

- Quero vê-lo.

Ellian guardou o envelope dentro de seu manto vermelho rubro e olhou-me atentamente, depois deu meia-volta, abriu a porta, observando a movimentação no corredor e então gesticulou para que o seguisse.

Movi-me juntamente com ele, como sua sombra, e quando enfim chegamos à pesada porta de ferro batido, meu coração acelerou em meu peito, ansioso por ver como ele estava. Se seus ferimentos já tinham começado a cicatrizar.

Ellian abriu-a com agilidade – muito mais do que eu quando o fiz no dia anterior – e então, guiou-me pelas escadas em caracol, até a masmorra, o ponto mais baixo daquela construção, e o mais horripilante também.

A atmosfera continuava a mesma ali, sombria, melancólica, assim como os seres que a habitavam, davam-me calafrios. Esfreguei uma das mãos em meu braço a fim de amenizar aquela terrível sensação.

Munido de um dos candelabros que iluminavam de forma tosca a construção, Ellian guiou-me diretamente até a cela a qual meu amado se encontrava. Abriu a cela com o molho de chaves, retirando o pesado cadeado e a grossa corrente, e finalmente, o único empecilho entre mim e Aidan havia caído por terra.

No principio, tive medo de olhá-lo, de ver o quão decadente e debilitado era seu estado agora. Mas depois, movida e impelida por minha ânsia de tocá-lo, de cuidar de seus ferimentos, adentrei ao seu clausulo, trêmula e com os olhos ardendo.

Mas as lágrimas simplesmente não vieram. Em seu lugar, meu coração foi tomado por uma compaixão inimaginável.

Aidan continuava preso, mesmo com os ferimentos graves em suas costas, eles o prenderam como um animal.

Sua camisa rasgada havia sido retirada, e uma fina camada de suor reluzia em sua pele. Sua fronte pendia para baixo, os fios de seus cabelos, negros como a meia-noite, recaíam sobre sua face, ocultando seu olhar de mim.

E mesmo assim eu sabia, eu podia sentir, ele sofria com a minha decisão. Ele se ressentia de mim. E embora seu olhar não encontrasse o meu, e de seus lábios nem uma palavra fosse proferida, seu coração me repreendia. Podia sentir o peso de sua dor e de sua fúria na minha alma.

Levei meu punho até meu seio, sentindo a palpitação acelerada. O ar novamente pesava em meus pulmões.

Mesmo assim, meus pés me guiaram até ele, eles sempre me guiariam, sempre me levariam de volta para ele.

Ajoelhei-me lentamente, deixando que minhas mãos repousassem em sua face, e então sustentei seu olhar cansado e abatido.

Sua respiração estava tão pesada quanto a minha.

Assim que seus olhos repousaram sobre o meu rosto, eu quis recuar, a hostilidade ali presente assustava-me. Seus olhos castanhos jamais estiveram tão desesperados, jamais estiveram tão melancólicos.

Eles jamais expressaram tanta dor.

Aidan crispou os lábios e cerrou os olhos, privando-me de seu olhar. Eu arfei. Sua fúria seria um empecilho entre nós dois naquele momento? Talvez sim. Talvez ele nem me permitisse despedir dele da maneira que queria.

- Por... quê? – sibilou, com os dentes trincados e os músculos tensionados, os punhos cerravam-se, buscando alguma maneira de romper os elos que envolviam seus pulsos e suspendiam seus braços.

Afaguei seu rosto, não permitindo que ele o desviasse, que ele se afastasse de mim em nossos últimos momentos partilhados.

- Eu não poderia conviver comigo mesma se permitisse que você morresse, levando a culpa por tudo.

- Você... não... podia... ter feito... isso. – murmurou ele, com dificuldade.

- Quando vai entender que não me importo com mais nada que não seja você? – retruquei, fazendo-o trincar os dentes com força.

Aidan sacudiu sua cabeça, repudiando a minha decisão, repudiando o meu sacrifício.

- Eles vão te tirar de... mim... – sussurrou ele com amargura, ferindo-me com sua dor e com seu tormento.

Meus olhos arderam com uma intensidade maior e eu tratei de confortá-lo de alguma maneira.

- Ninguém jamais poderá me tirar de você. Nunca. Eles podem destruir o meu corpo, podem destruir a minha alma, mas nunca poderão destruir o meu amor por você. Se for a única parte que restará de mim, então não temo, porque meu amor por você foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido.

- Você... não sabe do que está falando. Não podia... ter feito isso comigo... Eu... não vou suportar, Agatha... – murmurou ele, açoitando-me com sua própria dor, deixando que as lágrimas escorressem de meus olhos – Não vou suportar te perder dessa maneira.

Agora que as lágrimas fluíam naturalmente de meus olhos, decidi não dizer mais nenhuma palavra, simplesmente recostei minha testa à sua. Permitindo que aquelas mesmas lágrimas lavassem-me, remissem-me, e regassem nossa última noite juntos.

- Você precisa ser forte. – disse a ele, fitando-o nos olhos atormentados – Você precisa conquistar a sua redenção, não pode morrer, não ainda. Prove para Christian que você mudou, prove que é digno do seu perdão, porque do meu você já é, Aidan. Você é digno do meu perdão, e eu te perdôo, meu amor, te perdôo por tudo, por tudo!

E mesmo me debulhando em lágrimas, mesmo tendo lhe confessado que o perdoava, ele ressentiu-se comigo, não se conformando com nosso adeus.

- Não... Eu não quero ser forte, não mais. Se você morrer amanhã, eu irei logo atrás de você.

- Não... – sussurrei, tentando pensar em alguma maneira de dissuadi-lo daquela sua decisão, mas então, a voz de Ellian sobressaltou-me.

- Agatha!

Virei-me para ele, tendo meu momento com Aidan interrompido, disposta a dizer a ele que não tivera o suficiente ainda, mas assim que vi em suas mãos um vidro com um líquido transparente e panos limpos, mudei de ideia.

Levantei-me, deixando Aidan apenas por alguns segundos, os olhos negros de Ellian encontraram os meus, e um sorriso gentil emoldurou seus lábios:

- Tome, use isso para limpar os ferimentos dele.

Apanhei os objetos de sua mão e sorri-lhe, agradecendo em palavras silenciosas e não proferidas. Mais uma vez, ele havia me salvado.

Ellian ajudou-me a soltar os grilhões que prendiam os pulsos de Aidan e então, repousamos seu corpo debilitado de bruços no chão, assim que vi as feridas e os rasgos novamente, perdi o fôlego e meu estômago de repente parecia estar virado do avesso.

Ellian encarou-me, unindo as grossas e escuras sobrancelhas e semicerrando os olhos negros como pixe:

- Agatha, gostaria de ficar aqui com você e ajudá-la mais, mas a questão é que não posso.

Compreendi seus motivos e o instiguei com um aceno.

- Pode ir, eu posso me virar. – garanti a ele, desejosa por poder cuidar dos ferimentos de Aidan o mais depressa possível.

- Trancarei a cela, e assim que os primeiros raios de sol surgirem no horizonte, voltarei para buscá-la.

Assenti novamente, e tão logo ele se retirou, trancando a cela onde eu e Aidan estávamos, abri o vidro que ele trouxera e umedeci os panos limpos com ele, começando a limpar os ferimentos nas costas de Aidan.

Durante todo o procedimento, fui acometida por uma imensa vontade de chorar. Talvez fosse difícil demais para eu acreditar que realmente o haviam castigado daquela maneira tão cruel.

Aidan perdeu a consciência por alguns minutos, seu semblante tornou-se sereno, quase como se estivesse longe de todo aquele inferno. De fato, eu gostaria que isso acontecesse.

Cuidadosa e delicadamente, limpei cada ferimento, cada talho aberto, retirando cada camada grotesca de sangue que já secava nas feridas salientes. A fina de camada de suor que reluzia em sua pele, tornava-se cada vez mais opaca, desaparecendo logo em seguida.

Então ele já estava se curando. Seu corpo já havia iniciado o processo de cicatrização. Isso causou um alívio imenso em mim. Se tudo desse certo, Aidan ficaria curado em poucos dias.

Quando terminei de limpar seus ferimentos, debrucei-me sobre seu corpo, aproximando minha face da sua, ouvindo sua respiração leve como uma pluma.

Permanecemos assim durante tantos minutos, eu apenas me contentava em observá-lo mergulhado em seus sonhos. E quando ele enfim voltou a si, mesmo distante e vacilante, não hesitei em envolvê-lo em meus braços, tomando o máximo de cuidado com as feridas em suas costas.

Levei Aidan comigo, recostando minhas costas à parede, deixando que o rosto dele repousasse ternamente em meu peito, tão próximo de meu coração.

Envolvi seu rosto com uma de minhas mãos, deixando que a outra sustentasse seu corpo abatido, assim que meus olhos encontraram os deles novamente, sabia que estava na hora, tudo o que ainda tinha a lhe dizer, tudo o que estivera guardando em meu coração e segurando em meus lábios precisaria ser dito.

Ou nunca mais seria dito.

Minha mão deslizou suavemente pela lateral de seu rosto cansado, e meu coração foi dominado pela tristeza. Eu poderia expressar todos os meus sentimentos por ele através de meras palavras?

Era tudo o que tinha. Eu precisava consolá-lo de alguma maneira. Precisava retirar aquele fardo de suas costas, e se fosse preciso, o colocaria sobre as minhas próprias, e o carregaria em seu lugar. Sofreria em seu lugar.

Naquele momento, não havia desejo maior que este em meu coração: o de tomar todas as dores de Aidan para mim.

- Não me deixe... – sussurrou ele, ainda um tanto baqueado, oscilando entre a realidade e o mundo dos sonhos.

Apertei seu rosto contra meu seio, inclinando minha face até ele, deixando que o véu negro de meus cabelos nos recobrisse.

- Não desista. – sussurrei em seu ouvido, ainda afagando seu rosto, seus cabelos, levando meus lábios a percorrer cada linha que compunha seu semblante glorioso e belo.

Rocei meus lábios em suas pálpebras, em sua testa, nas maçãs tão bem esculpidas de seu rosto, em seu queixo másculo. E quando enfim meus lábios alcançaram os dele, beijando-o tão cuidadosamente, como se ele pudesse se espatifar sob meus toques, nada parecia ter mais sentido. Nada mais era relevante.

O mundo inteiro roia quando nossos lábios se fundiam. De certa forma, era como se tudo se tornasse cinza, e apenas o mundo ao meu redor e do dele tivesse cor, tivesse vida.

O mundo de sonhos que eu e ele construímos. Mas, golpe do destino ou não, estes sonhos jamais se concretizariam, jamais tornariam realidade, e seriam apenas meros projetos ambiciosos, traçados por dois amantes que jamais poderão de fato viver o seu amor.

O gosto dos lábios dele ainda era o mesmo, exatamente como me lembrava. Seu hálito ainda preservava aquela doçura inconfundível, como a névoa que me arrastava para longe da tenebrosa realidade, e me fazia pousar em uma dimensão mágica, onde nada era impossível, onde nós dois poderíamos desfrutar de nosso amor, sem arrependimentos, sem empecilhos, sem medos.

O cheiro almiscarado de sua pele ainda era o mesmo também. Sua pele tão quente e sedosa, revestindo músculos tão rijos, revestindo o corpo que por tanto tempo foi meu porto-seguro, o meu refúgio das tormentas.

Suspirei em seus lábios, ciente desse ser nosso último beijo, e dessa vez era de fato inevitável. Não haveria outra vez.

E Aidan nem mesmo podia correspondê-lo.

Afastei-me, relutantemente, dele, a respiração entrecortada, escapando através de lufadas rápidas e descompassadas e chocando-se contra seu semblante sereno.

- Quando achar que nada dará certo para você, quando achar que não haverá mais saída, quero que pense em mim, quero que se lembre de mim, porque de alguma forma, um pedaço de mim estará com você, dentro de você, eu sei. Então, não desista nunca! Prometa-me que não o fará, independentemente do que houver, jamais olhe para trás, Aidan. Porque o meu amor estará com você, e ele será a sua luz nos tempos de escuridão, ele será o teu guia nas horas mais atribuladas. Então, não se permita desistir... – encerrei meu discurso desesperado, deixando que as lágrimas fossem vertidas com uma intensidade maior, atravessassem meu rosto como jatos velozes e quentes e recaíssem sobre o rosto dele, sobre os seus olhos inexpressivos.

Desolada por saber que o fim estava à espreita, recostei minha cabeça na parede, trincando os dentes a fim de deter a avalanche emocional que agora me acometia. Eu devia ser forte, por ele, por Aidan. Não poderia me permitir chorar, mesmo em uma hora tão negra quanto essa.

Tornei a apertá-lo contra o meu corpo, um forte e bonito devaneio brotou em minha mente, uma imagem idílica, um quadro tão belo, tão real, que eu poderia até mesmo tocá-lo.

Ri sem humor, gostando da fantasia que estava tendo.

Um lindo casarão do Século XIX, com campos verdejantes e intermináveis, colinas e colinas ao fundo, carruagens, sarais, vestidos volumosos e luxuosos, e Aidan, Aidan trajando um recatado terno preto.

Imaginei-me ali com ele, prendendo-me àquela fantasia com todas as minhas forças. Eu podia até mesmo ouvir as notas suaves do piano ao fundo, estava tão feliz por poder desfrutar daquela ilusão que quis desesperadamente partilhá-la com Aidan:

- Já imaginou se nada disso tivesse acontecido? Se nada disso existisse? Se tivéssemos vivido na sua época, como tudo teria acontecido... – cerrei os olhos, fascinada com meu devaneio e depois sorri novamente – Acho que eu não daria uma boa dama, pelo menos não para aquela época. Mas mesmo assim, imagino como teriam sido nossas vidas na época em que você nasceu...

De repente vislumbrei Aidan em companhia de Christian, os dois verdadeiros cavalheiros, caminhando por uma cidade histórica, com carruagens elegantes transitando pelas ruelas de pedra, moças recatadas com suas sombrinhas chiques caminhando junto de suas damas de companhia.

E de repente, eu mesma estava lá. Imaginei como seria primeira vez que nos olharíamos, eu, com olhos tão tímidos, baixaria meu olhar, evitando olhá-lo diretamente, como uma verdadeira dama daquele século. Foi até de certa forma engraçado, imaginar-me em um daqueles vestidos com armações volumosas, o cabelo preso em um elegante penteado.

Imaginei até mesmo a forma que nos aproximaríamos um do outro. O quão atrevido Aidan seria, o quão ofendida eu fingiria estar por ele estar fazendo-me a corte. Deslumbrada e encantada por dentro, sonhando com ele todas as noites.

Imaginei a nós dois valsando em um salão luxuoso em seu casarão durante um sarau. Imaginei a nós dois caminhando por sua fazenda, onde ele certamente roubaria meu primeiro beijo. Aidan recitando poesia para mim.

A fantasia estendeu-se diante de mim, e de repente ela corria diante de meus olhos, nós nos casaríamos, formaríamos uma linda família, e observaríamos nossos filhos e netos crescerem.

Nós envelheceríamos um ao lado do outro, mas jamais deixaríamos de nos amar. Nunca. E morreríamos, grisalhos e enrugados, mas cientes de termos vivido uma vida plena e feliz.

Ri sem humor novamente, mas dessa vez foi mais doloroso. Porque era apenas uma fantasia, não era real. Nós não estávamos mais no Século XIX, e pior, estávamos no meio de uma guerra que iria nos separar para sempre...

Baixei meus olhos para Aidan, vendo que ele dormia novamente. Inclinei minha face a fim de depositar um último beijo em sua testa e em seus lábios. Depois, cerrei os olhos e permiti-me tentar descansar um pouco também.

Mas sempre que o tentava, pesadelos horrendos invadiam meus pensamentos, aterrorizando meu coração e minha alma, e instaurando o medo dentro de mim.

Então, em algum momento enquanto atravessava a madrugada com Aidan desfalecido em meus braços, desisti de tentar dormir e apenas me permiti desfrutar de meus últimos momentos com ele.

Fiz questão de repassar cada momento que tivemos, fosse bom, fosse ruim. Relembrei cada beijo, cada toque apaixonado trocado entre nós dois. Repassando cada um deles tantas vezes que eles pareciam ter sido gravados em meu coração.

Quando Ellian reapareceu ali, não o contestei, e com o coração apertado, tornei a amarrar os pulsos de Aidan, mesmo que ele ainda estivesse inconsciente, então, aproximei meus lábios de seu ouvido, mesmo que ele não pudesse me ouvir, eu precisava dizer, precisava lhe confessar:

- Eu te amo, e te perdôo, meu amor. Tudo está esquecido e perdoado.

Afaguei seu rosto e segui para o meu destino. Dei-lhe as costas, decidida e disposta a deixar não me abater, por nada e nem ninguém.

Ellian nada disse ao ver a determinação que agora inflamava em meus olhos. Ele simplesmente me conduziu de volta ao meu clausulo. E ali permaneci, na expectativa, esperando e esperando o momento em que tivesse que olhar no espelho do destino.

E então, entregar a minha alma e o meu corpo para ele. Entregá-los para nunca mais reavê-los, para nunca mais recuperá-los.

Eu tomei decisões, eu cometi erros, e todas as minhas ações levaram-me até aqui. Era o meu destino. Estava escrito para mim que eu deveria enfrentar essas atribulações. E de certa forma, estava feliz por ter sobrevivido à maioria delas, pelo menos até ter que perecer na última e grandiosa tempestade que me aguardava.

Porque estava pronta.

Estava pronta para peitá-la.

Estava pronta para perder essa batalha.

Estava pronta para o sacrifício.


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Notas finais do capítulo

*chora*

Finalmente chegamos aqui! O sacrificio da Agatha! E agora???

Próximo capítulo, o ritual tem seu inicio, Lucius chegará a tempo? E Aidan se conformará com o destino de sua amada?

Até o penúltimo capítulo da fase, meus queridos!

Beijinhos!!!!