Atlantis - os Dois Reinos escrita por LadySpohr, Tay_martins


Capítulo 6
Encrencados




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Ariana

O sol a chamou de filha

A lua de mensageira, o poder

que corre nela, é feito de aço

e magia, como as estrelas cadentes

que explodem no ar, numa chuva

brilhante de faíscas!

Os alunos foram dispensados. A polícia foi chamada.

Úrsula apareceu apenas para ficar um tempo curto no salão, aonde todos ainda estavam reunidos, antes da dispença final.

A notícia correu como pólvora, fora ela que achara o defunto, e seu nome era Gustavo. Quando a irmã Betina, uma das cordeenadoras, disse isso ao microfone, eu senti como se uma fenda abrisse sob meus pés, e então eu desabasse dentro do abismo escuro e sem fim.

_Você está bem? - sussurrei pra ela, assim que se sentou na cadeira ao meu lado. Mas antes que ela sequer abrisse os lábios eu fiz um gesto de “pare” com a mão – Não responda, você não está bem, lógico, pergunta estúpida.

_Na verdade, estou me sentindo como se tivesse sido atropelada por um trator – ela suspirou, e fechou os olhos amendoados, exausta. Sua mão procurou a minha e quando a achou, eu a apertei, solidária. Não perguntei mais nada. Éramos guardiãs uma da outra, portanto, sabíamos o que se passava dentro de cada uma, Úrsula era a única que conhecia meu segredo. E não que os “extras” dela - era como chamávamos – fossem desconhecidos, mas estavam bem desacreditados, o que eu achava ótimo, quanto menos atenção, melhor.

Pena que isso não estava acontecendo. Eu sentia olhares de viés, os cochichos atrás de mim, o zumzum irritante de todo aquele bando de alunos, internos e não internos:

“Tenho certeza de que elas tem alguma coisa a ver com isso...”, isso foi de uma das garotas atrás de mim, que nem se preocupou em baixar o tom de voz, “...elas discutiram com o Gustavo ainda mais cedo...”, a voz do garoto falhou quando o olhei diretamente, ao meu lado, na outra fileira, separadas apenas pelo espaço do corredor. Ele ficou vermelho e se calou.

Trinquei os dentes, e me segurei para não levantar e dizer para todos eles que deviam deixar de ser um bando de preconceituosos do inferno, e que calassem suas bocas idiotas!

Úrsula notou minha raiva contida e com expressão alarmada, apertou meu pulso com a mão, certamente pra me manter no lugar, caso eu tivesse um surto e tentasse levantar e fizesse todo mundo girar no ar e jogá-los contras as paredes.

_Nervosa? - eu sufoquei um grito quando a voz soou de repente, e Úrsula levou a mão ao peito, nós duas nos virando para o lado esquerdo ao mesmo tempo – Nossa, sou tão assustador assim? - ele sorriu, e parecia estar se divertindo. Caramba, Dante, sorrindo. O Apocalipse está chegando.

_ Não por sua causa, posso garantir – resmunguei, quando ele se sentou no outro lado de Úrsula, super à vontade, e ela ficou o encarando, entre pasma e insultada. Afinal, ela tinha corrido em defesa daquele grosso, e tinha sido descartada como um sapato velho.

Dante encolheu os ombros ante minha resposta.

_Sonhar não custa nada.

_Não convidamos você pra se sentar conosco, que eu me lembre – Úrsula alçou as belas sobracelhas escuras. Não contive um sorriso, se eu era a maluca de gênio ruim, minha amiga era a serenidade em pessoa, jamais erguia o tom de voz, mas a frieza contida na entonação já deixava tudo claro.

Dante olhou para os lados esquerdo e direito, os bancos vazios, porque ninguém se sentou na mesma fila de cadeiras que a nossa. Ninguém.

_Lamento, só há essa fila desocupada – comentou, e enfiou a cara no livro que o falecido Gustavo lhe tinha roubado mais cedo.

_Sério, você ao menos sabe o que está acontecendo aqui? - indaguei, incrédula. Estávamos no meio de uma crise, com todo mundo em polvorosa e chocado, e ele estava lendo?????

Tenha santa paciência!!

Ele girou os olhos escuros na minha direção, e me fixou estranhamente, como se minha pergunta fosse completamente descabida.

_Ariana, eu estudo na mesma classe que você, e ouvi a notícia do assassinato pela mesma freira. Então sim, eu sei o que está acontecendo aqui – e sem maiores explicações, voltou às páginas do livro.

_ E eu achando que não poderia haver mais um bocó nessa escola – suspirou, Úrsula, frazindo as sobrancelhas, incomodada.

_ Isso foi pra mim? - Dante perguntou, de dentro do tomo, sem nos dirigir o olhar.

_ Se a carapuça serve... - deixei a frase no ar, e virei a cabeça para o lado direito. Irmã Betina se aproximava de nós em passadas rápidas. Eu gostava muito dela, era uma das poucas realmente gentis e que se importava com os internos. Tinha um rosto delicado, em forma de coração, cabelos longos e louros, os quais mantinha descobertos, ao contrário de todas as outras. O brilho de seus olhos verdes eram preocupados ao parar diante de nós e fitar o rosto redondo da minha amiga. Segurei seu braço com força.

_ Querida, me acompanhe por favor.

Úrsula engoliu em seco, mas acenou positivamente. Ela me deu um sorriso fraco e inseguro, então levantou-se e seguiu Irmã Betina.

Acompanhei-as com a vista até elas sairem pelas elegantes portas de correr do salão.

_ Internos, todos aos dormitórios, alunos, dipensados – a madre superiora avisou apaticamente no microfone. Ela estava pálida, coisa que eu nunca tinha visto antes na minha vida.

Eu continuei sentada, enquanto cadeiras eram arrastadas, e alunos e internos, fazendo reboliço, se retiraram do lugar. Esperei a maior parte sair antes de sequer mover um músculo.

Alguns deles giravam a cabeça sobre os ombros, me encarando e murmurando uns com os outros.

Fechei as mãos em punhos e procurei ignorá-los, eu já estava farta daquela maldita atenção. Me peguei pensando se acusariam Úrsula por assassinar Gustavo...Meu Deus, que os céus não permitissem uma tragédia como aquela... E num solavanco percebi que provavelmente os próximos a serem levados para a sala da madre, seríamos eu e o Dante. A polícia estaria ali em dois tempos, se já não estivesse.

Bufei, impaciente, e me ergui da cadeira.

_ Ela vai ficar bem, Ariana.

Eu me virei para o Dante. Seu livro estava sobre o colo e fechado, e ele me olhava com atenção.

Engoli em seco, nem sabendo o que dizer direito. Forcei meus músculos faciais em um sorriso, que saiu completamente frustrado e impotente.

_ Assim eu espero – respirei fundo, acenei com a mão de modo desajeitado e saí de perto dele.

Estava deitada na cama do meu dormitório, com o rosto enfiado no travesseiro, tentando descançar a mente e pelo menos dormir um pouco pra esquecer tanto o assassinato, quanto os olhares das minhas colegas de quarto medindo cada gesto meu.

Não me espantei, quando mãos delicadas apertaram meus ombros e eu saí de baixo do travesseiro, tirando o monte de cabelo que me cegava.

_ Ariana, me acompanhe. Você vai ser interrogada pela polícia – anunciou Irmã Betina em voz calma – Serão somente algumas perguntas, acabará logo.

_ Tudo bem – sussurrei, um fantasma trêmulo de sorriso surgindo em minha boca. Queria agradecer Irmã Betina por tentar me acalmar, mas realmente não havia clima pra bom humor.

Me levantei, ajeitando minha saia xadrez do uniforme, que só naum estava mais amarfanhada que meu cabelo, estiquei a camisa branca e acenei em afirmativa para Irmã Betina.

Os sussurros me seguiram até a freira gentil e delicada fechar a porta atrás de nós, e nos guiar pelo corredor silencioso.

Quando cheguei no ante-sala da madre, Úrsula estava saindo da sala principal, o escritório da madre, e quando me viu, arregalou os olhos.

_ Que droga você está fazendo aqui?

Ergui as palmas das mãos pro alto.

_ Vou ser interrogada – respondi, enquanto Irmã Betina entrava no escritório da madre e nos deixava ali junto da irmã que era secretária. Ela estava nos observando cautelosamente.

_ Como interrogada? - piou Úrsula em pânico e voz baixa – Eu não falei da briga com o Gustavo mais cedo pra polícia. Não era para estarem chamando você.

Revirei os olhos.

_ Pequeno Urso, você é um absurdo em forma de garota. Você acha que essas freiras não sabem o que acontece na escola que comandam? Acho que até os cupins dessas paredes tem ouvidos e são espiões delas – abanei a cabeça – Mas de qualquer forma não importa, eu vou ter que entrar aí, eu queira ou não.

Úrsula mordeu os lábios, frustrada e suspirou.

_ Ok, espero que pelo menos não chamem o Dante também – murmurou nervosa.

Trinquei o queixo e estreitei os olhos.

_ E daí? Por quê você se importa?

Úrsula perdeu a expressão preocupada e me encarou fixamente, de sobracelhas erguidas.

_ Eu posso não gostar daquele bocó, mas eu não sou injusta.

Entortei os lábios, e abanei as mãos.

_ Não vou nem responder isso, mas... - a porta se abriu e Irmã Betina ressurgiu, me fazendo calar e engolir a saliva.

_ Entre, Ariana.

Me entreolhei com Úrsula. Ah, meu deus! Mas que droga!

_ Até mais tarde – me despedi.

_ Até – ela sussurrou me lançando um olhar que era puro pânico.

Joguei os cabelos pra trás e entrei na sala da madre superiora. Ela estava lá. Mas não era ela que ocupava a mesa de mogno, seu lugar favorito. Acho que ela pensa que aquilo pode ser encarado como um trono, sei lá. Mas que seja.

_ Senhorita Ariana, por favor, se sente – o investigador disse, apontando a cadeira pra mim. Eu fiz sem nem pensar duas vezes – Agora, quero que me responda algumas perguntas.

Foi a coisa mais exaustiva que já fiz na vida. Sempre fui boa em responder qualquer coisa nas aulas, mas aquilo ali...foi como arrancar energia vital. Ele me questionou sobre desde o horário que levantei, até quando ocorreu o assassinato, e cada vez mais eu me sentia exausta, por quê ele às vezes voltava em algumas perguntas e detalhes, e aquilo estava me deixando louca. Torci tanto meus dedos na minha saia, e bati tanto os pés, que ao me encaminhar pra sair, me surpreendi de não estar com um farrapo como roupa e com as solas dos pés em sangue.

Mas a surpresa maior não foi essa. Ah, não foi.

Na verdade foi ver Dante sentando no sofá de espera, com a expressão de quem nem sabia porque estava ali.

Ah, meu Deus. Estávamos mesmo encrencados!

Quando ele me viu, sua expressão foi de espanto.

_ Não sei porque o choque. Eu estava no meio do rolo, lembra?

_ Sim, eu lembro muito bem, Ariana – ele respondeu, e notei que não carregava livro algum. Milagre.

_ Bom, boa sorte – eu desejei, mesmo que eu soubesse que não tinha boa sorte que ajudasse a se escapar de um interrogatório.

_ É, obrigado, acho que vou precisar.

_ Vai mesmo – disse em voz baixa, já me distanciando dele.

Sim, agora eu tinha certeza, estávamos muito, muito, encrencados!


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