O telefone tocou e eu estiquei pesadamente meu braço na esperança de alcançá-lo. Tateei o pequeno criado mudo por algum tempo antes de tirá-lo do gancho e colocá-lo sob a minha orelha.

-Tom? – a voz de Bill parecia animada e disposta do outro lado.

-O que... – murmurei mal-humorado.

-Só para te acordar... Temos que sair em 1 hora. – disse, desligando o telefone.

    Coloquei o telefone no gancho novamente e enrolei um pouco antes de abrir os olhos e observar Katharine dormindo do outro lado da cama, por um instante me perguntei se estava sonhando... Já havia perdido a conta de quantas vezes sonhei em acordar ao lado dela novamente. Senti-me decepcionado ao concluir que afinal de contas, agora que isso é realidade, eu não me sinto nem um pouco diferente do usual. Ela abriu os olhos e sorriu para mim.

-Agenda apertada hoje? – sussurrou ao se espreguiçar.

-Mais ou menos... – respondi, saindo da cama com um pulo. Lavei meu rosto no banheiro e escovei os dentes rapidamente. Pelo espelho eu observei Katharine parada na porta, já vestida com aquele mesmo mini vestido de ontem.

-O que acontece agora? – questionou-me. Cuspi a pasta de dente e lavei a boca com água.

-Me dê um tempo. Ainda estou tentando descobrir o que aconteceu ontem. – tentei sorrir, apesar da frase não ter sido uma brincadeira, e muito menos engraçada.

    Katharine ficou me observando em silêncio enquanto eu escolhia minha roupa e me trocava. Ela tinha aquela expressão intrigada que eu raramente via, já que Katharine parecia ter sempre certeza de tudo.

-O que foi? – perguntei já pronto. Ela olhou para mim e sorriu de uma maneira triste.      

-Você mudou... – a conclusão dela me pareceu óbvia e eu encostei-me na parede cruzando os braços.

-Eu lhe disse ontem que muito tempo se passou... Muita coisa mudou para que eu continuasse a mesma pessoa.

-Não estou dizendo desse jeito... Quer dizer, você também está diferente nesse aspecto. Tem um ar maturo que não tinha antes. – sorriu de leve. – Mas eu estou dizendo que você mudou com relação á mim.

-Mudei?

-Antes quando você acordava e me olhava sempre tinha um olhar único, feliz e satisfeito... Hoje você nem ao menos sorriu.  Eu senti tanto a falta do jeito que você me abraçava logo depois de transarmos, mas ontem você simplesmente pareceu se esquecer.

    Katharine pareceu perceber que eu não tinha uma explicação para sua conclusão. Ela fez uma careta de decepção. Abri a boca para falar algo, mas nada que eu falasse ia mudar as coisas agora. Meu celular vibrou e a foto de Beatrice apareceu na tela. Deixei que ele tocasse por alguns segundos, inseguro se deveria atender ou não.

-Atenda... – ela sussurrou.

-Alô? – senti-me estranho ouvindo minha noiva do outro lado da linha enquanto olhava para Katharine ao mesmo tempo. Talvez fosse a culpa pelo que havia feito.                                               

-Estou atrapalhando?

-Não, pode falar... A Tessie está bem?

-Sim... Eu acho que ela sente sua falta. Sempre estica os braços na direção da TV quando você aparece. – o comentário me fez sorrir. Eu sentia muito a falta dela também.

-Diga a ela que eu já estou voltando... E você está bem?

-Estou. Eu só queria perguntar que horas você vai chegar hoje.

-Não sei... O avião sai ás 20:00, e eu não tenho idéia da hora que vou aterrissar.

-Hum... Tudo bem então! Se cuide! Até mais tarde! – ela riu do outro lado, e apesar do caos que se instalava no meu interior naquele momento eu também ri.

-Se cuide também... Até.

    Desliguei o celular e olhei para Katharine. Sua expressão era outra, completamente diferente daquela que ela exibia no momento em que eu atendi o celular. Ela me olhava com os olhos arregalados e mordia seu lábio inferior, era quase como uma criança que segura o choro.

-Qual o problema?

-Ela realmente tomou o meu lugar, não tomou? – sussurrou, uma lágrima solitária e mesmo assim a mais verdadeira que eu já vira escorrer dos olhos de Katharine fez seu caminho pelo rosto fino daquela que um dia foi o grande amor da minha vida. – Você fala com ela do jeito que falava comigo.

-Se te faz sentir melhor, o que eu sinto por ela não chega nem aos pés do que eu sentia por você.

-Mas o que você sente por mim agora não chega nem aos pés do que sente por ela. – Katharine levantou-se e secou com a conta de seu dedo indicador a pequena lágrima. Respirou fundo e deu-me um selinho, permanecendo daquela maneira por um longo tempo com os olhos fechados.

-Você está respondendo o que nem eu sei... – afastei-me alguns centímetros dela, olhando-a fundo nos olhos. - Como tem tanta certeza de que eu amo a Beatrice se nem eu sei? Se você tem essa resposta então, por favor, me fale.

-Eu queria poder dizer que de agora em diante você deve ficar comigo, que eu sou a única que pode te fazer feliz... Mas isso seria apenas uma grande mentira. O mundo está recheado de pessoas que te fariam muito mais feliz do que eu fiz. Então de agora em diante você só segue em frente.

-Como vou andar para frente se eu já não sei onde é frente e onde é atrás? Eu sabia até você aparecer... Agora eu só sei que estou olhando para meu passado e o meu presente e não sei para que lado andar para chegar ao meu futuro! – de repente eu estava chorando. Chorando por que estava confuso, por que estava perdido e não sabia o que fazer. Senti-me como uma criança novamente, tinha aquela sensação de desespero de quando você se perde dos seus pais no shopping e não sabe o que fazer. Katharine tocou meu rosto.

-Eu passei minha vida inteira aperfeiçoando cada pequena característica minha para ser a mulher que todos os homens querem. Sexy, independente, decidida, divertida... Mas ontem eu decidi que já não quero ser a mulher que todos os homens querem por que o único homem que eu quero é você. Mas eu acabei de descobrir que eu já não sou a única mulher que você quer... – ela secou as minhas lágrimas e abraçou-me. - Ah, Snoop...Você é uma pessoa realmente especial.

-Por que está fazendo isso? Não parece com você.

-Não sei. A vida realmente é uma merda, não é? Estou tentando ser boazinha, mas é quase insuportável a vontade que tenho de te roubar só para mim. – ela riu bem de leve. – E confesso que tenho uma pequena esperança de que um ato bondoso meu hoje fará com que talvez um dia, se ficar sozinho de novo, volte para mim.

-Podemos fazer um acordo então? – Katharine olhou curiosa para mim e assentiu com a cabeça. – Se um dia eu estiver tão perdido que não sei nem mais quem eu sou, faça isso. Roube-me só para você e cuide de mim, e se um dia me encontrar sozinho novamente, eu volto pra você.