Not Like The Movies escrita por MsRachel22


Capítulo 30
Não é como nos filmes




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“Fique, fique comigo”

                      Hurts

 

  Me restavam 48 horas antes de ser enfiada num carro, atravessar os portões e a partir daquele ponto, de acordo com Tsunade e uma assistente social, eu retomaria a minha vida. Eu não sabia mais o que fazer além de seguir as ordens que me foram passadas dentro da sala apertada da diretora: assinei os papeis que tinha que assinar, balancei a cabeça nas horas em que precisava balançar e saí daquela sala abafada quando me mandaram sair.

  A sensação de amortecimento era bem parecida com a que Profaxim me causava depois de duas horas, mas dessa vez não havia intervenção química. Todo mundo pode alcançar o próximo estágio, querida. Não se esqueça disso.

  Meus pés pareciam pesados demais quando os arrastei até a saída da secretaria e encostei o corpo na parede assim que avancei pouco mais de seis passos. Uma parte da minha mente tentava encontrar motivos que adiassem o prazo oficial, mas parecia que não havia opções realistas e práticas, apenas suposições infantis e elaboradas demais.

  Você pode perder tempo fugindo da verdade que está bem na sua frente ou parar de se lamentar e fazer alguma coisa a respeito, querida. Use bem o cérebro.

— E você podia me dar um tempo — retruquei para a voz mesquinha e autoritária que conseguia se sobressair à massa confusa de pensamentos dentro da minha cabeça. Soltei o ar com força e fingi que aquilo servia para amenizar a bagunça mental; andei em linha reta e virei no corredor à direita quando meus pés estancaram automaticamente.

  Era fácil de reconhecer a silhueta de Ino e seus coturnos, mas era um pouco anormal enxergá-la parada perto de Gaara. Havia algo de envergonhado na postura dos dois, como se nenhum deles soubesse exatamente o que fazer perto do outro.

  Assim que Ino girou o pescoço e seus olhos se cravaram em mim, minhas bochechas arderam da mesma forma que uma menina pequena cora quando é pega fazendo algo proibido pelos pais. Desviei os olhos para o outro lado quase automaticamente e, apesar de me esforçar para encontrar uma rota de fuga, meu pescoço virou na direção de Ino e Gaara.

  A loira mantinha os braços cruzados na frente do corpo e apontou com a cabeça para a esquerda, arqueando um pouco as sobrancelhas e estranhei o pedido para cair fora dali. A pergunta idiota que eu faria ficou presa na minha cabeça assim que Gaara levantou a mão e acenou rapidamente; meu braço parecia ser uma extensão de metal quando acenei de volta e olhei confusa para a direita, trotando naquela direção com pressa.

   Estanquei na metade do corredor quando vi Matsuri caminhando casualmente do outro lado. O instinto de sobrevivência e a razão me diziam para dar meia volta, me enfiar no primeiro quarto destrancado que encontrasse e gastar cerca de uma hora ali, o que seria suficiente para Matsuri encontrar alguém para provocar ou socar e esquecer que nós pisamos no mesmo corredor.

  Mas a parte desesperada do meu cérebro me dizia que a minha chance de estender a minha estadia tinha um sorriso insano nos lábios e não estava a mais do que vinte metros de distância.

  Respirei fundo e endireitei a postura, marchando em linha reta.

— Foda-se essa porcaria. — Eu sentia a adrenalina brotando e aumentando conforme eu avançava o corredor e percebia que havia chamado a atenção de Matsuri. Cerrei os punhos e trinquei a mandíbula, sem desviar minha atenção da garota de cabelos castanhos e olhos frios. — Ei, idiota!

  Assim que ela levantou o queixo, não havia mais do que cinco ou quatro metros de distância entre nós duas – que podia ser diminuído para poucos passos se eu mantivesse o mesmo ritmo de passadas.

— Nada disso, Sakura — escutei a voz irritadiça de Sasuke quando ele passou o braço pela minha cintura e começou a me arrastar para trás. Tropecei um pouco, o que foi suficiente para ele me girar pelos ombros e me obrigar a dar as costas para Matsuri.

— O que você pensa que está fazendo? — Eu havia rosnado as palavras e me agarrei à explosão de fúria, porque ela era muito melhor do que a onda anestesiante de choque e descrença. Forcei minhas pernas para pararem, o que só causou uma série de suspiros cansados por parte de Sasuke e outro acesso de raiva pela minha.

— Será que você não pode deixar as brigas pra outro dia? Tipo depois de amanhã? — Ele continuava sério e convicto em me arrastar para longe de Matsuri e suas provocações. Quando a sirene explodiu pelos alto-falantes e uma horda de adolescentes foi despejada das salas e quartos, nós dois paramos no corredor.

— Não seja estúpido, Sasuke.

— Não, não seja você estúpida — ele devolveu as palavras no mesmo tom irritado e ofendido que eu havia usado. E não era nem um pouco charmoso ter que levantar a cabeça para encará-lo, pelo menos não agora. — Você está se mantendo na linha até agora, eu não sei porque...

— Acontece que você ferrou com a minha chance de...

— Ferrei? Não, senhorita, nada disso. Eu estou tentando manter o seu passaporte pra fora daqui inteiro!

— Então você está fazendo um trabalho de merda, já que só impediu uma briga — o tom ácido na minha voz era mesmo irritante e aquilo incomodou Sasuke, já que o rosto dele se fechou numa careta ranzinza. Sustentei o olhar irritadiço dele e cruzei os braços na frente do tronco assim que ele abriu a boca, mas o interrompi primeiro: — Será que você não enxerga o óbvio, Sasuke?

— Muito bem, reboque a sua bunda pro lado — a voz imperativa de Ino se materializou e nós dois viramos o pescoço para encará-la. A loira mantinha a expressão tediosa no rosto quando empurrou Sasuke e enganchou o braço no meu, me puxando para o lado.

— Nós estamos no meio de uma conversa, Ino — Sasuke parecia mais irritado quando sustentou o olhar indiferente da Yamanaka. — Se não se importa...

— Eu me importo sim, não aguento assistir essa briga melodramática no meio do corredor — ela cuspiu as palavras e tropecei outra vez quando fui arrastada.

— Será que dá pra parar de me arrastar? — Ino ignorou a minha reclamação e ditou o ritmo apressado; foi a minha vez de suspirar cansada assim que Sasuke se manifestou ao meu lado:

— A gente não estava brigando.

— A gente estava sim — retruquei e Ino revirou os olhos. Nós três avançamos um pouco e viramos à esquerda, na direção dos quartos.

— E eu gostaria de retomar essa briga, Yamanaka.

  Parei de andar junto com Ino enquanto Sasuke se punha na nossa frente e mantinha a expressão azeda grudada no rosto. Tentei me livrar do aperto da loira, mas os músculos no antebraço e no braço dela estavam rígidos, xinguei enquanto Sasuke e Ino trocavam olhares irritados.

  Levantei a cabeça a tempo de escutar a loira falar:

— E eu gostaria muito de conversar com a minha amiga desprovida de hormônios que estava brigando com o namorado idiota e de pau pequeno no meio do corredor — o choque no rosto de Sasuke era cômico e o ultraje nos olhos dele era algo novo de se ver. Ele abriu e fechou a boca algumas vezes, o rosto ficando cada vez mais vermelho conforme ele tentava gaguejar alguma coisa que ofendesse Ino.

— V-Você...! — Foi o máximo que ele articulou quando Ino ergueu ainda mais o queixo, com os olhos azuis faiscando de raiva e ultraje.

— É, eu! — O tom debochado dela aumentava o clima de desafio que havia se instalado entre os dois; balancei a cabeça suavemente para os lados, sem saber se eu deveria me irritar pelo reboque da Yamanaka ou do Uchiha, quando nós três escutamos risos abafados mais à direita. — Quer ajuda pra tirar esse sorriso idiota da cara, Uzumaki? Posso consertar isso e o seu rosto idiota em dois tempos.

— Não, estou satisfeito com o meu rosto — o loiro estava parado casualmente de mãos dadas com Hinata. — O lugar é pequeno demais pra nós cinco... — Hinata revirou os olhos e Sasuke alternava o olhar de desaprovação e irritação entre os dois loiros; a Hyuuga notou o meu esforço para me livrar do aperto da loira, então se enfiou entre nós duas e me ajudou a sair do enlace da Yamanaka.

— Nem mais uma palavra, Naruto. — A ordem de Sasuke arrancou outra série de risinhos abafados do loiro enquanto ele colocava um braço sobre os ombros de Hinata. Enfiei minhas mãos nos bolsos da calça jeans assim que fiquei parada do lado da Hyuuga e foi a minha vez de lançar um olhar raivoso para o Uchiha.

— Que bom que você também está aqui, Hina — o comentário da loira amenizou um pouco o clima tenso que estava instalado.

— Ino, o que é... — a voz confusa de Hinata foi cortada pela ordem da Yamanaka assim que ela fechou os dedos ao redor do meu pulso e da Hyuuga, marchando para frente e nos obrigando a acompanhar o seu ritmo.

— Eu preciso conversar com as duas, longe dos seus namorados.

— N-Não! Eu não estou... — as bochechas de Hinata pareciam ficar mais vermelhas quando a encarei e arqueei uma sobrancelha. — Não é bem assim que...

— É assim, sim — retruquei e foi divertido assistir a Hyuuga tropeçar nas palavras e tentar explicar seu relacionamento com Naruto Uzumaki. Nós duas seguimos o ritmo militar de Ino até entrarmos na biblioteca, foi só diante das portas duplas de madeira maciça que a loira nos soltou.

  O lugar estava vazio às onze da manhã e a quietude tranquilizante não parecia afetar a loira quando nós três ocupamos uma mesa redonda com alguns títulos organizados numa pilha mediana.

  Hinata foi a primeira a falar, com o tom mediador e calmo de sempre assim que notou o nervosismo extremo da loira:

— Sobre o que você quer conversar, Ino?

— Seus namorados são um pé no saco, tá — a reclamação dela me fez abrir e fechar a boca, da mesma forma que Hinata fazia ao meu lado, mas nós duas desistimos de apresentar qualquer objeção quando a loira disparou: — É só que... Bem, eu não sei o que fazer a respeito do Gaara. Ele... me confunde.

  O cansaço que transbordava nos olhos de Ino e em sua postura não combinavam com a figura sarcástica e durona que enfrentava o mundo com respostas afiadas e punhos cerrados. Durante aqueles instantes de silêncio, eu sabia que enxergar aquela faceta extremamente humana e vulnerável da Yamanaka era algo limitado para Hinata e em raros momentos. Compreender que Ino confiava em mim da mesma maneira era um pouco desconcertante e confortável ao mesmo tempo.

  Mesmo que nenhuma de nós dissesse uma palavra, existia um elo de cumplicidade e companheirismo entre três adolescentes que foram colocadas pra dividir um quarto dentro de uma cadeia juvenil.

  Enquanto Ino relatava, com pausas e olhadelas cansadas para nós duas, o que ela enxergava e sentia a respeito de Gaara, aquela sensação de pertencimento desligava as vozes idiotas na minha cabeça que diziam que eu não tinha o direito de ter amigos. Que se danem essas regras estúpidas.

— O ponto é que eu não sei o que fazer agora que tudo mudou e eu acredito nele. — Ino enfiou os dedos no couro cabeludo e bagunçou a franja que cobria um pouco o olho esquerdo, a maquiagem preta nos olhos dela parecia acentuar o cansaço em seu olhar. — Em que tipo de situação eu fui me enfiar, hein? — Seus lábios formaram um meio sorriso rapidamente.

— E por que você acredita nele agora? — A voz suave de Hinata fez Ino piscar algumas vezes, como se ela precisasse escutar essa pergunta em voz alta para formular a resposta. Levou um bom tempo até a Yamanaka conseguir dizer:

— Porque eu quero. É por isso.

  Ela nos olhou com ansiedade e parecia que o silêncio cômodo não bastaria para acalmá-la naquele instante.

— Então você está fazendo a coisa certa, Ino — a firmeza e a tranquilidade nas palavras de Hinata também me atingiram com a mesma intensidade. Um sorriso calmo apareceu no rosto de Hinata assim que ela segurou a mão da loira. — O que quer que você faça, seja verdadeira. E dane-se o resto do mundo, você não precisa dele.

— Não comece com o papo motivacional — o riso um pouco sufocado de Ino parecia uma resposta automática para dar escape ao cansaço que ela sentia.

— Quer estragar a minha única chance? — Hinata resmungou divertida e me olhou com a mesma calma e ternura de quando nos conhecemos. — Tudo bem, é a sua vez Sakura.

  Os olhos ansiosos de Ino me analisaram e minha boca parecia seca enquanto eu procurava palavras que servissem para alguma coisa naquele momento.

— Eu acho... Dane-se o que eu acho. — Suspirei com força e ignorei a parte racional e irritante da minha cabeça que berrava sobre tempo e regras. — Faça o que você quer fazer, Ino. A gente vai continuar te ajudando e estamos do seu lado, até mesmo quando você se ferrar.

  Eu não queria mais contar quantas horas ou quantos momentos como aquele eu ainda tinha ali dentro, só me agarrei ao sentimento de pertencimento quando a loira sorriu um pouco mais calma e tranquila do que antes. Hinata me cutucou e sorri de volta quando ela passou o braço livre pelo meu ombro.

— É legal saber que você não vai pular fora quando eu quebrar a cara. É mesmo animador — a voz de Ino não tinha mais o mesmo tom cansado e falei para Hinata:

— É hora do papo motivacional.

— Ino, se você tiver determinação e...

— Você é adorável, Sakura — Ino resmungou e fingiu revirar os olhos quando Hinata jogou o tronco para frente, tagarelando num tom exageradamente animado sobre motivação e objetivos. Não me importei de ficar um pouco prensada ali, escutando as vozes da Hyuuga e a Yamanaka e de comentar vez ou outra sobre a resposta irritada de Ino ou a frase de efeito de Hinata.

  O que importava era que estávamos juntas. Como algumas coisas são pra ser.

* * *

  Passava das onze e meia quando Hinata e Ino pararam de conversar sobre o cronograma da próxima semana, o clima, as últimas brigas, o possível destino de Karin e Matsuri, os boatos que circulavam Shino e Sasame. Elas evitaram categoricamente mencionar o assunto que causava olhares demorados e trazia sentimentos nostálgicos à tona, nenhuma delas mencionou que no dia seguinte haveria uma cama vaga no quarto.

  Eu reconhecia e agradecia sinceramente o esforço que elas tiveram para tornar as horas melhores enquanto o dia passava.

  Refiz a rotina de tantas noites com movimentos mecânicos: colocar os tênis, vestir um moletom, andar em silêncio para fora e fechar a porta com suavidade. Assim que tirei a mão na maçaneta, escutei a voz baixa de Sasuke, mais à minha esquerda:

— Sem sono?

  Foi automático enfiar as mãos no bolso do moletom quando levantei um pouco a cabeça para encará-lo e me aproximar com passos lentos e um pouco arrastados. Sasuke ergueu as mãos, num sinal clássico de rendição assim que havia menos de um passo de distância entre nós dois.

— Eu vim em paz.

— Faltou a bandeira branca, cara — resmunguei e ele sorriu de canto, dando um passo à frente e fazendo as pontas dos nossos sapatos ficarem colados.

— Vou deixar anotado — sustentei o olhar calmo dele e tentei ignorar a ordem mental para registrar em detalhes a forma como ele me olhava. — Eu não consegui trazer batata frita dessa vez, a cozinha estava muito bem cercada hoje. Então não tenho nada legal pra selar a trégua, sinto muito.

— Isso é imperdoável — sussurrei e o sorriso idiota de alegria e agonia que se instalou no meu rosto deixou a minha garganta apertada demais. — A gente pode invadir a cozinha amanhã e... Bem, que droga. Se a gente for pego, eu posso ficar mais tempo, até resolver a papelada e tudo mais.

  As minhas mãos tremiam um pouco quando Sasuke passou os braços pelas minhas costas, os dedos dele subiram com calma até o topo da minha cabeça e escondi meu rosto no peito dele quando foi insuportável ignorar as lágrimas que queimavam. O silêncio era pior do que continuar fantasiando e mentindo, talvez fosse por isso que eu não conseguia parar de mexer a boca.

— Ou eu posso, sei lá, arrastar a Ino pra uma briga ou eu posso... Que droga! Eu posso fazer alguma coisa e ficar!

— Sakura...

— Eu posso ficar aqui e aí as coisas não vão mudar, e eu posso ser uma amiga melhor, eu posso...

  Eu me recusava a escutar a voz de Sasuke, a tentar gravar o formato dos seus olhos, da boca, do nariz e quais trejeitos mais me irritavam e me encantavam. Eu me recusava a ter que me arriscar a relembrar como Ino apertava os olhos quando ficava nervosa ou como Hinata revirava os olhos quando não concordava com alguma ideia mirabolante que a Yamanaka propunha. Eu não queria ter que relembrar como era estranho e quase rotineiro fazer apostas idiotas com Naruto ou topar com Gaara pelos corredores.

  Eu era boa em contrariar as regras.

— Não é errado você sair daqui Sakura — balancei negativamente a cabeça, porque eu não queria consolo ou aprovação.

— Eu não sou obrigada a cair fora só porque um juiz idiota acha que pode mandar na minha vida! — Odiei a minha voz estrangulada, a maneira como os meus olhos ardiam e o rastro das lágrimas queimava a minha pele. Mas detestei ainda mais a maneira quase conformada como Sasuke me olhava. — Eu estou cansada de ficar sozinha, porque é isso o que vai acontecer assim que eu...

  A batida errática do meu peito não parou enquanto o soluço finalmente me chacoalhava e eu sentia o desespero me consumir junto com todas as palavras que eu precisava dizer para Sasuke.

  É a sua chance.

— Você não vai ficar sozinha.

— Eu não tenho como fazer nada disso, porque eu...

  O silêncio estranho era quebrado algumas vezes pelos sussurros estrangulados que eu emitia, tentando falar o que realmente importava. Mas a minha cabeça continuava a dar voltas, misturar linhas de raciocínio e intensificar o gosto amargo do desespero no céu da boca. Mas eu não conseguia mais desviar os olhos de Sasuke e eu torcia que ele fosse capaz de compreender o que eu não conseguia dizer abertamente.

— Sakura, você não está fazendo nada de errado ao seguir a ordem idiota de um juiz idiota sobre o que fazer com a sua vida — ele piscou algumas vezes com força e escutar a voz embargada dele parecia intensificar o nó na minha garganta. Gostar de alguém significa tanto assim? — É assustador, mas você não vai perder ninguém. Eu achei que era idiota me apaixonar por alguém, mas fico feliz que tenha sido com você.

  Gostar de alguém podia doer a esse ponto? Podia mesmo?

— E não tem nada de errado se você construir uma vida lá fora e achar uma pessoa legal — as palavras ficaram engasgadas na minha garganta e o sorriso conformado dele me doeu ainda mais. — Eu te amo e quero que você seja feliz. E eu não me importo se você comer batata frita sem mim.

  É a sua vez de responder.

  Um riso estrangulado escapou dos meus lábios e fechei os olhos quando Sasuke passou os polegares pelas minhas bochechas.

— Ainda vai ser nós contra o mundo, se você quiser.

  Assim que enfiei as mãos na nuca dele e me estiquei para beijá-lo, o nó na minha garganta diminuiu aos poucos, até que respirar não doesse tanto.

* * *

  O tempo estava nublado e frio quando me arrastei para o pátio externo, na direção dos portões e da fileira de guardas que rodeavam o lugar. A jaqueta jeans que Ino havia me dado estava por cima do meu moletom cinza-escuro e parei de andar assim que atravessei as portas duplas.

  Hinata Hyuuga parou ao meu lado, carregando a minha mochila em um ombro enquanto Sasuke e Ino vinham mais atrás, quietos e com sorrisos falsos assim que percebiam que eu estava encarando. Eu senti frio e parecia que meus pés e mãos foram enfiados em baldes com água gelada assim que avistei o carro parado perto dos portões.

  Mais adiante, Orochimaru e Tsunade lideravam o caminho, junto com uma assistente social de terno e calças azuis e cabelo muito bem preso num coque apertado. Meu coração parecia estar viciado em bater descompassadamente, já que eu não conseguia normalizar a minha respiração.

  Os meus joelhos tremeram assim que Tsunade parou de andar e pôs uma mão na cintura. Os olhos claros dela estavam suaves pela primeira vez e, mesmo com a expressão séria, a diretora parecia contente.

— Sakura Haruno, desse ponto em diante você será levada pela assistente social até um abrigo. Você não está mais sob a minha responsabilidade — o anúncio deixou o meu estômago pesado e parecia que a minha voz havia sumido. — Pode se despedir dos seus amigos agora.

  Meus músculos pareciam ser feitos de borracha quando girei um pouco os calcanhares e Hinata me abraçou com força. As minhas mãos não paravam de tremer quando a apertei de volta e pisquei várias vezes, tentando controlar um pouco o ardor nos olhos.

— Eu vou sentir a sua falta — mexi a cabeça quando a voz embargada de Hinata ficou um pouco mais baixa. — Não se esquece que o seu apartamento tem que ter três quartos.

— Ninguém vai ocupar o seu, Hina — concordei e peguei a alça da mochila assim que nos afastamos um pouco; os nós na minha garganta pareciam mais apertados quando Ino se aproximou e Sasuke ficou mais à sua direita.

  Nós duas nos encaramos em silêncio, com as respirações alteradas e a loira esfregou um pouco o nariz antes de se balançar nos coturnos.

— Você... Não compre brigas sem ter reforço, garota do capuz. E nada de tomar um porre sem boa companhia. Não se esforce demais e não fique sem dormir muito tempo, ou você vai ser despachada pra um hospital — a voz geralmente irônica e confiante de Ino estava um pouco mais baixa do que o normal, já que ela evitava me olhar por muito tempo e parava para soltar o ar. — E você está autorizada a usar algumas das minhas frases legais quando for brigar.

  Passei os braços ao redor da loira e sussurrei um agradecimento assim que ela passou as mãos pelas minhas costas e me apertou com um pouco mais de força. Nós nos separamos e evitamos nos olhar por muito tempo; Naruto apareceu e colocou minha outra mala de mão no chão e mexi os lábios, num agradecimento fraco. Mais à esquerda dele, estava Gaara.

— Se precisar de alguma coisa lá fora, tenho alguns contatos — ele estendeu a mão e a apertei frouxamente. Naruto sorriu de canto e bagunçou a minha franja. — Te vejo por aí, novata.

  Virei a cabeça na direção de Sasuke sentindo meus músculos mais rígidos e amortecidos do que nunca, foi ele quem se aproximou com passos lentos. As mãos estavam enfiadas nos bolsos dianteiros da calça jeans escura que ele usava e apertei a alça da mochila com mais força quando ficamos a meio passo de distância.

  E, como na noite anterior, as palavras ficaram presas na minha garganta.

— Eu sou uma porcaria em despedidas. — O nervosismo dele era palpável e ele se esforçava para soar convincente. — Foi muito bom te conhecer, Sakura Haruno. — Sasuke segurou a minha mão e olhou para baixo; tentei articular qualquer coisa, mas nada saía e me detestei por isso. — Eu tenho medo de te deixar ir agora. Não sei se consigo.

— Muito bem, chega — congelei quando a voz de Orochimaru se materializou e as mãos dele ficaram presas nos meus ombros, me forçando a mexer as pernas. — Ninguém tem o dia todo.

  Virei a cabeça para trás e meus pés continuavam tropeçando em linha reta, minha respiração continuava disparada e eu sentia o desespero fazendo a minha temperatura cair. Você não tem todo o tempo do mundo, querida. Tentei atrasar o trote ritmado de Orochimaru, mas o máximo que consegui foi uma série de xingamentos e o barulho ensurdecedor do apito.

  O pânico me dominou quando me vi de frente para o carro, a porta detrás do passageiro estava aberta e a assistente social estava parada na porta do passageiro ao lado do motorista.

  Você não tem todo o tempo do mundo, querida.

— Podemos ir? — A voz um pouco cansada da assistente social parecia se sobrepor a todo o resto assim que Orochimaru me empurrou para o banco traseiro e bateu a porta com força. Escutei outra batida metálica quando a assistente social ocupou o assento de couro dianteiro.

— Não, não — o sussurro que escapou dos meus lábios secos me assustou. Girei a cabeça para trás e minhas pernas tremeram assim que escutei o barulho dos portões sendo abertos. Aquele barulho cortante, um pouco enferrujado, fez com que a adrenalina fosse produzida às pressas no meu organismo.

  Sem mentiras, lembra?

  Eu sabia que seria idiotice sair de um carro em movimento e que somente nos filmes as pessoas escapavam intactas.

  O carro não havia avançado totalmente os portões quando abri a porta e me lancei para fora, quase que no mesmo momento que o motorista pisava um pouco mais no acelerador. Meus quadris doíam junto com meus joelhos e a ponta do meu nariz, já que eu não sabia como cair. Chutei cascalho e grama, me forçando a ficar de pé e correr em linha reta.

  Enquanto eu levava meus músculos ao limite máximo e escutava ordens para parar, meu peito doía e parecia ficar menor assim que avistei Sasuke Uchiha. Meu braço foi puxado bruscamente para trás, o que interrompeu a minha corrida, e minha reação automática foi chutar o guarda que havia me parado.

  Quando consegui retomar a corrida na direção do pátio, eu estava mais ofegante e eu sabia que não tinha como percorrer toda aquela distância antes de ser pega. Você sempre foi horrível em seguir ordens, não foi? Parecia que enxergar Sasuke se aproximando, num ritmo de corrida um pouco mais apressado do que o meu, era suficiente para que os meus pés não falhassem.

  Eu não me importava se a porcaria do capuz havia escorregado, se meus quadris doíam ou se eu tinha estourado o nariz na queda.

— O que você tá fazendo?! — A confusão genuína na voz de Sasuke me fez acelerar até o máximo de velocidade que pude e me jogar em sua direção. Os braços dele me agarraram antes que eu caísse e enfiei as unhas na nuca dele.

— Sendo uma adolescente. — Respondi assim que puxei um pouco de fôlego e segurei o rosto dele. Então aja como uma. — Eu não posso ir embora, não depois de ter te conhecido e não dá pra ir sabendo que te amo.

— Você... O quê?

  Respirei outra vez e não contive a porcaria do acesso histérico de riso e lágrimas que me dominou, porque eu precisava disso.

— Espera aí, você disse que...

— Amo você. E não vou embora.

  Aquela foi uma das vezes em que eu não liguei para as lágrimas idiotas que ardiam nos meus olhos ou o sorriso sincero que eu mostrava. Aquela foi uma das vezes em que eu me senti viva.

  Assim que escutei a risada aliviada de Sasuke e, pouco depois, a voz embargada de Ino e sua promessa de me arrebentar e de ouvir a ameaça de Hinata de me arrebentar depois da Yamanaka, foi ali que eu entendi que as coisas ficariam bem.

  Você percebe que fez a coisa certa quando seu coração não dói mais. E foi ali que o meu não doeu mais.


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Notas finais do capítulo

Se você chegou até aqui, muito obrigada.
Esse capítulo foi muito doído de escrever, foi estranho escrever NTLM com um final. Eu não imaginava que isso aconteceria por apego emocional, bloqueios mentais infinitos e muitas doses de desânimo ao longo do tempo. NTLM foi a primeira long-fic e foi o meu maior refúgio de momentos muito ruins ao longo da minha fase caótica como adolescente e saindo dela; foi onde eu me esquecia do resto do planeta e focava em Sakura, Sasuke, Ino, Hinata, Gaara e Naruto, no que eu tinha como visão de adolescentes reais: com problemas, com acertos, erros, enfim. O pacote todo.
Escrever NLTM foi divertido, foi triste e dolorido muitas vezes, mas foi ainda mais difícil quando eu tinha escrito a primeira versão e empacado sobre o que eu tinha proposto originalmente e o que tinha entregado. Aí reformulei, porque não conseguia mais me conectar com aquela versão e não conseguia mais ver sentido em descontar nos personagens algumas dores pessoais.
NTLM foi o meu verdadeiro porto seguro emocional/imaginativo.
Se você curtiu o que leu nesses 30 capítulos, então valeu a pena. De verdade.
Eu coloquei meu coração, minha imaginação meio estranha e tentei fazer o melhor que pude em cada linha, cada trecho e no enredo.
E se tem alguém que tenha lido, muito obrigada de novo.
Sério.
Bom, sobre o que ficou em aberto:
— GaaIno: na sinceridade, não rolou mais nada na minha cabeça sobre como aproximá-los, eu senti que explorei o que tinha à mão e não queria forçar nada. Talvez, daqui uns tempos, eu poste algo focado exclusivamente neles, como um especial ou uma fic de poucos capítulos;
— Karin, Matsuri, Sasame: nem sempre todos têm a punição que merecem e quis manter esse detalhe, as três foram personagens difíceis de se lidar porque eu queria apagar a aparição delas e fazer de conta que não precisava daquele contraponto, daquela dose de maldade e crueldade. E, honestamente, esse capítulo foi total emoção e quase zero razão da minha parte. Eu segui os pontos principais que tinha deixado como tópicos a seguir e, bom, o resto foi surgindo.
— NaruHina: senti que eles tinham que ter mais espaço, mas meu foco principal era Sakura. Também não quis forçar a barra com eles, não é um shipp que estou acostumada de ler e escrever, sendo bem sincera.
— SasuSaku: foi o casal principal da fanfic e, de novo, tentei não forçar a barra com a interação entre os dois.
Se restou alguma dúvida, alguma crítica, alguma ideia, pode mandar que eu respondo de boas. E, se ainda tem alguém lendo até aqui, obrigada.
É com muito aperto no coração que encerro a fanfic. Obrigada por ter acompanhado esse desabafo longo. Obrigada por, sabe, ter parado pra ler.
Até algum dia.
o/
P.S: Não revisei o capítulo, então se ficou alguma parte sem noção ou emocional demais, mea culpa, os ânimos estavam abalados demais ~.~

Rachel.



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