Saga Sillentya: Espelho do Destino escrita por Sunshine girl


Capítulo 10
IX - Ruptura


Notas iniciais do capítulo

E finalmente eu retorno!

Esse cap. ficou pronto ontem pela tarde, mas eu tive que esperar a postagem ser reabilitada para poder postá-lo...

Enfim, muita tensão, muito drama, muitas lágrimas e o retorno de alguém que estava sumido!

Estão preparados para saber toda a verdade?

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/125320/chapter/10

Capítulo VIII – Ruptura

“O que nós tínhamos era mágico,

E isto aqui é trágico

Você não conseguiu conter as próprias mãos”.

“Eu sinto como se nosso mundo estivesse infectado

E de alguma forma, você me deixou sem nada,

Nós descobrimos que nossa vida mudou

Amor, você me perdeu”.

(Christina Aguilera – You Lost Me)

Eu o encarei, completamente sem fala, o choro preso na garganta, as lágrimas queimando meu rosto. Naquele momento, eu desejava apenas a morte, apenas ela... Mais nada.

Apertei os olhos contra o semblante inteiramente indiferente dele, aquilo só me machucava ainda mais, só me feria mais profundamente, como uma navalha cruelmente enterrada em minha carne, rasgando e rasgando, e cortando e cortando, sem parar...

Levei as mãos aos lábios, arfando, balançando a cabeça, incrédula, trincando os dentes, furiosa, curvando-me um pouco, ferida e magoada.

- Como pôde? – eu o acusei, liberando toda a minha dor sem piedade alguma sobre ele – Como pôde esconder isso de mim?

E de repente o choro já não estava mais preso na minha garganta, e as lágrimas lavavam minha face novamente.

- Eu sabia que no momento que você descobrisse, eu a perderia... – murmurou ele, baixando os olhos, a indiferença abandonava sua face, dando lugar à tristeza e ao remorso.

- Você não tinha esse direito! – eu esbravejei, enraivecida, cerrando os punhos e desejando socá-lo novamente, descontar toda a minha fúria, todas as minhas mágoas, mas eu me controlei, porque percebi que não queria tocá-lo mais uma vez, não queria ter contato algum com ele.

Limpei com relutância as lágrimas que queimavam na pele de meu rosto, engolindo o desejo insano de ceder a elas mais uma vez.

- Quero que me conte a verdade. – exigi, os olhos duros e frios, o coração na boca.

Aidan tornou a me fitar, seus olhos estavam cautelosos e hesitantes. Mordi o lábio inferior com tanta força que quase o rompi, puxei o oxigênio, fazendo-o chegar até meus pulmões.

- Chega de mentiras, conte-me o que você fez ao meu pai!

Ele cerrou os olhos, calmamente, parecendo-me buscar forças, mantive-me ereta, inflexível, mesmo quando ele começou a me contar o que de fato aconteceu na noite do desaparecimento de meu pai, e ao que me parece, nem o próprio Lucius sabia do envolvimento de Aidan nessa imundice toda.

- Conheci seu pai há pouco mais de dezoito anos atrás – começou ele, fitando-me intensamente, mas eu não me deixei abalar por seu olhar melancólico, nem mesmo pela dor que o estava infligindo, tudo o que eu queria naquele momento era que ele ardesse nas chamas do inferno. – Ducian me mandou até San Diego, na Califórnia, para encontrar a criança que havia sobrevivido a um massacre em uma noite fria em uma época ainda mais remota. Tudo o que eu sabia era que seu nome de batismo era Stefano, ele era filho de Frederich Wolfgang, e que havia sido adotado por um casal humano, e estava casado, levando uma vida pacata e tranquila na América.

“Em três dias, eu já o havia localizado e avisei meu mentor sobre a sua localização, porém, recebi ordens para aguardar reforços e não agir sozinho. Chovia muito naquela noite...”

O som de meu choro abafado o interrompeu, e ele fitou-me alarmado, como se temesse que eu fosse desmaiar a qualquer momento. De fato eu estava um pouco tonta, minhas pernas estavam bambas, então me esgueirei pela parede até poder me sentar em uma cadeira.

Meu cérebro absorvia dificultosa e lentamente cada palavra que ele dizia. E cada uma delas era como a ponta afiada de uma flecha perfurando meu corpo, cada uma delas era como ácido correndo em minhas veias, como gelo em meus pulmões; sufocava-me.

- Christian estava certo... – sussurrei, desolada – Minha mãe estava certa, todo esse tempo você vinha escondendo isso de mim... – eu o fitei com os olhos arregalados – Você matou meu pai...

- Não! – ele defendeu-se imediatamente, os braços estenderam-se, como se fossem me envolver e tentar me confortar, mas ele viu a dor meus olhos, viu o estrago que havia feito e desistiu – Eu não matei seu pai, Agatha!

Levantei-me da cadeira, ignorando quando tudo girou ao meu redor, ignorando quando o ar faltou em meus pulmões, ignorando quando minhas pernas bambearam.

- Mas você estava envolvido nisso! – levei as mãos à cabeça, enterrando meus dedos em meu cabelo – Meu Deus, você sempre soube, desde o momento em que viu minha mãe, você a reconheceu e soube, e mesmo assim você teve a audácia de voltar lá, de dizer que me amava e que estava me protegendo escondendo esse segredo de mim... Mas agora eu vejo, você escondia isso de mim porque era egoísta! Porque sabia que eu te odiaria no momento em que trouxesse isso à tona!

- É verdade que eu fui egoísta por esconder isso de você, mas, Agatha, eu não suportaria perder você dessa forma! Por favor, escute-me até o fim, você precisa saber do resto...

E então eu explodi.

- Eu não tenho mais nada para ouvir de você! Tudo o que você sempre me disse era mentira... – admiti, sendo rasgada, retalhada e triturada por dentro – Foi tudo mentira...

Tentei me virar e ir embora dali, mas minhas pernas vacilantes traíram-me, e eu tropecei, quase indo ao chão, mas Aidan segurou-me, seus braços fecharam-se ao meu redor, sentando nós dois sobre o carpete e apertando-me em seu corpo, enquanto eu nada demonstrava, nada fazia, nada falava...

- Procure entender o meu lado, eu te disse que havia cometido erros no passado... E você sempre me dizia que não se importava, que confiava em mim e que me amava independente do que eu havia feito... – sussurrou ele em meu ouvido, afagando meus cabelos delicadamente.

- Não importa o que eu disse a você no passado, não importa o que nós dois tivemos no passado, eu não consigo aceitar isso... Eu não posso aceitar isso! – cuspi através dos dentes trincados, sacudindo a cabeça e espalmando minhas mãos em seu peito, tentando afastá-lo de mim a qualquer custo, a qualquer preço.

Aidan não me contrariou, soltou-me e eu caí, desajeitada, no carpete, ainda tonta, os olhos em brasa, enquanto ele se levantava e dava-me as costas, apoiando as mãos na parede e curvando a fronte.

- Mesmo que as ordens de Ducian estivessem claras para mim, eu era orgulhoso demais e não gostava de receber a ajuda de outros. Então decidi agir sozinho e desacatar suas ordens. As ordens eram claras, meu dever estava claro como a água. Se a humana estivesse grávida, eu deveria matá-la, não importava o resto, a criança não poderia ser concebida, eu sabia que tinha que sacrificar a mulher junto do bebê que ela carregava no ventre, mas hesitei naquela noite em matar sua mãe, Agatha.

Não tentei me levantar, não depois de saber disso. Aidan tinha ordens de matar a minha... mãe?

- Você... – eu comecei, mas ele sacudiu a cabeça e virou-se para mim, os olhos cheios de remorso.

- Não, Agatha, eu jamais encostei em um único fio de cabelo dela, assim como jamais te machuquei... De alguma forma, a energia da sua alma impediu-me de cometer esse erro.

Pisquei várias vezes, tentando cessar a cascata de água salgada que eram os meus olhos naquele momento, e lentamente absorvi as palavras dele, meu cérebro parecia areia movediça, processava tudo com uma lentidão demasiadamente irritante.

- Minha... – pigarreei, forçando minha voz a sair por minha garganta arranhada – Minha energia te... deteve?

Aidan desviou o olhar, tombou sua face para o lado e apoiou seu braço na parede, perdendo-se em suas próprias memórias sombrias.

- Eu não compreendi na época, a forma como a energia da sua alma nocauteava meus sentidos de caçador e me fazia hesitar em machucá-la, cheguei perto o bastante para matar as duas, estava disposto a assassiná-la ainda no ventre de sua mãe, enquanto ela dormia, mas você não me permitiu, a sua energia, a energia tão intensa e serena que emanava do ventre dela não me deixou cometer essa atrocidade... Só fui entender o que de fato aconteceu quando te reencontrei e reencontrei sua mãe, era o destino, Agatha! Você me tocou naquela noite, você me transformou, fez-me hesitar em assassinar alguém a sangue frio pela primeira vez em toda a minha vida!

Levantei-me do carpete como se tivesse recebido um choque de milhares de voltes, meus olhos denunciavam a minha incredulidade, sim, eu estava ofendida, mas acima disso, estava muito, muito magoada.

- Destino? – indaguei sarcasticamente, deixando que as palavras escapassem ácidas de meus lábios – Você realmente acha que foi o destino? – sacudi a cabeça, um sorriso doentio formava-se em meus lábios – Não há nada de destino nisso, há apenas você. Você e o seu egoísmo! Você e a sua hipocrisia!

Aidan franziu o cenho e lançou-se na minha direção, eu o havia ofendido e agora ele estava irritado. Não me deixei intimidar por ele, eu o confrontaria se fosse necessário, eu o peitaria sem a menor hesitação, porque agora que nossas velhas feridas haviam sido reabertas, eu jogaria sal em todas elas com muito, muito prazer.

Eu poderia sair ferida, mas não o deixaria escapar ileso também.

- Acha que sou hipócrita? – ele perguntou, apontando um dedo para si mesmo, o rosto retorcendo-se em uma máscara de ódio e ultraje – Eu nunca menti sobre quem eu realmente era, Agatha, nunca fingi ser um santo, muito pelo contrário, eu a adverti de que possuía um passado negro desde o principio, e você sempre deixou bem claro que sabia onde estava se metendo, que não se importava com nada do que havia acontecido.

- Isso foi antes de descobrir que você estava envolvido na morte do meu pai! – berrei, sustentando meu olhar homicida, encarando aqueles olhos igualmente furiosos – E você soube disso o tempo todo! E preferiu esconder isso de mim, mesmo quando eu lhe dei oportunidade de se abrir comigo e contar toda a verdade, você mentiu! Acha que isso não é ser hipócrita? Diga-me, Aidan?!

Ele baixou o olhar, desistindo de me confrontar, recuando diante de minha fúria ameaçadora.

Aidan cerrou os olhos lentamente, pela sua expressão eu sabia que ele estava remoendo algo em sua mente e isso me enfureceu ainda mais, cegou-me de ódio e eu podia muito bem ver tudo vermelho naquele momento, minha fúria era tão intensa, tão amarga, tão devastadora, que quase se tornava tangível, palpável.

- Seu pai escolheu a morte, Agatha. – sussurrou ele, ainda de olhos fechados e seu rosto novamente afundava em amargura e remorso.

- O que você disse? – perguntei, esfregando os olhos, as palmas de minhas mãos coçavam para esbofeteá-lo mais uma vez, mas eu me continha, lembrando a mim mesma de que não queria qualquer tipo de contato com ele.

Aidan abriu seus olhos castanhos mais uma vez, fitando-me tão... intensamente. Ele olhava para dentro de mim naquele momento, e acho que deve ter visto a fúria, o ressentimento, a amargura que me dominava e causava um verdadeiro reboliço em meu interior, porque recuou, afastou-se de mim, abruptamente.

- Seu pai escolheu seu próprio destino. Foi a decisão dele, proteger você e sua mãe, em detrimento da sua própria vida... Foi a escolha dele, Agatha.

- Do que raios você está falando? – indaguei, afastando-me dele, recuando.

Ele respirou fundo, seus olhos tornavam-se amargos, coléricos. Meu coração ainda retumbava em meu peito quando sua voz pronunciou-se, séria, tensa, tingida pela tristeza e pelo arrependimento.

- Quando a sua energia impediu-me de cumprir minha missão, eu sabia que havia falhado. Mas decidi que não desistiria assim tão fácil de executar a outra parte dela.

- Que outra parte? – perguntei, mecanicamente, piscando para afugentar a umidade em meus olhos.

Aidan não fez rodeios, e sem mais delongas, sem mais hesitação, despejou a informação crucial e dolorosa sobre mim.

- Capturar seu pai. Um Elemental que havia rompido o selo da fênix, e que conseqüentemente, tinha que ser levado até as Sete Tristezas para que o segundo ritual de selamento fosse realizado.

Senti a cor fugir de meu rosto, de repente nada mais naquela sala tinha consistência para mim. Era como se as paredes, a mobília, tudo tivesse virado uma molenga geléia. Eu cambaleei, e por sorte, consegui apoiar-me no encosto da cadeira, ou certamente teria ido ao chão.

O bolo em minha garganta intensificou-se, meus batimentos tornaram-se mais lentos, reverberavam em meus ouvidos. Uma névoa de confusão e incredulidade envolveu-me, e impediu-me de pensar com clareza.

Pouco a pouco, senti-me perdendo o controle sobre o meu próprio corpo. Eu não o sentia mais. Uma dormência assustadora alastrava-se sobre cada centímetro de mim. Não sabia como, mas havia conseguido permanecer em pé, mesmo que meus pés parecessem estar enterrados em neve.

A gelidez em meus pulmões ainda era algo com o qual eu estava tentando lidar sem sufocar.

- Você... – comecei, minha voz rouca, como se estivesse há anos sem pronunciar uma única palavra, pigarreei, minha garganta arranhou novamente e minha voz falhou, baixando para um incompreensível sussurro – Você ca-capturou... meu... pai?

Ainda baixou a face, parecendo-me profundamente envergonhado. Mas não consegui registrar mais nada, o tom de sua voz, o misto de sentimentos em seus olhos, a complacência que agora emoldurava suas feições.

- Seu pai e eu lutamos uma batalha de vida e morte, Agatha, onde poderia haver apenas um vencedor. Eu acreditei que seria fácil derrotá-lo, que minhas habilidades bastariam, mas me enganei... Seu pai era muito talentoso, um guerreiro nato e destemido. E venceu-me no fim...

Tornei a fitá-lo, despertando de meu estado de inércia finalmente. Os olhos esbugalhados, os lábios escancarados, e mesmo assim, meu coração recusava-se a aceitar, minha mente recusava-se a acreditar.

Mesmo assim, eu permiti que ele prosseguisse com sua história mentirosa e repulsiva...

- A sua energia ainda tirava a minha concentração, e foi o suficiente para que seu pai me derrotasse. Eu não entendi... – murmurou ele, um tanto relutante – Mesmo estando comigo em suas mãos, mesmo tendo a oportunidade de tirar minha vida e salvar sua família, ele não o fez.

“Seu pai era um homem nobre e corajoso. Ele sabia que meus reforços estavam a caminho, ele sabia que não poderia contra quatro Mediadores de uma vez só. E foi então que ele tomou a mais difícil e dolorosa decisão...”

“Seu pai, Agatha, resolveu salvá-la, por amor, ele decidiu que se entregaria de livre e espontânea vontade as Sete Tristezas. Seu pai escolheu a morte para mantê-la viva, no ventre de sua mãe”.

Eu gemi, contraindo-me involuntariamente, meu corpo curvou-se automaticamente, por puro reflexo, enquanto eu sentia aquela navalha deslizar por minha carne novamente. Não havia dor maior que aquela... Não havia palavras para descrever o que eu estava sentindo naquele momento.

E mesmo assim, eu encontrei forças para permanecer de pé, mesmo assim, eu encontrei forças para ficar ali e ouvir o restante de minha sina. Os últimos momentos de vida de meu pai...

- Ele fez com que eu desse a minha palavra de que eu jamais machucaria sua mãe ou você. Ele me fez prometer que jamais a perseguiria, que a deixaria partir, em paz, e em troca ele ofereceu a própria vida.

“Nós dois éramos os únicos que sabíamos desse acordo, fora a sua mãe, claro, mas ele a fez prometer que jamais contaria nada a você, que manteria aquele pacto escondido sob as sombras daquela noite tempestuosa”.

“Eu cumpri com a minha parte, deixei que sua mãe partisse, e o levei até meu mentor, na Itália. Sempre me perguntei se havia agido corretamente, se não havia falhado com meu dever de caçador por deixá-la escapar, mas alguns anos depois, simplesmente me esqueci do ocorrido, porém, nunca me esqueci das palavras de seu pai naquela noite”.

“Seu pai foi a segunda pessoa a me alertar, depois de Christian, que o que eu procurava tão desesperadamente era amor, e não violência e sangue”.

“As palavras nunca fizeram o menor sentindo para mim, eu não acreditava em amor, pelo menos até reencontrar você, dezessete anos depois, e descobrir que a minha decisão naquela noite foi a primeira correta que tomei em décadas”.

“Ao salvá-la, eu percebi que salvei a mim mesmo, salvei-me do monstro que habita meu coração, ao salvá-la, Agatha, naquela noite, eu percebi que havia me salvado de mim mesmo, de minha fera sanguinolenta e indomável”.

Ele fez uma pequena pausa, tomando fôlego, enquanto eu permaneci ali, sem qualquer reação, sem fala alguma, respirando imperceptivelmente, o coração sangrando, a alma retalhada.

- Então é verdade. – murmurei, amargamente, baixando os olhos – Meu pai está morto, meu pai foi submetido ao segundo ritual de selamento, e você não fez nada para impedir... Você apenas... assistiu...

- Não pude fazer nada por ele, seu pai escolheu seu próprio destino, seu próprio caminho. Quando descobri sobre você, eu ainda não tinha idéia de que era a criança no ventre da humana que eu poupei naquela noite, embora a sua energia ainda conseguisse ofuscar meus sentidos, eu só percebi que eram a mesma pessoa quando vi sua mãe durante aquele jantar. Ela me reconheceu instantaneamente, e eu sabia que havia te prejudicado de alguma forma, por isso decidi que me manteria algum tempo distante, queria pensar com clareza, estava em dúvida se deveria contar tudo a você, ou se deveria manter em segredo como havia pedido seu pai.

“Mas não fui muito longe, percebi que não poderia viver sem você, então retornei, acordei sua mãe no meio da noite e expliquei a ela que minha estada na cidade não duraria por muito tempo, que eu poderia protegê-la do desertor se me mantivesse ao seu lado, e ela compreendeu, pedindo que eu te deixasse em paz assim que tudo se aquietasse em South Hooksett. Eu dei minha palavra, quando tudo terminasse, eu partiria e nunca mais tornaria a procurá-la, de qualquer forma, era a única maneira de mantê-la longe de meu mentor”.

“Então, procurei você naquela noite também, disposto a manter toda essa sujeira debaixo do tapete, disposto a nunca permitir que você descobrisse sobre o acordo que eu fiz com o seu pai”.

“E consegui convencê-la de que era o melhor para você, de que a verdade a colocaria em perigo iminente, e jurei levar essa verdade comigo para o túmulo, desfrutar do seu amor porquanto me fosse permitido, e depois partir...”

“Eu pensei que nunca mais fosse encontrá-la, Agatha, estava convencido de que ia terminar meus dias afundado em solidão e saudades, pelo menos até reencontrá-la aqui, em Ephemera, sob a proteção de Lucius”.

- E por isso não se preocupou em me contar a verdade. – murmurei, os olhos vagos, a voz sem vida alguma, todos os meus pensamentos, todos os meus atos, pareciam naquele momento estar sendo coordenados por uma estranha força, pois meu cérebro ainda tentava reagir a aquele jorro de informações extremamente dolorosas.

Aidan não me respondeu, ele nem mesmo tentou se pronunciar novamente, tentou me contradizer. Isso significava que suas palavras haviam chegado ao fim, então, acho que era a minha vez...

Sequei os meus olhos mais uma vez na manga da blusa, funguei e tratei de recuperar a minha compostura. Fitei Aidan friamente, estranhamente meu corpo era tomado de um calor desconhecido.

E mais estranho ainda era o fato de meu coração encher-se de gelo, eu nunca havia sentido tanto frio como naquele momento. Talvez fosse a dor de ser apunhalada, talvez não... Tanto fazia.

Meus batimentos aquietaram-se novamente, enquanto eu o encarava, olho no olho, como se fôssemos, não dois amantes apaixonados, mas dois eternos rivais, condenados a matar um ao outro.

Meus lábios curvaram-se em um sorriso involuntário. Sim, eu mataria algo nesta noite, com toda a certeza, com muito prazer... E seria aqui e agora.

- Está tudo acabado entre nós dois. – murmurei, rompendo o silêncio que havia se instaurado naquela sala, meu coração sangrou, mas eu ignorei a dor, eu soterrei no fundo de mim mesma todos aqueles sentimentos, eu os sepultei, cavando uma cova bem profunda para eles, e então, joguei metros e mais metros de terra sobre todos eles. E senti-me bem por ter feito isso.

Aidan fitou-me, alarmado, os olhos castanhos arregalaram-se, para depois se estreitarem novamente, mas não era indiferença, era dor. Ele estava sofrendo, e sua dor, o seu tormento era como gelo sobre as minhas feridas naquele momento.

- Agatha... – ele chamou-me, sua voz denunciava sua tristeza, ele tentou avançar na minha direção, tentou me demover daquela decisão, mas eu recuei, e o alertei com o olhar; se tentasse se aproximar novamente de mim, eu não hesitaria em esbofeteá-lo mais uma vez.

- Não há mais nada entre nós... Espero que aceite a minha decisão. Não me procure mais, não tente me dissuadir, eu já escolhi o meu caminho, e você não está mais nele.

Ele trincou os dentes, desviou os olhos, furioso, mas eu me mantive firme, eu me mantive fria e impassível. Eu não era eu mesma...

Aidan cerrou os olhos, relutantemente, ainda tenso. De repente, ele já os havia aberto novamente e procurava uma aproximação segura, medindo-me cuidadosamente, mas eu estava irredutível. Eu não voltaria atrás.

- Não, Agatha, você precisa me perdoar. Eu... Eu sinto muito por ter escondido isso de você, mas não é necessário que decisões tão prematuras e drásticas tenham que ser tomadas!

Sorri com escárnio, tingindo minha voz de um sarcasmo ácido, querendo, mais do que tudo feri-lo com minhas palavras, desejando que elas se tornassem dardos envenenados e o atingissem, e o machucassem tão profundamente que jamais poderia cicatrizar.

- Não é necessário? – indaguei, sentindo o calor em meu corpo intensificar-se dentro de mim até quase me consumir em suas intensas labaredas – Desde quando você pode julgar o que é ou não necessário para mim? Você não tem direito algum sobre a minha vida! E agora, você me diz o que eu devo ou não fazer? Você é um monstro, Aidan! Sempre foi! Pode negar o quanto quiser ou tentar se convencer de que mudou, mas o monstro permanece dentro de você! Acha mesmo que pode se redimir com seu passado? Então é mais tolo do que eu imaginei! – berrei, sentindo minha garganta arranhada arder pelo esforço.

Ele cerrou os olhos com força, tentando se acalmar, tentando não absorver as atrocidades que eu proferia com fúria e amargura. Eu o havia ferido... Eu o havia magoado tão profundamente...

Aquele sentimento sepultado ainda tentou reagir, gritou dentro de mim para que eu parasse, para que eu me detivesse, mas meu ódio era uma chama inextinguível e sufocou aqueles sentimentos novamente.

Ele levou uma das mãos até a testa, seus músculos estavam rijos pela tensão, mas eu estava disposta a feri-lo muito mais, ainda não era o suficiente para mim, eu ainda não estava... saciada.

- Eu não levarei em consideração o que você me disse. – murmurou ele, parecendo-me muito disposto a me perdoar, mas somente se eu me arrependesse, o que não era a minha intenção.

- Pense o que quiser de mim. Isso não muda o fato de eu nunca mais querer vê-lo...

- Você está mentindo. – interrompeu-me, seus olhos atravessando meu rosto, decifrando meus sentimentos, meus pensamentos – Não está sendo sincera consigo mesma, Agatha. Conheço-te o suficiente para saber que você não está dizendo a verdade, posso ver que ainda me ama, mas está tão furiosa e magoada que prefere acreditar em suas próprias mentiras a enfrentar a verdade.

- Quem está mentindo aqui? Melhor, quem sempre mentiu aqui, Aidan? Foi você!

Àquela altura, já era tarde demais, o calor dentro de mim apaziguava, sentindo os efeitos das palavras dele. Eu não estava mentindo para mim mesma, eu não poderia sentir mais nada por ele, não depois de descobrir sobre tudo! Não havia saída! Não havia outro caminho, a não ser este...

- Eu não estou mentindo... – sussurrei, sentindo que meus olhos já tornavam a arder, ele estava me confundindo.

- Posso ler em seus olhos, Agatha, não é isso que você quer. Não é isso que você deseja... Você sabe que existe outra saída, você a conhece tão bem quanto eu...

As palavras dele giravam em minha cabeça, dançando e rodopiando, ele não podia estar falando sério! Depois do que disse a ele, Aidan deveria me odiar tanto quanto eu o odiava naquele momento! Então por que ele ainda demonstrava tanta complacência, tanto carinho por mim? Por que ele não regia às minhas palavras da maneira correta?

Ele estava brincando comigo? Estava tentando me confundir?

Levei ambas as mãos à cabeça, curvando-me, atordoada. Nada fazia sentindo para mim. Estava pronta para me separar definitivamente de Aidan, estava pronta para apagar toda a nossa história...

Não...

Eu não estava pronta...

Muito menos estava certa...

Aidan estendeu uma das mãos para mim, a palma virada para cima, os olhos calorosos e amorosos, um amor que, definitivamente, eu não merecia...

- Perdoe-me, Agatha, perdoe-me por tudo o que lhe fiz? Por todo o mal que lhe impus, por todo o sofrimento e as lágrimas... Nunca tive a intenção. E você sabe disso, você me conhece, você conhece meu coração... Você sabe que essa é a verdade.

- Não! – eu berrei, sendo consumida por minhas lágrimas, uma tempestade assolava-me por dentro, perturbava meu coração, porque metade minha queria perdoá-lo por tudo, queria se atirar nos braços dele e dizer que tudo já havia passado, mas a outra, bem mais determinada e forte, dizia-me para odiá-lo com todas as minhas forças, para magoá-lo, para feri-lo – Eu não posso! Pare de me confundir!

Sacudi a cabeça, sentindo na alma o quanto aquilo me custaria, sentindo a dor física, sofrendo o mais terrível dos males, sendo acometida pela pior das pestes; o desejo de vingança.

- Não posso te perdoar... Não posso... – sussurrei para mim mesma e para ele, calando a voz dentro de mim que ainda via em futuro ao lado de Aidan, tentando matá-la de qualquer maneira, mas nunca obtendo sucesso, porque ela sempre retornava, ela sempre se refazia e me confundia.

Levantei a face pela primeira vez, as lágrimas ainda rolavam por minha face, atormentando-me, era como sangue, e eu repudiava cada uma delas, os olhos de Aidan ainda aguardavam pela minha decisão.

E quando a tempestade dispersou, não me restou mais nada... Porque a calmaria não veio, nem nunca virá... Porque tudo o que me resta agora é o nada, o silêncio, o vazio, a solidão...

- Não vou te perdoar... – sussurrei, endireitando-me, a visão embaçada e distorcida impediu-me de ler o que exatamente Aidan sentiu naquele momento, talvez assim fosse melhor – Nunca vou te perdoar por tirar meu pai de mim... Eu não quero vê-lo nunca mais. Eu não quero lembrar de nada do que vivemos. Você está morto para mim, Aidan. E...

As palavras entalaram em minha garganta, e eu asfixiei, afogando-me em minhas próprias lágrimas e meu tormento. Mas obriguei-me a dizê-las, eu precisava dizê-las, eu precisava...

- Eu te... – cerrei os olhos, amargamente, respirando aos arquejos, ignorando a dor, ignorando tudo – Eu te odeio... – consegui sussurrar e abri os olhos a tempo de ver a expressão de Aidan.

E isso o machucou mais do que se eu o estivesse esfaqueado. Meu coração sangrou mais uma vez e aquela voz dentro de mim que me pedia para parar de feri-lo chorou...

- Eu te odeio... – repeti, mais alto, mais segura, mais atormentada do que nunca, até que eu não pude mais me controlar – Eu te odeio... – e finalmente eu explodi – Eu te odeio, Aidan!

As lágrimas de repente não estavam mais salgadas, estavam amargas, como veneno. Era como veneno vertendo de meus olhos, e contaminando minha língua com sua amargura e acidez.

A sensação era tão boa, e tão amarga ao mesmo tempo. Estava enlouquecendo? Talvez.

Talvez meu coração se dividisse em dois naquele momento. Talvez eu mesma estivesse partida em duas. Bem e mal, luz e trevas, yin e yang. E embora meu lado negro assustasse-me, era nele que me apoiava, era nele que buscava refúgio daquela dor insuportável.

Era nele que busca forças para enfrentar Aidan naquele momento. E mesmo que ali, eu me machucasse, me ferisse muito mais, eu não me importava... Eu realmente não relevava aquela situação.

Minha respiração fluiu lentamente através de meus lábios, gelada, como a respiração de um cadáver. Meus batimentos passavam despercebidos de meus ouvidos, tão lentos e fracos.

O tempo parecia ter congelado sob a minha perspectiva. Como se os ponteiros do relógio não mais se movessem. Mas eu sabia, naquele momento eu havia recebido a minha maldição, a minha sina.

Estava sendo castigada.

Fardada a odiar aquele a quem mais amava... Impossibilitada de amá-lo novamente. Carregando no coração a fenda causada por aquela separação. A separação que eu mesma escolhi, a dor que eu mesma tomei para mim.

Meus olhos verteram as suas últimas lágrimas, ainda fitando aquele semblante tão ferido e tão magoado quanto o meu. Uma dor e um tormento que eu mesma havia lhe infligido.

Virei-me lentamente, deixando a sala, sentindo que seus olhos ainda me acompanhavam. A dormência alastrava-se por meus membros, mas eu a ignorei, levei minha mão trêmula e gelada até a maçaneta e a abri, desaparecendo no corredor, e quando já estava fora de sua vista, corri...

Corri pelos corredores como se minha vida dependesse disso; e dependia. Meus pés agiam por conta própria, colocando-se um na frente do outro, mal roçando o carpete, e eu devo ter tropeçado algumas vezes, antes que pudesse abrir a porta de meu quarto com violência, batesse-a com uma força desnecessária, e então, recostasse minhas costas em sua estrutura sólida.

Parecia a única coisa que não perdera a sua consistência sob meus olhos. O chão parecia-me meio esponjoso, molenga sob meus pés.

E no refúgio encontrado em meio à tormenta que ainda me assolava, eu escorreguei de costas, deixando que o bolo em minha garganta se dissolvesse em lágrimas amargas. Mal tinha forças para permanecer sentada no chão, então não me importei em desabar de lado, comprimindo o rosto quente no piso gelado. A sensação era boa.

Meu corpo irrompeu em violentos espasmos enquanto eu tentava abafar o choro, tentava deter aquela avalanche; tarde demais.

As paredes ainda giravam ao meu redor, como se estivessem dançando para mim, em contraste com a minha agonia profundamente dolorosa. Preferia mil vezes antes arder nas labaredas de uma fogueira a enfrentar aquela verdade, aquela dor.

Estava só mais uma vez...

E dessa vez, a escolha foi inteiramente minha. Eu preferi me isolar, preferi me esconder nas penumbras gélidas, mas agora não as queria mais. Queria a morte. Que ela viesse alada e buscasse minha alma.

Que ela me levasse para longe daqui...

Apertei os olhos com força, trincando os dentes e encolhendo-me no chão. Tola, tola, tola. Patética, patética, patética. Essas palavras martelavam em minha mente. Eu era tola, eu era patética... Por chorar por alguém que nem sequer era digno de minhas lágrimas. Por deixar que me enganasse por tanto tempo.

Cerrei os punhos e os soquei contra o piso, ignorando a dor em meus dedos, ignorando o fato de que eu sangrava, mais uma vez...

Cravei minhas unhas no chão, tentando aliviar aquela dor esmagadora, tentando apagar minha mente e de meu coração o fato de que um dia eu amei o monstro que roubou meu pai de mim.

Aquela ferida jamais cicatrizaria. Aquela dor jamais cessaria. Aquele tormento jamais me deixaria. Eu conviveria com isso até o último dia de minha vida. Eu carregaria essa vergonha até a hora de minha morte.

Meu corpo queimava pela dor, meu coração ardia pelo rancor, minha alma embebedava-se de amargura. E eu era envenenada por meu próprio ódio.

Ódio de mim mesma. Ódio de Aidan. Ódio por tudo e por todos. Ódio por minha vida desgraçada. Ódio por eu existir. Por que eu deveria continuar existindo? Por que fui trazida a este mundo? Se para tal, eu sacrifiquei meu bem mais precioso: meu pai.

Culpada! Essa palavra ecoou em minha mente, fazendo-me trincar os dentes com uma força ainda maior. Eu era culpada, eu sou culpada. Culpada pela morte de meu pai.

Não poderia negar. A culpa é inteiramente minha.

Desabei no chão novamente, só então percebendo que um imenso abismo abria-se sobre mim, tão negro e frio que causou calafrios em mim. Mas não lutei; não queria.

Então permiti que aqueles estranhos tentáculos negros envolvessem-me e puxassem-me para dentro dele. Que sentido havia em lutar? Eu queria me entregar. Eu queria afundar naquele buraco e nunca mais voltar.

Eu queria perecer ali dentro.

Eu queria...

Eu queria...

Eu...

Abri meus olhos para a densa escuridão. Abertos, fechados, que diferença fazia? Estava escuro de qualquer maneira. Eu flutuava tranqüilamente sobre uma piscina rasa de águas geladas e turvas.

Mas mais uma vez, não fazia qualquer diferença. O frio era bom. Eu merecia. Eu poderia congelar ali.

Meus olhos ardiam de uma forma incomum; e um estranho e espesso líquido escorria por minha face. Virei, ajoelhando-me naquele piscina rasa, vendo que meu reflexo projetava-se perfeitamente na água estranhamente escura.

O líquido que escorria de meus olhos desceu por meu rosto e pingou na água, produzindo pequenas ondulações, distorcendo minha imagem atordoada.

Toquei o rosto, ainda entorpecida demais, com a ponta dos dedos e afastei-o para poder ver. Não esbocei reação alguma quando o líquido mostrou-se vermelho escarlate. Vermelho sangue.

Eu chorava sangue.

Sustentei o olhar, olhando cuidadosamente em derredor. Mas estava tão escuro, estava tão silencioso. Que não me importei mais em descobrir que lugar era aquele.

Fitei meu semblante refletido nas águas negras e geladas, deixando que o sangue continuasse vertendo de meus olhos, sem ao menos me importar com esse fato.

Só então, uma voz muito conhecida por mim pronunciou-se. Ela reverberou por todo aquele local enegrecido, flutuando acima das águas e alcançando meus ouvidos atordoados, rompendo a bolha silenciosa que ali predominava.

Nem mesmo me assustei pelo reconhecimento instantâneo. Talvez eu já devesse esperar por isso. Porque aquela era a minha própria voz...

- Então, finalmente nos reencontramos!

Sustentei o olhar lentamente e a encontrei. Uma silhueta branca e cintilante contra o fundo negro. Seu vestido branco alcançava seus pés, arrastando uma pequena e pesada cauda pelas águas.

Sua pele era tão pálida, que quase poderia ser confundida com um prateado, como a cor da lua. Seus cabelos eram negros como o ébano e mesclavam-se à escuridão da noite, à escuridão daquele ambiente desconhecido.

Ela caminhou lentamente até mim, os olhos negros brilhantes e eufóricos. Nos lábios pálidos, um sorriso de satisfação e saciedade.

Meu eu sombrio finalmente havia retornado. Desde a última vez em que nos vimos, completaram-se meses. Quando ela, inutilmente tentara alertar-me sobre Aidan e suas mentiras.

Na época eu não acreditei, não quis acreditar. Hoje, vejo que ela estava coberta de razão.

Ela estacou a poucos centímetros de mim, a primeira mudança que notei era que seus olhos não mais vertiam sangue; mas os meus, sim. Então era isso. Ela finalmente teve a sua profecia cumprida.

A promessa sombria de que, algum dia, eu viria para cá, para sofrer a dor que ela já sofria. Carregar o fardo que ela já carregava. A profecia havia sido concretizada. E pensar que eu não lhe dera ouvidos desde o principio.

Meu eu sombrio alargou seu sorriso, a água pairava ao redor de sua vestimenta branca e resplandecente, ela praticamente tremeluzia em meio a tanta escuridão.

- Eu sabia que mais cedo ou mais tarde, você viria para cá, Agatha. – sussurrou ela com uma voz extremamente doce e gentil – Era apenas uma questão de tempo.

- Deixe-me em paz... – pedi-lhe, minha voz mal passava de um sussurro ininteligível.

Meu eu sombrio desfez o sorriso no mesmo instante, retorcendo os lábios em um biquinho e abaixou-se até mim, roçando a bainha de seu vestido nas águas tórpidas.

Levou seus dedos gelados até meu rosto, afagando-o delicadamente, parecendo compartilhar de minha dor, de meu fardo.

- Pobrezinha... Está sofrendo tanto... – Ela tombou a face pálida para o lado, observando-me de um ângulo diferente – Mas não se preocupe, Agatha, eu não vim para atormentá-la ainda mais, muito pelo contrário, estou aqui para ajudá-la.

- Ajudar... – a palavra pareceu estranha soando de meus lábios, de minha voz rouca, de minha garganta arranhada.

Ela assentiu, seus olhos negros faiscando para mim. As palavras, os gestos dela, não faziam muito sentido para mim. Nada fazia muito sentido, para ser franca.

- Sim! – ela exclamou, exultante – Sim, sim! Eu estou aqui para ajudá-la a se vingar daquele que te feriu tão profundamente!

- Vingança... – repeti, os olhos vagos, o cérebro custando a absorver o real sentido de cada uma delas – Eu devo me... vingar?

Meu eu sombrio sorriu novamente, levantando-se, dando-me as costas, enquanto levava seu dedo indicador aos lábios pálidos e sorridentes. Contornou-me algumas vezes, dando voltas em torno de mim, deixando-me tonta, enquanto um jorro de palavras escapava de seus lábios.

- Claro que sim! Vingança faz parte do jogo que estamos jogando! Aliás, se você não retribuísse com a mesma moeda, estaria quebrando as regras desse grande jogo. Os mortais dizem, olho por olho, dente por dente.

Tornei a fitar meu reflexo melancólico e confuso, deixando que suas palavras reverberassem meus ouvidos, martelando e martelando, enquanto eu finalmente caía em mim.

- Eu... Não sei como me vingar...

Minha resposta causou o riso em minha metade sombria, ela levou as mãos aos lábios, tentando abafar sua risada, os olhos encaravam-me profundamente, perfurando-me e analisando-me cuidadosamente.

Depois ela jogou-se, de joelhos, até mim, o rosto a centímetros do meu, olho no olho, enquanto sibilava baixo, suas palavras demoravam a serem registradas por meu cérebro.

- Oh, mas a resposta para sua vingança é tão óbvia! Chega quase a ser ridícula de tanta obviedade. – Ela levou um dos dedos aos lábios pálidos, tamborilando-o vagarosamente enquanto seus olhos negros estreitavam-se nas pontas.

Eu esperei por sua resposta, em silêncio, em absoluto silêncio.

- Não podemos agir de forma desleixada, temos que acertar Aidan aonde mais doerá! Assim como ele fez conosco! Precisamos pagá-lo na mesma moeda, e é por isso que precisamos afetar seu orgulho, seu ego, seu coração, serão três coelhos com uma só cajadada! Agora pense, queridinha, como faremos isso?

- Eu... Eu acho...

Ela silenciou meus lábios com seus dedos, impedindo-me de completar minha suposição, meneou a cabeça para os lados, os olhos repreensivos e estreitados.

- Não, não, não! Você não pode achar nada, você precisa ter certeza! Certeza absoluta!

Então cruzou os braços sobre o peito, irritada, e vendo que eu não esboçava ou dizia nada, bufou, revirando os olhos e levou uma das mãos até a lateral de meu rosto, enroscando seus dedos em meu cabelo molhado.

Ela afastou-o o suficiente para aproximar seus lábios gélidos de meu ouvido esquerdo, sussurrando delicadamente:

- Você quer mesmo saber como? – perguntou-me e eu assenti, um pouco confusa, ela sorriu em resposta, aproximou seus lábios ainda mais e então cantarolou bem baixinho, causando o meu espanto, a minha incredulidade – Chris-ti-an!

- Não... – eu arfei, de olhos arregalados e mãos sobre o coração – Não posso brincar com os sentimentos dele, é errado, não é certo envolvê-lo nisso...

- Blá-blá-blá... – ela cantarolou novamente, revirando os olhos como se estivesse entediada – Você e essa história de bondade! Isso é tão... irritante! – reclamou, depois recuou a face a fim de me olhar nos olhos, tornou a afagar meu rosto suavemente com seus dedos gelados – Ah, Agathazinha, não me negue isso!

- Não! – murmurei, sacudindo a cabeça, aturdida, não era certo envolver Christian naquela sujeira toda, ele já sofreu demais, não posso iludi-lo, não posso brincar com seus sentimentos dessa maneira.

Meu outro eu sorriu maliciosamente, tentando ainda me dissuadir, demover-me daquela decisão.

- Pobrezinha... Você me inspira tanta... pena. É lastimável! Essa sua ingenuidade e benevolência me dão ânsia! – ela suspirou profundamente, parecendo-me decepcionada de alguma forma – Sabe do que você realmente precisa? Um pouquinho mais de egoísmo. Isso faria tão bem a você! E além do mais, ao que me consta, é exatamente isso o que ele quer!

- Não importa, não vou brincar com os sentimentos de Christian... – sussurrei, querendo pôr um ponto final naquela conversa desagradável, tentando fazê-la desistir daquela idéia assustadora.

Ela bufou novamente, como uma criança que não consegue o que quer. Cruzou os braços novamente e desviou o rosto.

- Posso saber então como, ó grande gênio, você dará o troco em Aidan? Sim! Porque você não pode deixá-lo impune!

- Não quero vingança... – sussurrei, baixando os olhos tristonhos – Deixe-me em paz.

Ela espalmou as mãos na água turva, revoltada comigo e com minha decisão, mas eu a ignorei.

- Não! Você não pode! Você precisa se vingar dele, ou então será apenas uma fracassada, uma lástima, uma escória nessa terra!

- Pense o que quiser de mim... – sussurrei em resposta, preparando-me para tapar os ouvidos e não ouvi-la tagarelando mais, mas nem mesmo tive a chance.

Suas mãos geladas envolveram meus pulsos, fazendo-me sua prisioneira. Quando olhei para cima, seus olhos negros fuzilavam-me, seus lábios comprimiam-se e quando se pronunciou, sua voz era ríspida, rude.

- Eu não vou deixá-lo sair ileso dessa história, queira ou não! E se não colaborar comigo, serei obrigada a fazer algo de muito, muito ruim com você!

Eu apenas a encarei, lívida, assustada e acuada como um ratinho diante de um gato ardiloso. Ela sorriu malignamente mais uma vez, expondo seus dentes brancos e brilhantes como pérolas e soltou uma gargalhada assustadora.

- Não sou apenas eu quem deseja isso, Agatha. Precisa compreender que estamos todas no mesmo barco! – e revirou os olhos teatralmente, apontando para uma terceira silhueta presente ali, uma que só agora eu notara.

Meu eu pequeno e amargurado, cujas mãos cobriam-se com sangue. Sangue do meu pai. O mesmo sangue que jorrou de seu sacrifício, dezoito anos atrás.

- Vingue-se dele, Agatha! – ordenou ela, a voz infantil, porém carregada de ressentimento.

Tornei meus olhos para meu eu sombrio, assustando-me diante de seu olhar maléfico.

- Faça-o pagar, Agatha! – murmurou ela, aproximando sua face da minha, deixando que seus olhos me engolissem em negridão e desespero.

- Não o deixe escapar de sua fúria! – ladrou ela, ou meu eu pequeno, tanto fazia, elas agora sibilavam em uníssono, suas vozes chocavam-se contra meus ouvidos com violência, martelando em minha mente oca, deixando-me atordoada.

Até que tudo se tornou um misto de confusão e barulho.

“Vingue-se”, “Acerte-o aonde mais doerá”, “Não tenha misericórdia”, “Seja forte”, “Acabe com seu orgulho”, “Não tenha clemência alguma”, “Use Christian”, “Não permita que ele escape ileso”, “Vingue-se”, “Vingue-se”, “Vingue-se”, “Vingue-se”, “Vingue-se dele, Agatha!”.

E então eu gritei, as mãos sobre os ouvidos, tentando abafar tantos ruídos, curvando-me até a superfície da piscina gelada, vertendo sangue de meus olhos chorosos.

Mas eu estava sozinha mais uma vez, sozinha na escuridão e no silêncio. Então afundei nas águas tórpidas, não tendo mais consciência de nada.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

OMG! Dá para acreditar que uma coisa dessas realmente aconteceu?


Coitada da Agatha... Eu me imagino no lugar dela, sabendo que o grande amor da minha vida colaborou com a morte do meu próprio pai e pior, aceitou o acordo de salvar a minha vida, em troca levando a dele! Não é à toa que ela está desse jeito!


A 1ª vez que eu ouvi essa música da Christina Aguilera, eu pensei comigo mesma: tenho que encaixá-la na 3ª fase, é a cara da Agatha! Principalmente nessa fase de tormento e separação que ela está passando...


E o que acharam da volta dessa Agatha sinistra e malvada? Ela quer que a Agatha se vingue do Aidan e pior, que use o Christian para isso!


Será que ela terá coragem de fazer uma coisa dessas?


Agora sim, veremos um lado bem inconsequente e rancoroso da Agatha! E ela tomará muitas decisões erradas e precipitadas!


Até a próxima!!!


Beijinhos!!!!