Saga Sillentya: Lágrimas da Alma escrita por Sunshine girl


Capítulo 24
XXIII - Fuga


Notas iniciais do capítulo

Aeeeeee!!!!! o/o/

Finalmente chegamos no fim hein?? Quem diria???

Quem recomendou a música dessa vez foi a Vally... Brigadin, fofa!!!

Mas sem mais enrolação...

Boa leitura e nos vemos lá embaixo!



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Capítulo XXIII – Fuga

“Rompendo todas as ondas

Você prefere viver

Como a sua própria esperança,

Sendo levado para longe

Preso no caminho errado”.

(Mindflow – Breakthrough)

A noite já havia caído. Os últimos raios luminosos exalaram seus últimos suspiros e morreram no horizonte, cedendo espaço para a escuridão tenebrosa. E o manto negro desenrolou-se sobre o céu mais uma vez, milhões de pontinhos brilhantes incrustavam-no, como o acompanhamento perfeito para a lua cheia e deslumbrante.

De certa forma, era uma noite melancólica, onde tudo parecia ganhar um aspecto mais triste e sombrio, onde tudo parecia verter lágrimas de dor e sofrimento. Ou talvez não... Ou talvez fossem apenas os meus olhos tristonhos a contemplar a noite gelada da janela de meu quarto.

Claro que tudo voltara a sua normalidade, depois que Jeremias foi impedido de me sacrificar durante o Wayeb, a luz tornou a prevalecer sobre South Hooksett, os moradores despertaram confusos e com uma amnésia muito conveniente algumas horas depois que o desertor foi detido.

Pela cidade inteira houve murmúrios e lamentações, pessoas questionavam-se sobre o que poderia ter causado o blecaute de toda uma população. Um apagão que acometeu mais de cinco mil pessoas de uma pacata cidadezinha.

Os jornais e a mídia logo se aproveitaram disso, criaram manchetes, mil e uma hipóteses – uma mais absurda que a outra –, falavam em óvnis, abduções em massa, o vazamento de um gás tóxico em uma indústria química nos arredores, água e alimentos contaminados, mas ninguém chegava em um consenso.

Muitos afirmaram que é um sinal divino, o fim do mundo estava próximo. Mal imaginavam eles que o fim do mundo já havia passado, e pior ainda, que eu havia detido um sádico e lunático de governar o mundo inteiro com um exército de Escravos das Sombras.

Melhor que tudo isso seja mantido debaixo dos panos, de qualquer forma.

Quando despertei – hoje pelo fim da tarde, depois de permanecer desligada da realidade por quase doze horas – em minha cama, com tudo silencioso e calmo novamente, foi impossível conter a onda de alívio e paz que me atingiu.

Minha mãe telefonara para John, certificando-se de que ele não fora alvo da fúria do desertor, mas ele garantiu a ela que estava fora da cidade desde anteontem e, portanto ficara a salvo, longe das garras do mal.

Pela noite, Tamara me ligara, afobada por respostas e explicações. Eu tentava acalmá-la, dizer a ela de que estava bem, só cansada, mas era difícil convencê-la de que não sofrera um arranhão sequer enquanto estava nas mãos do desertor.

Claro que dei os créditos a Christian, eu não queria me gabar por um dom que eu não pedi; ainda que tenha vindo a calhar.

Suspirei, derrotada, enquanto brincava com uma mecha de cabelo. Do outro lado da linha, Tamara aguardava, afoita, por minha resposta.

Ergui as sobrancelhas e remexi-me no colchão – claro que minha mãe, exagerada como ela só, havia me impedido de sair da cama depois que despertei há algumas horas, puro exagero de sua parte, mas, era impossível ganhar uma discussão com minha mãe, talvez nesse ponto Tamara e ela fossem idênticas, iguaizinhas –, mordendo o lábio inferior, enrolando ao máximo, segurando a resposta na ponta da língua.

- O que você perguntou mesmo? – perguntei-lhe, receosa por ter que lhe dar aquela resposta. Mil vezes droga!

Tamara bufou, impaciente, do outro lado da linha e repetiu a tão temível pergunta.

- Alô? Terra para Agatha! Acorde, menina, eu perguntei se o Christian te beijou!

- Por que está tão interessada nisso? – tive que perguntar.

- E não é óbvio? Eu vi a forma como vocês dois se olham! E esse olhar passa bem longe de só amizade para mim.

- Você está vendo demais! – eu repliquei, não queria confidenciar isso a Tamara, principalmente quando nem mesmo eu acreditava que isso de fato havia acontecido entre nós.

- Ele te beijou ou não? E pare de enrolar! – ela exigiu, irritada. Que opção eu tinha?

Rendi-me com um longo e tedioso suspiro, tornando a me remexer no colchão.

- Tudo bem, tudo bem! Sim, ele me beijou, satisfeita?

Tamara bateu palmas do outro lado, evidentemente ela empolgava-se mais com esse fato do que eu própria.

- Muito satisfeita! – ela cantarolou – A qual é, Agatha? Você não vê o Aidan há meses, e quando outro galã aparece bem diante de você e te beija – ela deu muita ênfase nesse fato –, você ainda tem a audácia de fazer essa cara e ficar tão... para baixo desse jeito?

- Não gosto de ser uma estraga prazeres, mas já passou pela sua cabeça que eu posso acabar piorando a situação de ambos? – enfatizei e ela ficou sem resposta – por poucos segundos, eu devo admitir, depois tornou a tagarelar do outro lado da linha.

- Ah, você se refere ao fato dos dois serem irmãos? Esqueça isso, o que tiver de ser, será. Além do mais, ao que me consta, você nunca foi a responsável pela rincha dos dois. Tire isso da cabeça e pare de imaginar baboseiras!

- Para você é muito fácil falar isso, você não está vivenciando mesmo...

- O que eu sei, querida, é que o Aidan te deixou há meses, se ele ao menos tivesse um pouco de consideração por você, teria ligado, mandado uma carta de consolo, enfim... O fato é que quem te ajudou nesses últimos meses não foi o Aidan, foi o Christian. Tente levar isso em consideração antes de tomar qualquer decisão.

Revirei os olhos, ela estava dando uma de conselheira amorosa para cima de mim?

- Tudo bem, acabou a consulta? – brinquei e ela riu do outro lado.

- É, acho que sim... – ela sussurrou – As aulas estão suspensas por causa de todo esse alvoroço que está havendo na cidade, e minha mãe quase pirou essa tarde quando eu disse a ela que sabia a razão de todos esses eventos.

- Você não contou nada a ela, contou? – perguntei, um pouco sobressaltada, Tamara era uma pessoa imprevisível.

- Claro que não! – ela exclamou, como se isso fosse algo óbvio – Mas que eu aticei a curiosidade dela, isso eu fiz!

- Você não tem jeito... – murmurei, arrancando algumas gargalhadas dela.

- As aulas retornam na semana que vem, acho que te vejo lá então...

Fiquei sem palavras, os lábios entreabertos, prontos para dizerem aquilo que eu estivera protelando durante toda a nossa conversa... Eu conseguiria? Eu... teria coragem suficiente?

- Tamara, sobre as aulas, tem... Tem algo que eu preciso dizer a você.

- Se for sobre algum dever de casa ou trabalho, esqueça, eu quero férias! – ela resmungou e bocejou, estava tarde e ela precisava descansar daquele dia atribulado – Então, o que quer me dizer?

Suspirei novamente, completamente derrotada.

- Deixe para lá... Quando nos vermos novamente, eu te digo.

- Ótimo, até lá então.

- Mande lembranças minhas ao Peter.

- Claro, claro, só não vou deixar que isso suba a cabeça dele. Boa noite, Agatha.

- Boa noite... – sussurrei e depois o telefone já estava mudo, ela havia desligado.

Relaxei meu corpo no colchão, depositando o telefone no criado-mudo. Os grilos cantarolavam, alegres, do lado de fora, festejando a noite que chegara, eu ainda preferia o silêncio amedrontador a ouvir seus cantos jubilosos.

Remexi-me na cama, ainda agitada, parecia que seria uma longa noite. Tornei minha atenção para a porta de meu quarto, quando esta se abriu, revelando o semblante belo e sereno de minha mãe. Ela abriu um singelo sorriso quando me viu desperta, recostando a porta atrás de si.

- Como se sente, meu bem?

Tornei a me sentar no colchão, apoiando minhas costas no travesseiro e juntei minhas mãos em meu colo.

- Sinto-me ótima, mãe, por que? Algum problema? – não pude deixar de perguntar.

Ela caminhou, contornando minha cama, e sentou-se bem próxima de mim, suas mãos envolveram as minhas. Ela baixou os olhos negros e brilhantes, as longas pestanas lançavam sombras densas sobre seus olhos, impedindo-me de ver o que exatamente se passava por sua cabeça naquele momento.

- Eu sempre soube que mais cedo ou mais tarde, você descobriria toda a verdade – ela riu sem humor algum, claramente nervosa – ou pelo menos, metade dela. Mas eu jamais imaginei, meu bem, que as coisas pudessem chegar a esse ponto.

- O que quer dizer? – perguntei-lhe, aturdida. Ela sorriu, tornando a me fitar nos olhos, e eu vi naquele instante em que nossos olhares cruzaram-se o quanto tocar naquele assunto era doloroso para ela.

- Quero dizer, meu amor, que só não lhe contei nada, porque seu pai fez-me prometer que não lhe diria nada, nunca, sob nenhuma circunstância.

- E por que ele queria que você escondesse isso de mim?

Uma solitária lágrima acumulou-se em seus olhos, derramando-se dele, escorrendo por sua face, e ela logo tratou de limpá-la. E sua voz chorosa ecoou em meus ouvidos, deixando-me ainda mais confusa.

- Porque ele te amava, meu bem, mesmo antes de vê-la, ele já te amava acima de qualquer coisa, e só desejava o seu bem.

Semicerrei os olhos e meus dedos apertaram os dela, que se entrelaçavam aos meus cada vez mais possessivos e protetores.

- Tem a ver com o segredo que você guarda de mim. – conjeturei, e ela não me respondeu, então era um sim. Tudo estava conectado.

Seus dedos deixaram os meus, procurando por minha face, afagando minha pele com tanta suavidade e tanto zelo.

- Você só precisa lembrar-se disso, meu bem, do quanto ele te amava, e do quanto ele sacrificou para que você estivesse aqui, agora, saudável, amada, protegida...

Envolvi seus dedos mais uma vez, beijando-lhe as costas da mão, e ela sorriu-me.

- Gostaria tanto de tê-lo conhecido.

- Tudo o que precisa saber é que ele sempre estará com você, de alguma forma, eu sei que ele está com você.

Não resisti mais a aquele impulso esmagador, e simplesmente me lancei nos braços dela, enterrando minha face em seus cabelos perfumados, como uma criança que precisava do colo da mãe, eu a busquei, com a mesma necessidade e o mesmo fervor.

Minha mãe finalmente se debulhou em lágrimas, chorando sem parar enquanto seus dedos afagavam meus cabelos. Permanecemos assim por um tempo, que ao meu ver, pareceu imensurável. E depois nos separamos, minha mãe ainda limpava ps últimos resquícios das lágrimas.

Minha mãe abriu um lindo e singelo sorriso mais uma vez, pegando em minhas mãos.

- Tem alguém que quer falar com você.

E tudo se encaixou perfeitamente em minha cabeça. Christian já havia falado com minha mãe então. Por isso ela estava ali, estava despedindo-se de mim...

Segurei o desejo insano de querer chorar e engoli em seco.

- Tudo bem. – assenti. Minha mãe levantou-se, rumando até a porta e antes que pudesse deixar meu quarto, sussurrou um “eu te amo” para mim.

Segundos depois, Christian já entrava, os olhos azuis cintilando como duas pedras de lápis-lazúli, os cabelos negros mesclavam-se às sombras mais densas em meu quarto e sua pele de alabastro reluzia mesmo na escuridão mais intensa.

Ele caminhou calmamente até a beirada da cama e sentou-se ali, os olhos não me deixavam nem mesmo por um segundo, fitando-me de maneira intensa e encantadora.

- Sua mãe já lhe contou o porquê de eu estar aqui agora?

Meneei a cabeça para os lados, negando. Embora no fundo, eu já soubesse de fato o motivo de sua visita, só não queria admitir para mim mesma que a hora dolorosa havia chegado.

- Agatha – ele sussurrou, vagarosamente, esgueirando-se pelo colchão, aproximando-se de mim –, estou aqui para levá-la embora. Já conversei com sua mãe, e garanti a ela que te protegerei com minha vida se for necessário.

Baixei meus olhos, triste. Por mais que eu tivesse dito que odiava aquela cidade e seus moradores, isso nunca foi uma verdade. Porque este foi o meu lar, o único que conheci durante toda a minha vida e seria muito doloroso agora para eu dizer adeus a ele, a todos aqueles que passaram por minha vida.

- Christian, eu... Eu não sei consigo dizer adeus... Eu... estou com...

- Medo? – ele interrompeu-me, completando minha frase inacabada.

Tornei a fitá-lo, os olhos arregalados, de meus lábios nenhum som saía.

- Acho que sim... – consegui sussurrar, expressando o quanto aquilo seria difícil para mim.

- Eu te entendo, Agatha, mas pense agora no que será melhor para você, no que será mais seguro. Se você ficar pode pôr em risco não somente a si própria, como aqueles que estão ao seu redor. Você precisa vir comigo. – disse-me ele, lançando toda a intensidade e o encanto de seus olhos sobre mim – Eu prometo que nada ruim lhe acontecerá, eu farei tudo o que puder para mantê-la segura.

Suas palavras conferiram-me segurança, proteção, uma sensação de que nada poderia atingir-me naquele momento, de que eu era invulnerável, indestrutível. E eu sorri, confiando-lhe tudo, confiando-lhe a minha própria vida.

Sua mão pousou sobre as minhas, segurando nelas com determinação, enquanto seus olhos continuavam a sondar-me.

- Vista-se, faça suas malas, eu a esperarei lá embaixo.

Depois que ele deixou-me sozinha novamente, eu retirei as roupas que usava para dormir. Vesti algo um pouco mais apresentável, como uma blusa de mangas de um tom de verde-escuro com botões, uma calça jeans de lavagem escura e um par de sapatilhas que eu jamais usara na vida, pois nunca encontrara uma ocasião perfeita para usá-los.

Apanhei uma mala, em cima de meu roupeiro e rapidamente a enchi com levas e mais levas de roupas. Apanhei meus documentos e meu passaporte – retirado ainda nesse ano, quando atingi a maioridade.

Penteei meus cabelos, e logo enfiei minha escova de cabelos dentro da mala. Corri até o banheiro, escovando meus dentes para depois colocar minha escova de dentes na minha nécessaire.

Voltei ao meu quarto, terminando de colocar a última leva de roupas, quando me deparei com a única lembrança que Aidan permitira deixar-me: o Terceiro Olho.

Hesitei, tendo entre meus dedos a jóia mística, e com um movimento abrupto, a escondi, debaixo das roupas, no fundo da mala. E então, finalmente tive que lidar com a parte mais dolorosa: dizer adeus ao meu lar.

Observei, com meus olhos tristonhos todo o meu quarto. A mobília, como meu roupeiro, minha escrivaninha no canto, minha penteadeira recostada à parede, minha cama; As cortinas de babados e rendas, o assoalho de madeira, as paredes em tons claros. E disse adeus a tudo isso.

Engoli em seco, refreando aquele desejo insano de chorar, eu tinha que ser forte agora, ceder às lágrimas só tornaria tudo mais doloroso e dificultoso. Então, em um rompante, saí de meu quarto, carregando com um pouco de dificuldade minha pesada mala.

Desci as escadas, vendo duas figuras a minha espera na sala; a primeira era a de Christian, aos pés da escada, pronto para me amparar. A segunda era minha mãe, sentada no sofá, com a face enterrada nas palmas de suas mãos.

Christian tomou a bagagem de minhas mãos assim que terminei de descer as escadas, seus olhos recaíram sobre minha face, compadecidos, complacentes, e permitiram-se demorarem em meus olhos.

Ele aproximou seus lábios de minha orelha, sussurrando para que somente eu pudesse ouvi-lo.

- Darei algum tempo a vocês duas, diga adeus, Agatha.

E ao terminar de dizer isto, ele retirou-se, saindo pela porta da frente para a noite estrelada.

Minha mãe levantou-se do sofá instantaneamente, e encarou-me com seus olhos chorosos. Eu não me detive novamente, não era capaz de tal. E simplesmente me lancei em seus braços, envolvendo-a em um apertado abraço. Sorvi seu cheiro que me trazia tanta paz, e tantos momentos nostálgicos e doces lembranças de épocas remotas.

- Eu te amo, mamãe, jamais me esquecerei disso. – sussurrei em seus cabelos. Ela gemeu, chorando ainda mais, e seus braços restringiram-me ainda mais.

- Eu também, meu bem, eu também. Você é tudo para mim, sempre foi.

Cerrei meus olhos, deixando-me embalar por aquelas sensações, pelos últimos momentos que podia desfrutar ao lado de minha mãe. E finalmente me afastei, encarando seus olhos vermelhos, vincados pelas lágrimas incessantes. Afaguei seu cabelo, dando-lhe um meio sorriso.

- Eu voltarei, mamãe, eu prometo que voltarei.

Ela também sorriu, mas seus olhos continuaram a verter lágrimas. Dei um beijo em sua testa e encaminhei-me até a porta da frente, saindo para a noite estrelada, o céu negro iluminado pelo brilho singelo da lua.

Christian já estava lá, esperando-me, seu corpo languidamente recostado em um carro que eu não reconhecera. Um Porsche negro, mortalmente veloz.

Ergui as sobrancelhas, confusa, obviamente que ele fora fruto de algum furto em uma cidade distante dali. O fato é que poderíamos ter utilizado o Grand Jeep Cherokee de minha mãe, se ele não estivesse em um conserto nesse exato momento, pois o pára-brisa fora estilhaçado, e a porta do carona arrancada por um exército enfurecido de Escravos das Sombras durante os cinco dias sem nome.

Minha mala estava aos seus pés, e assim que ele viu-me sair pela porta, ele a levantou, encaminhando-se até a traseira do Porsche, abrindo seu porta-malas, e colocando minha bagagem lá dentro.

Ele voltou, abriu a porta para que eu entrasse, e eu agradeci a gentileza, porém, antes de entrar no carro, encarei a rua deserta e silenciosa, o manto negro que se desenrolava sobre a viela enegrecida, as casinhas de madeira que sumiam no fim dela, as árvores no meio-fio.

Tudo aquilo fazia parte da minha infância, fazia parte da minha adolescência, e uma dúvida assolava-me naquele momento: eu poderia viver sem aquilo fazendo parte do meu dia a dia?

Meus olhos prenderam-se, agarram-se a aquelas últimas lembranças com veemência. E eu finalmente, adentrei ao carro, enquanto Christian fechava a porta, contornava o veículo, deslizando para o banco do motorista.

Nós devíamos ter que chegar primeiro em Manchester, depois seguir de avião para Nova Iorque, e finalmente, pegar o vôo para a Itália. Seriam horas e mais horas de vôo, e seria bastante exaustivo.

Prendi o cinto de segurança, enquanto Christian colocava a chave na ignição. Olhei em derredor novamente, vendo tudo exatamente como queria me lembrar, a frente de minha casa, o jardim que minha mãe adorava manter, e ela própria, recostada a porta, apoiando-se no batente; ela ainda chorava, vendo sua única filha partir para o estranho e desconhecido.

Meu coração acelerou em meu peito, somente de imaginar o que o destino poderia reservar-me. O que de fato aguardava-me nas sombras do desconhecido...

Senti o toque quente de dedos, envolvendo minhas mãos frias e trêmulas; era Christian quem tentava acalmar-me.

Tornei a fitá-lo, observando os olhos azuis e cintilantes, tão azuis e cintilantes na verdade que intimidariam o mais sereno e límpido oceano. Talvez aí estivesse a conexão, aqueles olhos sempre foram como um oceano de segredos para mim, e nos últimos meses, aqueles mesmos belos e sedutores olhos haviam se transformado no meu novo porto-seguro, no meu refúgio das tormentas.

Eu não poderia negar isso; Christian estava ali, naquele momento, ao meu lado, ajudando-me, protegendo-me. Ele tornara-se o meu aliado, o meu companheiro, o meu amparo quando mais precisei.

- Eu prometo, não permitirei que nada de ruim lhe aconteça. – jurou-me ele, solenemente, e o som da promessa ressoava em cada palavra proferida por seus lábios macios.

Ephemera: esse seria o meu destino, o destino de minha fuga desesperada, na verdade. Pela primeira vez eu encontraria semelhantes a mim, pessoas da mesma raça condenada a qual eu pertenço, a qual meu pai pertenceu: Elementais.

Tal encontro deixava-me alarmada e um pouco receosa, eu não sabia o que esperar desse encontro, afinal. Mas de algo eu poderia ter certeza, Christian estaria comigo, ele seria meu amparo quando eu precisasse novamente.

Eu tinha certeza de que tudo daria certo no fim, se pudesse contar com o apoio incondicional dele.

Assenti, ainda muda, as palavras entalavam em minha garganta de uma forma incomum. E o motivo era simples: havia chegado a hora definitiva, a hora tão temida, a hora de dizer adeus.

Toquei o vidro da janela com as pontas dos dedos, sussurrando algo que para mim mesma era algo dificílimo, imaginar então como deveria ser para minha solitária mãe...

- Adeus, mamãe...

Ela mordeu os lábios e tentou esboçar um sorriso, detendo-se em sua imensa vontade de chorar ainda mais.

Christian girou a chave na ignição e o motor do Porsche rugiu como uma pantera negra prestes a dar o bote.

Fitei-o na escuridão da noite, e confiei inteiramente nele, deixando todos os meus temores e todas as minhas inquietações de lado. Tudo daria certo no fim, eu repeti para mim mesma, tudo terminaria bem.

E além do mais, eu estava realizando meu desejo, não estava? Estava indo para a Itália, a terra de Aidan, o país onde ele residia e somente por pensar nisso, uma nova emoção dominava-me.

Mas o real desfecho de toda essa história de sacrifícios, mortes, maldições, perseguição e opressão eu só conheceria em breve, quando tivesse de enfrentar a minha hora mais negra, o meu próprio destino.

Quando eu tivesse de escolher novamente entre o certo e o errado, a luz e as trevas, amor ou ódio.

Christian pisou fundo no acelerador, os pneus cantaram no asfalto, produzindo uma grande quantidade de fumaça, e finalmente avançou pelas vielas desertas e obscurecidas.

E enquanto as casinhas passavam por meus olhos, eu despedia-me de cada pedaço daquela cidadezinha, cada habitante que residia ali, cada pessoa que já passou por minha vida. Era o meu adeus solene para tudo e todos que em algum dia distante e nebuloso, por mais de dezoito anos, eu chamei de lar...


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Notas finais do capítulo

Hahahahahahahahaha! Finalmente terminei essa tumultuada 2ª fase! Ufa, demorei demais da conta dessa vez... Também foram tantos imprevistos para mim, teve provas finais, formatura do colégio, e era feira de ciência, vestibular, documentos para a matrícula... Enfim... Obrigada pela paciência que tiveram comigo!
Mas... Essa 2ª fase finalmente terminou!
Obrigada a todos que mandaram reviews, aqueles que não mandaram também, um obrigada especial e um beijo na bochecha para aqueles que recomendaram a fic! Domo arigato!!!
Lembrando que amanhã à noite, estarei postando o prólogo "bomba" da 3ª fase que se chamará Espelho do Destino. E eu peço que não arranquem meu pescocinho quando eu postá-lo, lembrem-se que tudo na fic possui um propósito, nada é por acaso... rsrsrsrsrs
Obrigada a todos!!!! Uhuuuuuuu!!! *abre o champagne e solta fogos de artíficio*
Beijinhos e até a tensa 3ª fase!!!!