Quando Cosmo acordou, percebeu que não havia mais nenhuma pracinha ao redor ou um céu azul sobre a sua cabeça. Ao invés disso, estava num cômodo completamente cor-de-rosa. Pela janela grande ao seu lado, ele percebeu que a noite em breve chegaria. Ele havia dormido tanto assim? E aliás, que lugar era aquele?

- Ah, você acordou. – Ele finalmente notou a presença de Wanda. Ela estava sentada em frente à uma escrivaninha, com as mãos sobre um livro.

- Wanda... – Ele sussurrou, aliviado por ela estar presente. Levou as mãos até os olhos, ainda desnorteado. – Onde estamos?

- Na minha casa. – Ela esclareceu, fechando o livro após marcar a página onde estava. – O sol começou a ficar forte, e você dormia profundamente. Não quis acordá-lo e o trouxe pra cá, já que não sei onde você mora. – Explicou-se.

- Eu dormi tanto tempo assim...? – Ele movimentou as asas e voou até a janela, observando o sol desaparecer. Fazia tempo desde a última vez que ele dormiu daquela forma.

- Acho que você precisava disso, suas olheiras estavam muito visíveis... – Ela comentou, enquanto voava até a janela, também. Cosmo esfregou os olhos lentamente, ainda sentindo resquícios do sono. Porém, ao fitar novamente a janela, viu algo no jardim da amiga que lhe chamou a atenção.

- Ah, Wanda, você está esperando visita? – Perguntou inocentemente. Ela levantou uma sobrancelha, confusa.

- Não, porquê? – Ao olhar para onde Cosmo estava olhando, o pavor ficou estampado no rosto da fada. O rapaz, que olhou de canto para a amiga, tomou um susto.

- O-O que foi, Wanda? – Ele perguntou, ainda assustado.

- É... É... o meu tio! – Ela levou as mãos até os fios rosados. – Eu não sabia que ele ia vir me visitar hoje! – Cosmo ainda não tinha entendido onde estava a “coisa” assustadora.

- Tem algum problema? – Ele coçou a cabeça, tentando imaginar o que era tão medonho no fato de um tio visitar sua sobrinha. Wanda puxou o amigo pela mão, afastando-o da janela, enquanto tentava explicar.

- N-Normalmente não, mas... ele é... bem, você... – A fada de cabelos verdes tentava juntar as palavras desconexas de Wanda, sem sucesso.

- WANDAAA~! – Ouviu um berro vindo do andar de baixo, seguido por um silêncio. – Sinto cheiro de homem aqui! – Wanda arregalou os olhos. Ia pegar a varinha com a intenção de esconder Cosmo ou mandá-lo para outro lugar, mas um homenzinho fada de cabelos grisalhos materializou-se na sua frente.

- T-Tio Wild! – Ela exclamou, suando frio. O olhar do homem passou pela sua sobrinha e desceu, em direção às mãos entrelaçadas. Subiu novamente, dessa vez encarando o rapaz desconhecido de cabelos verdes, que o olhava com curiosidade. Poucos segundos depois, ele puxou Cosmo pela gravata, olhando-o mortalmente.

- O que está fazendo aqui? – Rangeu os dentes.

- Eu estava dormindo. – Respondeu, com um sorriso bobo no rosto, aparentemente não percebendo a aura mortífera que emanava do outro. Wanda ficou boquiaberta. Seu tio era extremamente protetor. Aquele era o fim. Uma veia saltou na testa do mais velho, furioso.

- E o que você é da MINHA Wandinha? – Perguntou, já se preparando para acabar com a raça de Cosmo caso ele respondesse de forma errada.

- Somos amigos. Estudamos na mesma sala no Colégio das Fadas. – O moleque de cabelos verdes disse tão sinceramente que o mais velho soltou um suspiro de alívio quase no mesmo instante. Olhando por outro lado, não tinha como um bebezinho daqueles ter uma relação mais séria com sua madura sobrinha.

- Oras, por que não disse antes, meu jovem? – Ele soltou a gravata de Cosmo, sorridente. – Agora vamos conversar, faz tempo desde que conversei com fadas da nova geração! Quantos séculos você tem? Já pode beber? – Wanda esqueceu-se até de como voar com o choque. Seu tio estava sendo... amigável? As vezes que ele expulsou todos os rapazes que iam visitá-la ou até mesmo que passavam perto de sua casa ainda eram memoráveis.

- Há! Eu já sou um adulto! Minha mãe permitiu que eu bebesse café há cinquenta anos atrás! – O garoto disse, orgulhoso. – Apesar de que... é amargo e horrível. – Fez uma careta, emburrado. O mais velho caiu na gargalhada.

- Mas você ainda nem saiu das fraldas, então! – O homem riu mais ainda. – Wanda, por que não me contou sobre ele? Lembra-me eu mesmo na minha juventude...

Wanda olhou bem para seu tio, sem reação. Uma fada careca, com apenas uns ralos fios brancos dos lados da cabeça, o rosto malvado e enrugado – mesmo que estivesse aparentemente feliz; porte de um militar, e com uma aura nada pacífica ao redor.

Em seguida olhou para Cosmo. Cabelos brilhantes caindo sobre o rosto lisinho e sorridente, uma pose relaxada e descontraída, e uma aura que poderia ser comparada a de um santo terráqueo.

Não. Seu tio Wild COM CERTEZA não era assim na juventude.

- Wanda, por que está tão distraída? – Perguntou Cosmo, balançando as mãos na frente do rosto da garota.

- Hm? Nada, nada... – Mentiu, dando um sorriso nervoso.

- Bem, vamos para a sala! Tenho muitas histórias da Terra para contar! Gostaria de ouvir... er... qual o seu nome, jovem?

- Cosmo! – Os olhos verdes brilharam. – Eu adoro histórias da Terra! Minha mãe trabalha como Madrinha, ela me conta diversas coisas de lá. – O homem balançou a varinha e levou todos para a sala.

Enquanto contava diversas situações que havia passado com humanos, Cosmo ria e se assombrava. Era um universo parecido e ao mesmo tempo completamente diferente do Reino das Fadas. Sua mãe só havia lhe contado sobre o quanto ele era perigoso, e não os pontos divertidos. Enquanto isso, o homem observou que Wanda mantinha seu olhar distraído no mais novo sempre que podia, sorrindo quando Cosmo gargalhava e apreciando os comentários dele, mesmo os mais bobos (que aliás, não eram poucos). E uma coisa lhe chamou a atenção. Sua sobrinha parecia incrivelmente feliz.

Quando Cosmo precisou se retirar, Wild se despediu, animadamente. Aquela conversa serviu para que pudesse analisar o rapaz, e ficou satisfeito por concluir que ele era um bom garoto. Talvez até demais, para alguém da idade.

- É a primeira vez que o vejo aceitar uma amizade minha, Tio! – Wanda exclamou, enquanto bebia uma xícara de chá.

- E é a primeira vez que vejo minha sobrinha com um rostinho tão sorridente. – Ele replicou, para o susto de Wanda, que ficou com as bochechas coradas no mesmo instante e quase engasgou-se com a bebida.

- É-É que as histórias foram engraçadas, oras! – Tentou disfarçar.

- E qual você gostou mais? – Silêncio. Um silêncio constrangedor para Wanda, que de tanto prestar atenção em Cosmo, não havia prestado atenção em nenhuma história. Levantou-se, ainda com o rosto ruborizado.

- T-Todas! Eu vou para o meu quarto, estou cansada! – Desapareceu no ar, deixando seu tio às gargalhadas na sala.