Who Knew escrita por Nunah


Capítulo 2
1 - porque deveria ser feito




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     Todos os deuses estavam em seus respectivos tronos, exceto Zeus. Hera mantinha uma expressão determinada no rosto, ela havia convocado todos para uma reunião urgente na qual iria anunciar algo. Todos estavam ansiosos pra saber o motivo daquilo tudo. Até Afrodite – que é toda alegre e despreocupada – estava chorando oceanos e ninguém sabia o porque, Hera parecia ter conhecimento sobre o assunto, mas nada disse. As portas se abriram com um estrondo revelando um Zeus todo despenteado, com os botões da camisa errados e meio confuso.

- Ora, ora, Zeus – disse Hera –, estávamos a sua espera.

     Aquilo o fez gelar e parar no lugar, não poderia ser boa coisa, Hera nunca convocava uma reunião, muito menos assim, do nada.

- Estavam, é? – ele disse, parecia uma estátua.

- Mas é claro. Por que não se senta? Assim poderei começar – ela disse, dando um tapinha no trono do marido, ao lado do seu.

- Hm – assim que Zeus tomou seu lugar, encarou a esposa com curiosidade e ela sorriu.

- Acho que já deveria ter feito isso há tempos.

     Hera retirou a aliança de ouro branco do dedo, a levantou até a altura dos olhos e ficou-a encarando. Aquela aliança que tinha sido posta em sua mão num momento especial, junto de palavras que juravam amá-la até a morte. As lágrimas já não caíam mais, talvez não tivessem mais um propósito ou não tinham mais forças. Se virou e viu o Senhor dos Céus perplexo, colocou sua aliança em sua mão e fechou-a, guardando-a ali.

- Jogue-a no Tártaro por mim.

- Você é a deusa do casamento, não pode fazer isso.

- Tanto posso, quanto estou fazendo. Eu tenho e quero o direito de amar e ser amada, Zeus.

- Mas eu te amo! Sou apaixonado por você.

- Não, você é apaixonado por si próprio – ela disse com firmeza – Ainda serei a deusa do casamento, talvez até da separação, sentarei ao seu lado no Conselho, mas não serei mais vista como sua esposa.

- Hera, você está de cabeça quente, pare e pense no que está fazendo de fato – intrometeu Poseidon.

- Cale a boca, estúpido! – brigou Athena com ele – Sei como ela está se sentindo, e você sabe o porque – ela completou quando ele fez cara de perdido – Eu posso te garantir que não é uma sensação boa, então fique quieto e deixe-a fazer o certo – com isso os olhos dele se encheram de lágrimas e Poseidon mais nada disse.

- Como eu ia dizendo, Zeus, está livre, não é grande coisa já que você age como um homem solteiro e safado – se a situação não fosse séria, Ares e Apolo cairiam na gargalhada – Mas agora não vou ter que me preocupar mais – com certeza a história deles estava começando a parecer a de Poseidon e Athena.

     Zeus estava atônito, estava tão acostumado com as aceitações de Hera, nunca pensou que ela iria a esse ponto. Sempre que chegava a noite, ou ela estava lendo, ou dormindo sem preocupações. E agora ele percebia, lembrava da água inundando seus olhos quando o desculpava, mas as lágrimas nunca vinham, talvez porque não tinha mais o que chorar. Se lembrava de como ela dançava graciosamente no casamento, de como seus cabelos cor de chocolate eram sedosos e tinham o cheiro do mesmo.

     Ele fitou aqueles lábios vermelhos rosados que diziam que não o amava mais, será que ainda tinham gosto de cereja? Sua pele com certeza manteve aquela maciez que sentiu na primeira vez que a tocou, seus olhos que antes continham dor, agora mostravam um brilho estranho. Como pôde trocar tudo aquilo que sempre foi seu, que sempre o esperou com uma pontinha de esperança, por aquelas mulheres mortais sem graça que não chegavam nem aos pés da deusa grega a sua frente? Agora sim ele via a dor que tinha causado a ela, talvez a frase “antes tarde do que nunca” não valesse para eles, pois era certeza que ela não voltaria.

- Afrodite, querida – dizia Hera agachada em sua frente -, não precisa chorar. Ainda terão muitos casais por ai esperando por você.

- Eu sempre me arrependi por não ter abençoado vocês, por que eu não fiz isso?! – Afrodite lamentava entre os soluços.

     Hera a abraçou, deixando-a chorar o quanto quisesse e depois de cinco minutos, Afrodite se levantou e caminhou até Zeus, que ficou confuso.

- Você é um idiota! Não acredito que fez isso, como pôde? Eu sempre quis te perguntar e acho que a hora é essa. Como se sente quando a trai? Como se sente quando vê a dor nos olhos dela? Como consegue dormir tranquilo e com a consciência limpa depois do que faz? Você não a merece, não merece sentir nem receber um amor verdadeiro! – gritou Afrodite aumentando o tom de voz e saiu pisando fundo.

- Eu... – ele tentou começar, mas no fim percebeu que era melhor não responder.

- É – Zeus ouvia Ártemis resmungar – Quem manda ser safado, hein, pai? É nisso que dá – ela falava, mas ele já não prestava atenção. Era como se lhe tivessem pisoteado o coração, ele estava quebrado, faltava uma parte. E uma parte que parecia estar perdida pra sempre.

- Veja pelo lado bom – disse Ares – Você está livre. Bem vindo ao clube dos solteiros, meu amigo. Você pode fazer o que quiser, sem peso na consciência.

     Mas ai é que estava. Foi isso o que ele sempre fez. Sempre a traíra sem nem um pouquinho de peso na consciência, pois achava que ela nunca teria coragem de abandoná-lo. Mas Hera se foi. E só agora ele percebia o quanto ela era importante pra ele. O quanto ela já não deve ter sofrido por ele, o quanto ela já não deve ter chorado.

     Mas todo buraco tem um fundo. Uma hora, ela iria se cansar de sofrer. E essa hora chegou. Ela aguentara tempo demais. Três milênios, para ser exato. Se fosse ele, provavelmente não teria aguentado nem a metade. Zeus soube desde a primeira vez que a viu, Hera tinha um coração gigante. O perdoava, mesmo com 99% de chances dele voltar a traí-la... E ele voltava.

- Não foi o que você sempre quis? – perguntou Athena indignada – Parabéns, você conseguiu, acabou com o seu casamento. Está feliz? Que vergonha. Vocês são todos iguais mesmo. Eu vou é embora.

     Enquanto ela saía, Zeus percebia. Já tinha visto isso antes. Já tinha visto sua filha amaldiçoando Poseidon eternamente nos jardins do Olimpo, enquanto jogava pedrinhas no lago. E sempre ficou com raiva dele fazer sua bonequinha sofrer. E nunca se tocava que fazia exatamente o mesmo. Faça o que eu falo, não faça o que eu faço.

     É aquela eterna história: Tenha muito cuidado antes de ferir um coração, pois você pode estar lá dentro e se ferir também.

- Por isso que eu não gosto dos homens – disse Ártemis enquanto saía, seguida de Hera. Zeus já tinha aprendido a ignorar esses seus discursos feministas, mas ela estava certa, afinal.

- Sabe Zeus, eu esperava mais de você. Até um juramento foi feito pra ver se você seria mais fiel... E você o quebrou. Hera está mais do que certa em te abandonar, entende? Nenhuma mulher merece viver sofrendo por um homem que não lhe dá o devido valor. Se fosse eu, já teria desistido há muito – disse Deméter completando o ciclo de xingamentos femininos e indo embora.

     Ela tinha toda razão, todas tinham. Ele fora um grande idiota e jamais faria de novo, se tivesse alguma chance. Queria poder implorar a ela seu perdão, até de joelhos ficaria, faria muito mais se Hera quisesse para aceitá-lo de volta. Ela não aceitaria. Infelizmente, Hera tinha chegado ao ápice de sofrimento que uma mulher poderia sentir por um homem. Ela se cansara e a culpa era toda dele. Sempre fora culpa dele, desde o início, quando a traiu pela primeira vez.

     E agora, ali, sentado em seu trono, com a cabeça entre as mãos, Zeus descobria o verdadeiro significado de como é só dar valor a algo quando o perdemos. Ele sentia isso na pele, no sangue, nos ossos, no coração. Nunca dera a Hera o valor que merecia. Então ela se foi e ele viu o quão maravilhosa sua esposa fora, perfeita, compreensiva, amável. Afrodite tinha razão, ela não era pra ele, ele não a merecia.

     Zeus não queria mais acordar, não tinha mais vontade. Pois, ao invés de ver uma linda mulher que sorriria deixando de lado os erros do marido e diria bom dia, afagando seu rosto e o beijando, ele veria uma cama vazia e se lembraria de que perdera a coisa mais preciosa que teve na vida: Uma esposa que o amou por 3000 anos e o perdoou, no mínimo, 1000 vezes.

- Você supera – disse Poseidon dando tapinhas em suas costas.

- Olha quem fala – Zeus rebateu ainda de cabeça baixa.

- O que? Eu superei.

- Uhum. Poseidon, me deixa sozinho – ele pediu.

- Mas é verdade – Poseidon insistiu.

- Me deixa sozinho agora – mandou Zeus com os punhos cerrados.

     Ele ficaria ali até se decompor e virar pó, sumindo do mundo e pagando seus pecados.


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Notas finais do capítulo

Só avisando que, mesmo Zeus merecendo, Hera não vai trair ele. Até porque eles não são mais casados.