Imperfeição escrita por GabrielleBriant


Capítulo 14
Purgatório




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XIV

PURGATÓRIO

EMMETT

Naquela noite, eu tive um sonho ruim. Era como se uma nuvem me perseguisse, e, por mais que eu corresse, ela se aproximava cada vez mais. A nuvem era a morte, eu acho; ou, pelo menos, eu corria como quem corre da morte. Acordei pouco antes de ela me alcançar – corpo pesado e suado, coração palpitando dolorosamente, ofegante. Demorei a me convencer de que tinha sido apenas um pesadelo.

Na verdade, apenas consegui me acalmar quando senti os cabelos de Louise fazendo cócegas no meu nariz. A minha garota dormia pesadamente ao meu lado, seu corpo ainda nu colado ao meu. As boas lembranças da noite anterior pareceram suficientes para apagar totalmente o pavor do sonho.

- Ei – Sussurrei, acordando-a. – Eu tenho que sair daqui, antes que a sua tia venha lhe chamar para o café da manhã.

Louise gemeu baixinho e se moveu sobre mim. Senti ela beijar duas vezes o meu peito antes de dizer:

- E você me tinha que me acordar pra isso?

- Bem... se a sua tia abrir a porta e lhe ver dormindo sem roupas ela pode desconfiar de alguma coisa!

- Oh. – Ela espiou debaixo das suas cobertas, vendo que ainda estava nua. Eu aproveitei para dar uma olhadinha, também. – Eu acho que apaguei antes de me vestir.

- Não estou reclamando! Aliás, quando nos casarmos, você vai ter que dormir nua todas as noites.

- Essas serão as ordens do meu marido?

- Sim.

- Então eu não terei escolha, senão obedecer!

Dizendo isso, ela respirou fundo e se levantou, ainda enrolada no lençol. Eu a observei procurar as nossas roupas no chão e não pude deixar reparar em como ela era bonita – bonita de uma forma real, palpável; não como uma divindade.

Eu estava aprendendo a gostar da realidade, de novo.

- O quê – ela perguntou, enquanto me entregava as minhas roupas. – Por que você está me olhando assim?

- Eu amo você – respondi sinceramente.

Louise sorriu.

- Eu pensei que estava com o rosto marcado de baba. Isso é bem melhor.

Ri, enlaçando Louise pela cintura e a beijando, sem me importar com o seu hálito matinal. Se eu soubesse que aquela seria a última vez, eu teria feito mais; eu teria me desculpado por todas as vezes que a magoei e teria tentado dizer o quanto ela significava para mim.

Mas eu não sabia. Então eu apenas me vesti e pulei a janela do seu quarto, sem dizer adeus.

O sol já estava nascendo. Eu andei pelos pastos e cumprimentei alguns dos funcionários que já começavam a trabalhar. Tive que inventar desculpas quando o tio de Louise, que já cuidava da ordenha, disse que não tinha me escutando se levantar.

- Amanhã é o grande dia? – Ele me perguntou.

- Pois é.

- Nervoso?

- Não, na verdade. Eu já sei o que ela vai responder.

Ele riu.

- Sabe, você ainda não me mostrou o anel de noivado.

- Eu não comprei nenhum.

O que o tio de Louise não sabia, era que eu já tinha dado o anel de noivado para outra pessoa. Uma pessoa que tinha me rejeitado.

Pensar em Rosalie Hale me fez ter vontade de atirar em alguma coisa – e eu jamais me negaria aquele desejo. Pedindo licença, fui até o meu quarto e peguei a espingarda. Caçar me faria bem.

A verdade é que eu ainda não tinha pensado em como eu pediria a mão de Louise, se não tinha um anel. Eu sabia que dar uma jóia de família para Rosalie tinha sido estúpido, mas eu não conseguia me arrepender. Quer dizer, eu amava Louise; muito! Mas Rosalie ainda era a mulher que ocupava os meus pensamentos.

Me embrenhei na floresta.

Talvez, se eu não tivesse convencido Louise a ir pra cama comigo, há uns dois anos, e ela ainda fosse pura, eu tentasse convencer Rosalie de que ela deveria se casar comigo. Ainda assim, de que me valeria tal casamento? Nos primeiros anos, tudo bem; eu a manteria entretida. Mas e depois? E quando a minha devoção não fosse mais suficiente para distraí-la do fato de que eu sempre serei pobre? De que eu sempre seria simplório e sempre lhe envergonharia na frente dos seus amigos chiques?

Nós seríamos infelizes. Já com Louise... – eu sorri. Louise era do meu mundo. Por isso eu fui apaixonado por ela desde que tinha treze anos!

Ali a mata era diferente da de onde eu morava: as árvores eram mais espaçadas, tinha armadilhas de urso por todo o lugar e, por ser um planalto, era bem mais gelado. Ali a caça era mais perigosa – o que apenas a deixava mais emocionante.

A minha garota odiava quando eu saía para caçar – só porque uma vez eu quase perdi uma perna para uma das armadilhas. Ela era caseira, a minha Louise. Não gostava muito de se aventurar pelas matas. Já Rosalie amava caminhar pela floresta, toda corajosa e desarmada. Ela não sobreviveria ali – a menos que tivesse alguém cuidando dela. Sorri; Rosalie era independente demais pra deixar que alguém cuidasse dela.

Não sei por quanto tempo eu andei, mas seguia sempre para o leste; não me perderia. A mata era cada vez mais fechada, e não demorei a ver alguns ursos pequenos – especialmente às margens do rio... Se não me enganava, aquele mesmo rio onde, milhas distante, eu notei pela primeira vez as curvas de Rosalie.

Pensei no dia em que ela revelou que gostava de mim – sentada na espreguiçadeira às margens do lago. Pensei nas pernas dela e nos seios que se pronunciavam no vestido colado. Pensei no sorriso dela, e na forma que ela olhava para mim.

Fechei os olhos e suspirei, lembrando de cada pedacinho do seu corpo. Lembrado de como era beijar a sua boca. Meu coração acelerou e eu não senti culpa: amanhã eu pediria Louise em casamento, e me obrigaria a ter olhos apenas para ela. Então, aquela ela a última vez que eu me permitiria pensar em Rosalie; pensar no meu anjo.

Por mais que me doesse, eu pensaria nela. Eu pensaria nos olhos, e na risada dela. Eu pensaria na boca.

Eu imaginei como seria o seu corpo nu: nada menos que perfeito. Imaginei como seria o seu corpo nu colado ao meu... como seria estar dentro dele.

Os meus pensamentos foram interrompidos por um urro distante e, por mais que eu quisesse continuar imaginando como seria fazer amor com Rosalie, eu sabia que a realidade era perigosa. Eu não poderia estar distraído com tantos ursos por perto.

Eu faria a minha vítima, depois voltaria a imaginar os seios de Rosalie em minha boca.

Respirando fundo, peguei a minha espingarda pela alça e a tirei do meu ombro. Chequei se estava carregada, e a deixei pronta para ser usada – meu dedo já no gatilho. Lá estava ele: o enorme uso cinzento. Um sorriso apareceu nos meus lábios, enquanto o colocava em minha mira. O animal se virou para mim, seus olhos bestiais cravando-se nos meus por uma mera fração de segundo antes de eu apertar o gatilho e...

E nada.

Nenhum barulho, nenhuma pancada em meu ombro por causa do recuo da espingarda, nenhum cheiro de pólvora, nenhum urro de dor.

Apertei o gatilho novamente, e a espingarda mais uma vez falhou. O urso deu um urro gutural, finalmente me identificando como o inimigo. O meu coração acelerou por medo... não. Por pavor. De certa forma, enquanto o urso enorme se aproximava e eu tentava desesperadamente atirar, eu soube que aquela era a minha hora.

Então, ele chegou. E eu vi a pata enorme erguer-se no ar e foi como se o tempo ficasse suspenso por um segundo antes de... a pata atingiu pesadamente o meu rosto, rasgando a carne e esfacelando os meus ossos. Eu caí no chão, zonzo, e soltei a minha espingarda.

Ouvi mais um urro antes do animal abocanhar o meu pescoço e colocar uma pata sobre o meu peito, rasgando-me com as suas unhas. A minha garganta encheu-se de sangue, e eu não pude sequer gritar. Olhei para o lado, para a minha espingarda; aprendi exatamente onde ela estava pouco antes dos meus olhos serem nublados pelo líquido vermelho. O urso mexeu a sua pata, apoiando todo o seu peso sobre mim e eu pude ouvir as minhas costelas quebrando.

Tossi. Tossi. E finalmente consegui gritar.

Os meus dedos encontraram a alça da espingarda ao mesmo tempo em que o urso abocanhou parte da minha perna. Quando eu tentei mirar, vi a minha carne em sua boca. Gritei ao apertar o gatilho.

Meu grito não foi o único barulho. A arma disparou, atingiu o urso na pata. Ele urrou – entre dor e ódio. Em sua vingança, cambaleou até mim e golpeou o meu braço esquerdo, esfacelando-o, esmagando-o... Quase separando-o de mim.

Nem sei se tive forças para gritar, mas consegui atirar mais uma vez – no peito, agora. O sangue do animal misturou-se ao meu e ele tropeçou para trás. Mais uma vez, atirei. A fera caiu no chão.

Eu venci.

Sorri, apesar da dor.

Eu tinha vencido.

Como se para comemorar a minha vitória, o sol brilhou entre as árvores e iluminou o meu rosto. O brilho do sol me fazia lembrar os olhos de Rosalie...

Rosalie. Meu anjo. Ela seria o meu último pensamento em vida.

Deus, traga o meu anjo até mim. Deixe que ela me conduza até o Senhor.

Dor... tanta dor!

Pai nosso que está no Céu, santificado... – eu não lembrava mais. A dor me fez esquecer como rezar. E, se eu estava morrendo, eu deveria rezar! – O pão nosso... Perdoar quem nos ofendeu... Livrai-nos de todo o mal, amém.

- Emmett!

Era a voz dela! Eu senti uma explosão de alegria, porque Deus tinha atendido ao meu pedido. Ele tinha trazido o meu anjo até mim... certo?

Tentei abrir os meus olhos, e ela estava lá. Meu anjo. Tão perfeita, tão linda. Ela brilhava.

- Eu- Sabia- A... – Falar doía tanto! Mas eu tinha que continuar! – Anjo.

- Sim, eu estou aqui.

Um espasmo de dor correu pelo meu corpo e eu sabia que não deveria mostrar a minha dor na frente do meu anjo, mas não resisti. Eu estava morrendo.

- Morrer- jovem.

Eu era jovem demais... Mas, se era o meu anjo quem me levaria para o céu, que assim fosse. Que ela fizesse de mim o que quisesse.

E ela me ergueu, para me levar para o céu... E nós começamos a voar, tão rápido... E ela respirava forte, o que era estranho para um anjo... E era estranho que eu sentisse tanta dor, se estava indo para o céu...

Seria aquilo o vale das sombras da morte?... E, diabos, por que eu não conseguia lembrar o salmo inteiro?

Meu anjo falava com alguém e... onde estava a luz do sol? Ela me soltou, e eu gritei quando o meu braço se deslocou. E logo tinha alguém mais comigo... alguém loiro e...

E...

Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo.

O Senhor... Então aquele homem seria Deus?

Mas, então, Deus me mordeu, e a minha dor aumentou. Foi como se me mergulhassem no fogo, e eu não conseguia entender por que Deus tinha me enviado para o inferno – eu tinha sido um bom cristão e nunca machuquei ninguém intencionalmente! E eu gritei, e eu ouvi alguém dizer que eu achava que estava no inferno... E ouvi a voz do meu anjo dizer que não.

E eu acreditei, porque o meu anjo estava lá; o meu anjo jamais caminharia pelo inferno, porque ela era pura demais.

Eu estava no purgatório.

No vale da sombra da morte.

Gritei novamente.

No vale da sombra da morte... O Senhor é o meu pastor...

- Ele está rezando, Carlisle. Tentando recitar o Salmo 23.

Deus segurou a minha mão, então. Com a sua voz firme, Ele disse:

- "O Senhor é o meu pastor, nada me faltará... Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranqüilas... Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome... Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam... Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda... Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do Senhor por longos dias".

Eu tentei acompanhá-lo enquanto ele recitava o Salmo, mas a dor não deixava. A dor me confundia, e eu apenas conseguia pensar quando abria os meus olhos e via o meu anjo. Ela também rezou comigo... Ela rezou o Pai Nosso, e a Ave Maria, e a Salve Rainha, e o Credo – apesar de eu não lembrar muito bem das duas últimas.

Ela me dava conforto.

Mas, quando eu fechava os olhos... eu estava no inferno novamente.

XxXxXxX

Esse cap foi um parto. De verdade. Eu não sou religiosa, não entendo como funciona a mente das pessoas religiosas (sem ofensa, sério!) e só tinha me atrevido a escrever sobre uma pessoa religiosa uma vez; mas ela não morreu na trama. Enfim, foi complicado. Mas espero que tenha saído ok.

Aliás, vai ter um bocado de elementos religiosos no próximo cap, também; então, boa sorte para mim. Se alguém tiver alguma dica, pode mandar.

Anyways, bjus e mais bjus para a Lou Malfoy, que betou mais esse cap. E, claro, para as lindas que deixaram review no cap passado: Lou [pq beta que eh beta deixa review!], Mimsy Riddle, Elissa Summers, Ana Paula e Tathiana [tentei não me ater muito à transformação, mas ao ataque. Como eu disse, escrever esse cap foi um parto, e eu não sei se conseguiria escrever mais uma linha... Hehehe!]. E, claro, para o pessoal do Nyah! mkmk e Relsanli.


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