Saí sob os olhares maldosos e cochichos vindos das pessoas que estavam lá. Fechei os olhos e segui em frente sem me despedir de mais ninguém. Abri a porta da lanchonete e vi a luz fraca do sol que tentava sair no céu nublado. Um vento frio fez gelar minha espinha e percebi que estava sem meu casaco. Ele tinha ficado lá dentro e eu não tinha coragem pra voltar e encarar aqueles olhares de novo. Esfreguei os braços tentando me aquecer e senti alguém tocar minha pele. Os olhos embaçados pelas lágrimas dificultavam minha visão, mas era impossível não o reconhecer. Mesmo tendo-o visto apenas uma vez na vida, aquele olhar era inesquecível.
- olá. – ele disse tímido.
- o que ainda faz aqui?
- eu me chamo Gerard, muito prazer. – ele esticou a mão sorrindo.
- ah, me desculpe. – ri sem graça com a minha falta de educação. – eu me chamo Annabelly. – retribuí o aperto de mão ainda espantada.
- com frio?
- não. Nem um pouco. – tentei não parecer cínica, mas ele não acreditou na minha resposta. O frio era tanto que me fazia tremer dos pés à cabeça.
- toma, veste a minha jaqueta. Ela não está molhada de Coca-Cola. – ele sorriu tirando a jaqueta e colocando sob meus ombros.
- não, não precisa.
- você está tremendo de frio, olha só. Não faz bem pegar toda essa friagem. Você pode ficar doente, sabia?
- obrigada. – aceitei depois de ver que ele não desistiria tão fácil. – me desculpe pelo que aconteceu. Eu sou mesmo uma desastrada. Olha só, manchei sua blusa.
- não se preocupe, eu tenho três iguais a esta. – nós rimos juntos. – amanhã eu posso comprar mais cem dessas, se eu quiser.
Meu sorriso sumiu do rosto no instante que percebi com quem eu estava simplesmente jogando conversa fora. Era ele, o grande herdeiro milionário, cantor de uma das bandas do momento, ali parado rindo comigo pela confusão que o fiz passar.
- oh my God!!
- o que foi??
- eu não acredito que é você! – ele abaixou a cabeça e deu um sorriso meia boca.
- isso é o que todo mundo sempre diz.
- ah, me desculpe. Eu não quis parecer uma fã histérica. – ele riu, dessa vez olhando pra mim. – na verdade eu nem sei direito quem você é.
- não?? Como assim?
- eu... eu preciso ir. – tirei a jaqueta e devolvi a ele. – Foi bom conversar com você Gerard, mas eu preciso ir pra casa agora.
- onde você mora? Eu te levo.
- não!! – dei um grito. – não, não precisa. Eu moro aqui perto. – mentira.
- mas eu não me incomodo, Annabelly. Eu te levo.
Ele abriu a porta do carro e ficou esperando que eu entrasse. Por um instante eu quase cedi, mas eu não podia fazer isso com ele. Quando ele se distraiu, corri e entrei no ônibus que passava na hora. Com o coração batendo rápido, olhei pela janela e vi seu olhar desapontado em minha direção.
Eu não podia... não podia me apaixonar por ele.

Depois de pegar 3 ônibus, desci no último ponto para esperar o próximo que me deixaria na porta de casa. Enfiei as mãos no bolso e me desesperei.
- ah não... era só o que me faltava.
O dinheiro da passagem era contado, e eu acabei ficando com uma passagem a menos quando peguei o ônibus pra fugir de Gerard. Agora eu estava sem dinheiro e há mais de 2 kilômetros da minha casa. Sentei no banco e coloquei as duas mãos na cabeça para pensar no que fazer. Sem dinheiro, sem emprego. É, minha vida não andava nada bem...

Avistei um carro vindo de longe. Meu coração quase saiu pela boca quando o reconheci. Era ele. Não podia ser verdade.
A BMW parou bem na minha frente e de dentro dela, Gerard saía com aquele olhar inconfundível.
- eu não sei o que estava tentando fazer, mas fico feliz em ter desistido. Eu já estava ficando sem combustível. – ele sorriu e eu acabei me deixando levar. Sorri também e peguei em sua mão que permanecia esticada em minha direção.
- ok. Eu aceito sua carona.